Eu tenho dois amigos, ambos curiosamente chamados Pedro. Um deles é extremamente cuidadoso com seu orçamento, registra gastos de forma cautelosa, sempre come suas refeições em casa e guarda boa parte de sua receita mensal. O outro é um bon vivant, gosta muito de vinhos orgânicos caros e restaurantes estrelados, não poupa gastos para viver experiências únicas e nem sabe o que é um orçamento. Infelizmente, ambos trabalhavam juntos em uma empresa que faliu.
Após um tempo, o primeiro Pedro veio falar comigo. Disse que estava com dificuldade de arranjar um novo trabalho e que sua reserva de emergência estava acabando. Perguntou se eu poderia lhe fazer um empréstimo. Eu prontamente aceitei e cobrei um juros baixo, pois conhecia a sua responsabilidade orçamentária. Pouco tempo depois, veio o segundo Pedro. O discurso era o mesmo. Mas dessa vez, fiquei receoso. O segundo Pedro tem um estilo de vida que requer muitos gastos, nunca foi responsável com o dinheiro. Eu teria pouquíssima garantia que voltaria a ver a cor do dinheiro caso o ajudasse. Como ele é um grande amigo, aceitei emprestar, mas cobrei um juros muito maior.
Bom, vocês já devem saber onde eu estou indo com essa história. Os comentários recentes do presidente eleito Lula mostram que sua característica de estadista bon vivant está a flor da pele. Não poupou palavras dizendo que irá gastar para ampliar programas sociais e de investimento, mesmo sem indicar uma fonte de receita recorrente para tal. Mais, sua equipe encaminhou ao congresso a PEC da Transição que coloca os gastos do Bolsa Família fora do teto de gastos por um tempo ainda indefinido. Ou seja, o governo teria liberdade para expandir o Bolsa Família como bem entender a partir do ano que vem.
Com esse tipo de plano orçamentário, menos pessoas vão topar financiar esse governo, isto é, menos pessoas comprarão títulos de dívida emitido pelo governo federal. Se menos pessoas compram, menor é o preço do papel e, consequentemente, maior é a taxa de juros atrelada ao título. Além disso, como menos pessoas compram, incluindo estrangeiros, menor é o fluxo de dólar para o país, depreciando o câmbio. Investidores locais também começam a se preocupar com a solvência do governo federal e buscam comprar dólar, acentuando a depreciação da moeda. Então, não, não é um processo puramente especulativo, como o Lula tem falado. É um processo racional que sinaliza a inviabilidade do planejamento econômico do governo.
Mas o Lula está fazendo isso para ajudar os mais necessitados e ampliar escopo e magnitude do Bolsa Família. Sim, de fato. Mas, no fim das contas, quem mais sofrerá com o caos econômico que incidirá sobre a economia caso o governo permaneça nessa trajetória é justamente quem ele está querendo ajudar. O processo lógico de como isso acontece começa com a crise de confiança dos mercados, que eu citei no parágrafo anterior. Com o câmbio depreciado, insumos e produtos que vem do exterior ficam mais caros. Assim, empresas que utilizam esses insumos tendem a repassar uma parte desse aumento para o preço que o consumidor paga, aumentando a inflação. Além disso, quando o governo fala que irá pagar 600 reais por mês para milhões de famílias, esse dinheiro será gasto e as empresas (desde a barraca de frutas na feira até o hipermercado) entendem que existe uma maior demanda por seus produtos e, por isso, podem cobrar um preço maior. De novo, a inflação aumenta.
Então, com esse aumento inflacionário na largada, agentes econômicos começam a acreditar que a inflação no futuro será ainda mais alta e, então, começam a reajustar seus preços conforme essa expectativa. Começa ai a espiral inflacionária. O dinheiro começa a perder seu valor rapidamente e os 600 reais que as famílias recebiam no começo do mês compram menos comida, roupas e bens essenciais a cada mês que passa. Então o governo reajusta o valor do Bolsa Família para cima. E recomeça o ciclo vicioso. Tudo isso sem falar do aumento da taxa de juros de mercado e como isso desacelera o crescimento econômico, o investimento e a criação de valor e emprego.
Vimos o perigo da irresponsabilidade fiscal no governo Dilma, quando o país enfrentou a pior recessão já registrada aqui. Foi Mark Twain que disse que a história não repete, mas rima. Dessa vez, estamos observando o início de uma rima que já sabemos ser extremamente dolorosa. Espero que o futuro governo Lula recobre sua racionalidade e exerça uma gestão fiscalmente responsável junto com uma agenda social inclusiva, duas coisas não mutuamente excludentes.
Caso contrário, o remédio prometido para solucionar a pobreza e desigualdade será justamente o seu veneno.
João Mercadante
Formado em Ciências Econômicas pelo Insper e é sócio e economista na Apex Capital.