Será que ainda precisamos de sistemas democráticos de governo?

Pronto. Você leu o título do texto e já veio tirar satisfações comigo. “Quem esse tal de Solow acha que é para falar mal da tão sonhada democracia?”, falarão alguns. Mas calma, caro leitor ou leitora. Eu, Arthur Solow, acho fundamental um sistema representativo e democrático que eleja candidatos que promovam a alternância de poder ao longo do tempo.

O título deste artigo, na realidade, busca levantar a questão tendo como pano de fundo o que vem ocorrendo com algumas grandes economias mundiais que simplesmente parecem abrir mão da questão política pelo contínuo crescimento econômico. Vamos aos fatos.

China e Rússia: pra que discutir política se estamos melhorando de vida?

Na China, o presidente Xi Jinping foi reconduzido ao seu segundo mandato pelo Partido Comunista da China por unanimidade, agora sem qualquer limite para a reeleição, conforme aprovado semanas antes pelo poder legislativo chinês. Esse fato dá amplos poderes para Xi Jinping e fortalece o domínio do Partido Comunista sobre a economia e questões sociais na China. Se o lado democrático está ficando para escanteio, o mesmo não podemos dizer do lado da economia. Vejamos o crescimento do PIB per capita chinês, considerando o poder de compra (PPP) [1] :

Note que a China desde 1990 vem crescendo em ritmo contínuo, enquanto que o mundo e o Brasil passaram por turbulências ao longo do caminho. Considerando o poder de compra da renda, os chineses ultrapassaram o valor brasileiro e estão muito próximos da média mundial. É a economia, estúpido.

E na Rússia? Vladmir Putin, quase um imperador, chegou ao seu 4o mandato, e vai governar a Rússia até 2024. Ele teve votação recorde com mais de 56 milhões de votos, ou 77% dos votos válidos. Sua liderança se consolidou após o maior opositor, Alexei Navalny, ser proibido de concorrer às eleições em dezembro do ano passado.

Na economia, a Rússia mostrou um crescimento robusto a partir da década de 90, conforme imagem abaixo:

Mesmo com a queda acentuada a partir de 2013 (se olharmos os dados sem a correção do poder de compra), a renda média dos russos cresceu consideravelmente nas últimas décadas. É a economia, estúpido (2).

Mas quando olhamos o Índice de Democracia, criado pela Revista The Economist, vimos que a situação desses países não está lá muito boa. O índice, que compreende 60 indicadores em cinco grandes categorias – processo eleitoral e pluralismo, funcionamento do governo, participação política, cultura política democrática e liberdades civis – conclui que menos de 5% da população mundial vive atualmente em uma “democracia plena” [2]. Os exemplos fornecidos – China e Rússia – estão num laranja claro, num regime classificado como autoritário.


Outros países – para que democracia? E o Brasil nessa história?

Atualmente, quando olhamos a situação geopolítica internacional, o movimento autoritário ganha força. Base mencionar a Turquia de Erdogan e o “milagre econômico turco”, as Filipinas e seu sanguinário combate à drogas de seu presidente Rodrigo Duterte e alguns déspotas que sobrevivem ao tempo em países africanos miseráveis.

O próprio Donald Trump tem deixado a conversa republicana de lado e partido para o ataque por meio de seu Twitter e em suas polêmicas intervenções presenciais. Imigração, muro com o México e elevação das tarifas de importação foram implementados sem muita conversa, na base da “caneta”, mas ninguém pode dizer que ele não prometeu isso na campanha presidencial. De qualquer forma, a economia americana vem mostrando pujança, e as escorregadas políticas de Trump passam desapercebidas, pelo menos neste momento:

Acesso em: https://tradingeconomics.com/united-states/gdp-growth-annual

 

No Brasil, a situação não é diferente. Vem ganhando terreno um discurso que questiona as instituições democráticas e direitos à liberdade, como a defesa aos direitos humanos ou a igualdade de gênero, por exemplo. As casas legislativas e o papel do judiciário têm sido consistentemente questionados pela população e pela grande mídia. Aliás, o candidato à presidência que mais questiona as instituições atuais brasileiras é o primeiro na corrida eleitoral em primeiro turno. Mas será que precisamos mudar tudo mesmo?
Conclusão

O ponto que quis levantar com esse texto é a tendência de um maior autoritarismo político em nome do crescimento econômico. Convenhamos que há países que combinam cartilhas liberais e métodos democráticos que apresentam crescimento econômico expressivo. Mas os últimos movimentos políticos mundiais e ascensão de líderes carismáticos e amados pelo povo (mas odiados por outros) liga o alerta de que, num futuro próximo, poderemos abrir mão de algumas liberdades em nome de um maior crescimento econômico, o que por si só já não faz muito sentido. [3]

Assim, como aprendemos na maior recessão econômica que o Brasil já passou (2015 – 2016), a conta de irresponsabilidades políticas sempre vem, mas com certa defasagem temporal. Logo começa o jogo de empurra-empurra para avaliar de quem é a responsabilidade do péssimo (ou do fantástico) desempenho econômico.

A concentração de poder em uma pessoa – ou em um partido – não dá transparência para a sociedade e gera um sentimento de normalidade momentânea que é desejável naquele instante (de crescimento econômico). Mas depois, em um momento adverso, a inclinação desse governo popular (e eleito pela maioria) passar para uma tirania e autoritarismo é apenas um estalo de dedos.

Por isso as instituições são tão importantes para garantir a representatividade do voto e da própria democracia. E por isso que elas são tão questionadas por aqueles que, agora, que alcançar o poder.

Arthur Solow
Editor do Terraço Econômico


Referências

[1] Não estou fazendo nenhum juízo de valor quanto à desigualdade de renda na China, uma vez que o PIB per capita considera apenas a divisão do PIB de um país pela população. A renda de uma família média chinesa é menor do que o valor do PIB per Capita.

[2] Quase um terço vive sob o regime autoritário, com uma grande parte dos que estão na China. No geral, 89 dos 167 países avaliados em 2017 receberam pontuações mais baixas do que no ano anterior.

[3] O que é um caminho perigoso do qual países como o próprio Brasil já passaram anteriormente e, tendo visto como a ausência de liberdades individuais e da possibilidade de questionamento são ruins, muito lutaram para voltar atrás e poder questionar novamente.Sem contar o mérito do “milagre econômico” da período militar, que pareceu brilhar aos olhos mesmo em período duro de repressão de liberdades…

Arthur Solow

Economista nato da Escola de Economia de São Paulo da FGV. Parente distante - diz ele - do prêmio Nobel de Economia Robert Solow, que, segundo rumores, utilizava um nome artístico haja vista a complexidade do sobrenome. Pós graduado na FGV em Business Analytics e Big Data, pois, afinal, a verdade encontra-se nos dados. Fez de tudo um pouco: foi analista de crédito e carteiras para FIDCs; depois trabalhou com planejamento estratégico e análise de dados; em seguida uma experiência em assessoria política na ALESP e atualmente é especialista em Educação Financeira em uma fintech. E no meio do caminho ainda arrumou tempo para fundar o Terraço Econômico em 2014 =)
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