Wanderson Martins
Economia não trata apenas de taxas de juros, dívida pública, PIB, crescimento, renda, etc. Na verdade, ela é uma ciência que tenta modelar as relações humanas como um todo, sejam as microrrelações individuais, seja o resultado da interação de um grande número de pessoas. Uma das principais ferramentas para a modelagem de relações individuais é a Teoria dos Jogos.
Um bom exemplo de relação individual bem modelada pela Teoria dos Jogos é a queda de Cunha e de Dilma. A tabela a seguir representa as possibilidades com as quais Dilma e Cunha se defrontaram para lidar um com o outro.
Cunha poderia barrar ou não o impeachment. Já Dilma poderia negociar com a base aliada a proteção de Cunha em troca da sua permanência na presidência. Cada combinação de escolha dá um resultado diferente para cada um. Os resultados para Eduardo Cunha estão em azul e para a Dilma Rousseff, em laranja.
A análise sob a Teoria dos Jogos é bem simples. Imagine que Dilma resolva proteger Cunha. Se Cunha barrar o impeachment, ele fica, tendo que conviver com uma presidente que atua contra seus interesses. Se ele prosseguir com o processo de impeachment, ele “se livra” de alguém que atua contra seus interesses. Dessa forma, o ideal para Cunha é prosseguir com o impeachment.
Caso contrário, ou seja, caso Dilma resolva não proteger Cunha, jogando-o na fogueira do Conselho de Ética, Cunha também tem duas opções. Se barrar o impeachment, ele sai e sua adversária política, fica. Caso ele prossiga com o processo, ambos saem. Para Cunha, a troca de presidente poderia representar uma chance de salvação, de forma que nesse caso ele também escolhe prosseguir com o Impeachment.
Conclusão 1: não importa o que Dilma faça, o ideal para Cunha é prosseguir com o processo de Impeachment.
Vamos fazer uma análise parecida, mas invertendo os papéis. Vamos supor que Cunha resolvesse barrar o impeachment. Dilma tem duas escolhas: salvá-lo ou não o salvar. Caso Dilma resolva salvar Cunha, ambos permanecem nos seus cargos, mas ela terá que conviver com um presidente da Câmara dos Deputados que joga contra seus interesses. Caso resolva jogá-lo na fogueira do Conselho de Ética, ela se livra de um adversário político. Dessa forma, a melhor escolha para Dilma seria não o proteger.
Por fim, vamos supor que Cunha prossiga com o impeachment e Dilma saia da presidência. O ideal para o grupo que a apoia é que Cunha caísse junto, de forma a abrir a possibilidade de alguém da base aliada de Dilma assumir a Presidência da Câmara, de modo que esse grupo prossiga com seu projeto de poder. Dessa forma, Dilma escolhe não proteger Cunha.
Conclusão 2: não importa o que Cunha faça, o melhor para Dilma é não protegê-lo.
Conclusão 3: pelas conclusões 1 e 2, chegamos ao que de fato aconteceu. Dilma não protegeu Cunha, enquanto Cunha prosseguiu com o processo de Impeachment. Ambos agiram de forma a proteger os próprios interesses.
Por fim, Dilma e Cunha poderiam cooperar, beneficiando um ao outro. Sob que condições isso seria viável? Uma situação onde os jogadores cooperariam um com o outro poderia ser um cenário onde houvesse ameaça crível de retaliação de ao menos um dos lados. Em outras palavras, no bom internetês, “se me atacar, eu vou atacar”. E de fato cada um dos políticos aqui envolvidos, bem como suas respectivas bases de apoio, tinham uma arma apontada para o outro. Bastou o primeiro atirar que a retaliação veio.
Outro cenário possível para a cooperação seria um onde o mandato de ambos não tivesse prazo de validade. Se estivéssemos numa monarquia combinada com parlamentarismo vitalício, Dilma e Cunha teriam seus cargos até o fim de suas vidas. Nesse caso, a não cooperação entre eles seria muito ruim, já que ambos teriam muito a perder. Felizmente, na nossa democracia, os mandatos dos políticos têm prazo de validade, de forma que esse cenário pró cooperação é inviável.
Esse é um caso particular de um problema mais geral, chamado Dilema dos Prisioneiros. O Terraço já publicou outro texto com o mesmo tema, mas abordando o caso das delações premiadas: https://terracoeconomico.com.br/a-economia-por-tras-da-delacao-premiada
Wanderson Martins, colunista e pesquisador no Instituto Mercado Popular. Sonha em ser presidente do Banco Central