RUF: um ranking para chamar de nosso?

Desde 2012, o jornal Folha de São Paulo divulga anualmente um ranking das universidades brasileiras, o Ranking Universitário da Folha (RUF). Em março deste ano, escrevi aqui no Terraço Econômico sobre os rankings internacionais[1]; na ocasião, chamei a atenção para o descolamento entre o modelo de universidade promovida pelos critérios desses rankings e o modelo brasileiro:

Raros os casos em que se vê, de um ou de outro lado, uma reflexão sobre essas listas: seus critérios, suas metodologias e – mais importante – sua pertinência como métrica de qualidade para o ensino superior brasileiro. Esse silêncio implica (ou, ao menos, dá margem para tal) a aceitação tácita da avaliação e da concepção de universidade que ela pressupõe”.

Mencionei como exceção o trabalho de Sabine Righetti, coincidentemente uma das profissionais à frente do RUF. Righetti dizia, quanto aos rankings internacionais, que “as universidades precisam reafirmar sua autonomia e seus objetivos perante essas avaliações, sem deixar de considerar a importância de mensurar resultados práticos”.

É necessário adotar a mesma postura perante o RUF e se perguntar: o RUF propõe critérios adequados ao modelo e aos valores universitários brasileiros? Ele consegue mensurar resultados práticos e reforçar a autonomia universitária? Em suma, temos um ranking para chamar de nosso? Vejamos.

RUF: composição de critérios

O RUF está baseado em cinco indicadores: pesquisa, internacionalização, inovação, ensino e mercado[2].

O ranking de universidades tem a seguinte composição: a) 42 pontos para pesquisa científica, dentre os quais 7 para número de trabalhos publicados, 7 para quantidade total de citações, 7 para a relação trabalhos/docentes, 7 para a relação citações/docentes, 5 para a relação citações/publicação, 4 para recursos captados em agências de fomento, 3 para publicações nacionais e 2 para proporção de docentes com bolsa de produtividade do CNPq; b) 30 pontos para qualidade do ensino, dos quais 22 para a opinião de docentes avaliadores do MEC sobre as três melhores instituições, 4 para a proporção de mestres e doutores no corpo docente, 4 para a proporção de docentes em dedicação integral e 2 para o desempenho dos alunos na prova do Enade; c) 18 pontos para mercado de trabalho, segundo o resultado de quase seis mil entrevistas com profissionais do mercado; d) 4 pontos para internacionalização, dentre os quais 2 para citações internacionais e 2 para a proporção de publicações internacionais em coautoria; e) 4 pontos para inovação, de acordo com os pedidos de patentes na última década.

No caso dos rankings por curso, são levados em cona apenas qualidade do ensino (64 pontos) e reputação no mercado de trabalho (36 pontos)[3]. É de se admirar a redução dos critérios nos rankings específicos por curso, para a qual não há justificativa explícita – embora se possa imaginar o excessivo trabalho que implicaria desdobrar todos os subcritérios nos 40 cursos avaliados individualmente pelo RUF.

Balanço crítico

Na análise dos rankings internacionais publicada aqui no Terraço, concluí que o perfil de universidade por eles promovido era o seguinte: “são universidades famosas, de porte reduzido e com foco primordial na pesquisa” e que trabalham em língua inglesa. Esse modelo, eu dizia, não faz sentido para o panorama brasileiro.

Qual a instituição ideal nos moldes do RUF? Uma universidade focada primordialmente na pesquisa, já bem estabelecida (para se sair bem na avaliação do MEC) e famosa (para se sair bem na avaliação do mercado).

Em relação aos rankings internacionais, o RUF tem a vantagem de não condicionar o bom desempenho ao (reduzido) tamanho da respectiva instituição. Instituições de grande porte, como a USP, não são prejudicadas pela quantidade de alunos que abrigam. Além disso, por ser um ranking nacional, obviamente não aplica o viés linguístico em sua análise.

No entanto, permanecem o foco – excessivo, dirão alguns – na pesquisa, em detrimento de outras missões universitárias (especialmente ensino e extensão) e o favorecimento de instituições mais antigas e com reputação consolidada. Um exemplo claro desta última distorção é o da UFABC: embora seja a 13ª melhor em pesquisa e a primeira em internacionalização, seu desempenho calamitoso junto ao mercado (169ª posição) e medíocre para os avaliadores do MEC (53ª posição em ensino) rebaixam bastante sua nota geral. Ora, é impossível para uma instituição fundada em 2005 se sair bem nesses critérios: não há como competir com a reputação de universidades fundadas há mais de cinquenta anos nem como avançar muito nos processos do MEC, que não permitem grandes saltos a cada três ou quatro anos, apenas pequenos incrementos.

Conclusão

Nenhum modelo de avaliação é perfeito; todos têm margem para aperfeiçoamentos. Dito isso, é preciso reconhecer o papel positivo do RUF na consolidação de um modelo universitário nosso, em vez de nos reprimir por não sermos como outros países radicalmente distintos de nós.

Corrigidas as distorções para que se possa dar mais peso à qualidade do ensino e a atividades de extensão (impacto social) e cultura, por exemplo, o RUF se tornará um instrumento cada vez mais valioso de avaliação do ensino superior brasileiro. Em todo caso, as universidades sempre devem mantar postura crítica e autônoma com relação a ele – e a qualquer outro ranking, claro.

  Rafael Barros de Oliveira – Colaborador do Terraço Econômico   [1] https://terracoeconomico.com.br/quem-servem-os-rankings-universitarios [2] http://ruf.folha.uol.com.br/2016/o-ruf/ [3] http://ruf.folha.uol.com.br/2016/o-ruf/ranking-cursos/

Rafael Barros de Oliveira

Formado em Direito pela USP, interessou-se pela teoria do direito produzida na Escócia antes de cair na filosofia da linguagem. Tomou o caminho mais longo, cursando a graduação em Filosofia na mesma USP, onde percebeu a tempo que do mato wittgensteiniano não sairá mais pato-lebre algum. Social-democrata por exclusão, acredita que a hermenêutica é o caminho para a emancipação. Foi pesquisador na Direito GV, na École Normale Supérieure de Paris e na Goethe Universität Frankfurt. É mestrando em Filosofia pela USP e agora tenta produzir suas próprias cervejas.
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