Quem é o vilão da dívida pública?

Leonardo Palhuca [caption id="attachment_5034" align="aligncenter" width="691"]- I want one million dollars! I mean, one hundred billion dollars! – I want one million dollars! I mean, one hundred billion dollars![/caption]

A atual discussão sobre como salvar a economia brasileira passa por propostas que vão desde a mudança radical da política monetária para o controle da taxa de câmbio até a redução forçada da taxa de juros básica da economia brasileira, a Selic.

E dentre os argumentos mais vociferados está o de que um aumento da taxa Selic causa um problemão fiscal, já que o aumento dos juros faz com que o tesouro gaste mais no serviço da dívida, uma vez que parte do estoque da dívida é indexado à taxa Selic. Não deixa de ser verdade, já que uma parte da dívida pública tem sua remuneração atrelada à Selic.

Entretanto, nem todo o estoque da dívida pública segue as flutuações da nossa taxa básica de juros. Boa parte da dívida pública brasileira é indexada a índices de inflação (IPCA e IGP-M). Assim, da mesma forma que um aumento de juros contribui para aumento do gasto público com o pagamento juros, uma redução da inflação contribui para uma redução do serviço da dívida.

E aqui vai mais um argumento para aquele seu amigo que acha que controlar inflação não é importante. Apesar de ser uma conta por cima, sem levar em consideração efeitos dinâmicos (lag do efeito da política monetária na inflação, comportamento dos agentes quanto às expectativas, etc), é um bom começo para entendermos quem pode ser a vilã da história.

Abaixo a distribuição do estoque de dívida por indexador segundo o Relatório Mensal da Dívida do Tesouro Nacional.

[caption id="attachment_5035" align="aligncenter" width="680"]Fonte: Tesouro Nacional - Agosto/2015. Elaboração própria. Fonte: Tesouro Nacional – Agosto/2015. Elaboração própria.[/caption]

Pois bem, a maior parte da dívida pública nacional é composta por uma parcela pré-fixada ou indexada ao dólar. Ou seja, aumentos ou reduções na Selic ou na inflação não vão afetar diretamente o gasto público no estoque de 45% da dívida (exceto em algum canal pelo dólar, mas essa parcela é responsável por somente 5% da dívida pública total).

Os outros 55% da dívida são divididos em 33% indexados a algum índice de preços (IPCA ou IGP-M) e 22% indexados à Selic. Só de bater o olho já podemos deduzir: um aumento de 1 ponto percentual (%-p) da Selic irá aumentar o gasto nominal com juros em menor proporção que um aumento de 1%-p na inflação (assumindo que IPCA e IGP-M andem rigorosamente juntos, para simplificar).

Trocando em miúdos: por volta de R$ 560 bilhões da dívida atualmente estão indexados à Selic e, caso o Banco Central suba a taxa de juros em 1%-p, o Tesouro irá gastar R$ 5,6 bilhões a mais com juros. Ao passo que R$ 840 bilhões da dívida estão indexados à inflação e se essa subir 1%-p o Tesouro gastará R$ 8,4 bilhões a mais. Obviamente, o movimento contrário também é verdadeiro. Se a inflação cair em 1%-p, o Tesouro deixa de gastar R$ 8,4 bilhões ao ano com o pagamento de juros.

Mais algumas continhas de padaria? O desvio da inflação da meta de 4,5% ao ano para o que veremos em 2015 – por volta de 9,5% ao ano – irá nos custar algo em torno de R$ 42 bilhões, ao passo que o aumento da Selic desde a reeleição da presidente Dilma Rousseff (saiu de 11% ao ano para 14,25% ao ano) irá nos custar R$ 18 bilhões.

É claro que um aumento de 1%-p na Selic não irá reduzir a inflação também em 1%-p (opa, alguém chamou a Regra de Taylor ai?). Toscamente, para que o gasto público permanecesse inalterado, um aumento de 1,5%-p na Selic que reduza em 1%-p a inflação já deixaria as contas públicas razoavelmente inalteradas com a queda da inflação reduzindo gasto com juros e o aumento dos juros encarecendo a dívida no mesmo montante.

E é justamente essa a proposta da Regra de Taylor quando o produto está andando com o seu potencial. Aumentos de 1,5%-p na taxa básica de juros para cada aumento de 1%-p da inflação acima de sua meta. Mas isso é assunto para outro artigo.

Por ora, quem parece ser o vilão da dívida pública? O aumento da inflação ou da taxa de juros?

palhuca

 

Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

7 Comentários

  1. Leonardo,
    Dada o consenso macroeconômico do país, mais inflação significa mais juros.
    O problema é que mais juros não significa menos inflação. Os mecanismos de transmissão da política monetária para controle da demanda agregada são extremamente ineficientes (atuam basicamente através da construção de recessão e câmbio apreciado, que induzem a queda no salário real e mais importação), e nossa inflação possui como fatores explicativos não apenas demanda, mas preços administrados, câmbio….
    Acredito que colocar a inflação como problema primário é um engano…

    1. Prezado Economista_aler, você tem muita razão quando diz que os canais de transmissão da política monetária estão prejudicados. No texto mais recente sobre o Banco Central abordo isso. Mas o ponto no artigo aqui é indicar que ao deixar a inflação escapar da meta, o custo para a dívida pública em termos nominais é maior que o custo de aumentar a Selic. E quanto ao controle da inflação pelo câmbio, isso é uma falácia. O próprio Banco Central indica que os canais mais potentes são (ou eram em 2009) expectativas e crédito às empresas.
      Gostaria de deixar meu agradecimento ao seu comentário com qualidade para a discussão!
      Abs. Leonardo Palhuca

  2. Na sua analise vc desconsiderou o efeito da taxa de juros na venda de novos títulos que podem ser pre-fixados, quer dizer, na rolagem da dívida pública que ocorre com frequência. Assim, a taxa selic tambem interfere na remuneração títulos pre-fixados. ok?

    1. Prezado Mercurio,
      não foi considerada. Como mencionado, é uma análise preliminar e que deixou de lado os títulos pré-fixados.
      Para uma análise mais completa, teríamos também que ver quanto que a inflação ajuda o governo nos pré-fixados e quanto da rolagem da dívida o mercado está disposto a aceitar com taxas pré fixadas em um cenário de inflação e juros em trajetória de alta. Realmente, uma análise mais completa é necessária. Mas ai precisaria de uma tese de mestrado, acho!
      Abraços,
      Leonardo Palhuca

  3. A solução é deixar de ter salários e mordomias acima da média nacional, e fazer um plano de consumo público, reduzido.
    Estaria resolvida a questão, mas penso que 10% da populaçao não estaria interessada nisso.

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