Previsões, previsões por todos os lados

Superprevisões – A arte a ciência de antecipar o futuro – Editora Objetiva; R$44,90

Todos os dias, todos, sem a menor exceção, vemos na televisão, ouvimos no rádio e lemos nos jornais milhares de previsões feitas por economistas, cientistas políticos e analistas de todos os tipos; os chamados “experts”. Especialistas na maioria das vezes com doutorados em suas respectivas áreas. Discutem uma miríade imensa de assuntos: o impeachment da presidenta, se a inflação vai algum dia retornar à meta ou, no âmbito internacional, quando o grupo Estado Islâmico será finalmente aniquilado.

Porém, qual a validade de todas essas previsões? É esse o ponto que Philip Tetlock, professor de psicologia da Universidade da Pensilvânia especializado na capacidade humana de fazer previsões, e Dan Gardner (jornalista investigativo do Canadá) exploram em Superprevisões – a arte e a ciência de antecipar o futuro.

[caption id="attachment_6360" align="aligncenter" width="222"]capa do livro Ver mais detalhes em: http://goo.gl/SL3NPk[/caption]

O ponto central do livro de Tetlock e Gardner é simples. Sim, podemos prever o futuro com relativa eficácia, talvez até melhor e com uma taxa superior de acerto a de um macaco jogando dardos (sobre os macacos: suas taxas de acertos nos dardos são em média superiores às taxas de acerto previsões dos “experts”).

Entretanto, ao olharmos previsões de especialistas, suas validades são infelizmente baixas. Não que tais previsões sejam ruins 100% das vezes; o problema é que grande parte oferecem respostas vagas – encobertas por uma névoa de incertezas que as protegem. Essa névoa é uma espécie de malandragem do “expert” quando ele expõe suas ideias acerca do futuro. Já percebeu que a maioria das previsões feitas na televisão nunca possuem um prazo certo? São sempre intervalos obscuros, janelas de ocorrência grandes demais como: “dentro dos próximos dois anos”, “no médio prazo” ou a minha favorita: “em um futuro visível”. Quanto ao grau de certeza do previsor sobre os eventos, as respostas evitam números, sempre com frases que variam de: “pouco provável” até “65% de chance de impeachment”.

Um caso interessante foi o imenso debate veiculado pelo canal de negócios Bloomberg acerca dos impactos da política de Quantitative Easing (QE) na economia norte-americana. Na ocasião, grande parte dos “experts” chamava atenção para o perigo da ferramenta monetária acabar por gerar inflação elevada, sem gerar impactos positivos relevantes na atividade econômica do país. Passados alguns anos, o que aconteceu com a inflação? Hoje, o QE encontra-se em sua fase de cruzeiro, iniciando a descida. O dinheiro parou de ser bombeado e o FED se prepara para enxugar a liquidez do sistema. Só agora, a duras penas, a inflação está chegando próxima ao nível ótimo segundo o FED, extremamente longe do cenário de descontrole. Quando esses experts foram confrontados a respeito de suas catastróficas previsões inflacionárias, feitas em 2009/2010, todos disseram “falamos em inflação apenas, e não inflação de bens e serviços. Vejam o quanto estão inflados o preço dos ativos! Portanto, houve inflação, mas nos ativos”. Vê-se aí um ilustrativo caso do uso da névoa, permitindo ao previsor sair pela tangente, e ainda parecer extremamente inteligente, parecer.

Após esse e outros exemplos, o livro nos leva a uma conclusão impressionante, que torna sua leitura surpreendente: os melhores previsores que existem não são experts, são pessoas comuns, com trabalhos normais e que pouco tem relação com previsão. Ok, com exceção dos meteorologistas, nenhum deles trabalhou durante a vida tentando achar qual seria a próxima ação a disparar 30%, qual o próximo alvo militar dos Estados Unidos ou se malucos como Donald Trump seriam candidatos com alguma possibilidade de vitória em uma eleição presidencial.

Para chegar a tal conclusão, Tetlock organizou um campeonato de previsão online, com patrocínio da IARPA (Intelligence Advanced Research Projects Activity) – órgão ligado aos serviços de inteligência americana (aparentemente a própria inteligência estava de saco cheio de seus previsores internos que já enfiaram os Estados Unidos em grandes roubadas como a invasão da Baía dos Porcos e a Guerra do Iraque). O torneio era muito simples e todos podiam participar e, ao final do projeto, todos recebiam um singelo vale presente da Amazon, que em nada compensava financeiramente o tempo gasto para responder questões como: “Yasser Arafat foi exumado e equipes na Suíça estão estudando seus restos mortais para checar traços de elementos radioativos que indicam envenenamento. Quais as chances da equipe achar traços do elemento radioativo?”. Surpreendentemente, as pessoas menos ligadas a previsões durante suas vidas tiveram o melhor desempenho em perguntas como essas, pois usaram modelos com pouca influência de ideias pré-determinadas.

Ao contrário de experts, que passam dias e mais dias pensando sobre um escopo limitado de problemas, os indivíduos comuns não tinham nenhuma ideia pré-concebida sobre envenenamento por radiação, ou por qualquer outro assunto perguntando ao longo do torneio. Deste modo, elas começavam sua pesquisa por questões simples, como quanto tempo esse tipo de elemento radioativo demorava para desaparecer, quais as chances de ele ser usado para envenenar alguém, o quão difícil é o acesso a tais elementos, para ao final, fazer a pergunta central: os interessados em matar Arafat teriam acesso a tais elementos? Como descrito pelos autores, tais pessoas pensavam de fora para dentro do problema, o que evita qualquer viés, ou ruídos advindos de ideias pré-concebidas sobre o fato em análise.

Explicando dessa forma até parece que é simples fazer previsões desse tipo. Na verdade é, caso você use um modelo simples e faça as perguntas corretas. E o mais importante: não ter medo de ir calibrando sua previsão, ou seja, ir mudando as conclusões à luz de novos fatos.

Esse último ponto é o que tornou crucial o sucesso dos comuns contra os “experts”. Especialistas possuem poucos incentivos em mudar suas previsões, uma vez que estes podem demonstrar um sinal de incerteza – e ninguém dá ibope para especialistas incertos. Por outro lado, aqueles que não viviam de previsões estavam dispostos a alterar suas conclusões, assim como uma biruta de aeroporto muda de acordo com o vento, indicando para os pilotos qual o melhor lado para pousar.

O intervalo de tempo das previsões também importa, já que não conseguimos ver muito longe no futuro. E isso se comprova a cada dia que passa. Em 2010, por exemplo, não tínhamos a menor ideia de que surgiria o Estado Islâmico, que Donald Trump lideraria as pesquisas de nomeação do Partido Republicano ou que Dilma Rousseff estaria quase sofrendo impeachment logo após sua reeleição.

Mas o principal problema explicitado pelo livro sobre nossos experts de cada dia é a falta de cobrança sobre estes. Hoje, um especialista pode ir à TV e dizer que o impeachment é bastante provável até maio. Mas, e se ele estiver errado? Em maio é provável que pouca gente se lembre dessa previsão furada e o programa que o convidou não vai lhe chamar no ar e dizer “Ei cara: você estava errado”. Logo, não existe uma punição para experts que vociferam suas previsões diariamente, incentivando que previsões furadas sejam lançadas ao vento diariamente.

A grande beleza de Superprevisões talvez não seja ensinar a ser um superprevisor, mas sim tentar explicar o processo a partir do qual seja possível fazerem-se boas provisões. A riqueza do livro, portanto, é o antídoto que ele fornece contra as venosas previsões que são feitas dia após dia na mídia. Saber diferenciar entre o que é informação crível e o que é ruído ,é de longe uma habilidade valiosa em dias de redes sociais, internet e informação que circula sem limites. Talvez melhor do que saber fazer uma excelente previsão, seja detectar quando alguma previsão não cheira bem.

A Companhia das Letras e o Terraço Econômico são parceiros para resenhar e divulgação de títulos.

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Victor Candido

Mestre em economia pela Universidade de Brasília (UnB). Economista pela Universidade Federal de Viçosa (UFV). Foi economista-chefe de uma das maiores corretoras de valores do país, economista do Banco Interamericano de Desenvolvimento e atualmente é sócio e economista de uma gestora de fundos de investimento. Foi pesquisador do CPDOC (O Centro de Pesquisa e Documentação de História Contemporânea do Brasil) da FGV-RJ. Ajudou a fundar o Terraço Econômico em 2014.

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