Síria: o vírus e a guerra

Nove anos de guerra e agora a pandemia de Covid-19. Não há paz para a Síria, devastada pelo conflito, onde ocorrem os primeiros casos de coronavírus.

Nove anos de guerra, pelo menos 400.000 mortos, infra-estruturas em colapso e combates ainda em curso. Numa economia atingida por conflitos e sanções econômicas, a chegada da pandemia pode transformar-se numa catástrofe de proporções bíblicas. De acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), um surto epidêmico em grande escala pode ter efeitos catastróficos para o país, onde desde 2011 mais de metade dos hospitais foram destruídos e quase um milhão de pessoas – só nos últimos meses – foram deslocadas pelo conflito. Se a epidemia se propagasse à região de Idlib, o último reduto dos grupos armados anti-governamentais e onde os combates ainda estão em curso ou, pior ainda, nos campos de refugiados, seria impossível travá-la porque a superpopulação é tal que as medidas de afastamento social utilizadas para conter o contágio são impensáveis.

Lockdown para um país em guerra? 

Embora até há algumas semanas o Governo tenha minimizado a dimensão da emergência, desde 13 de Março as autoridades de Damasco impuseram o encerramento e medidas rigorosas para impedir a propagação do contágio. Neste momento, oficialmente, há 42 pessoas na Síria que são positivas para o Covid-19, embora médicos e testemunhas falem de muitos mais casos. As empresas foram ordenadas a fechar das seis da tarde às seis da manhã, enquanto as escolas e universidades estão fechadas há algumas semanas e é proibida a deslocação de uma província para outra e dentro da mesma província, exceto por razões essenciais. O governo prevê a distribuição de pão com carros que percorrem as ruas das cidades. Todas as obras públicas são suspensas até nova ordem, enquanto é proibida a entrada de estrangeiros em cujos países existem casos de contágio. Após 10 anos de guerra, segundo a organização Médicos pelos Direitos Humanos, apenas metade dos hospitais e instalações de saúde existentes estão funcionando, enquanto cerca de 70% do pessoal médico e paramédico morreu ou deixou o país.

Situação explosiva nos campos de refugiados

Ainda mais preocupante do que o resto do país é a situação na província de Idlib, palco do último “acerto de contas” armado entre as tropas do Presidente Bashar al Assad, apoiadas pela Rússia, e as milícias anti-governamentais apoiadas por Ancara. Antes do início da ofensiva, que começou no início de Dezembro de 2019, cerca de três milhões de pessoas viviam na zona. Desde então, cerca de um milhão de pessoas já fugiram e apinharam campos de refugiados ao longo da fronteira com a Turquia. Desde dezembro, de acordo com a Oms, a Força Aérea síria bombardeou 84 hospitais numa tática dirigida contra instalações de cuidados de saúde que constitui um crime de guerra. Segundo o New York Times, os médicos locais esperam mais de meio milhão de contágios e entre 100.000 e 200.000 vítimas. Além disso, pelo menos 10.000 pessoas necessitarão de respiradores, dos quais apenas 157 são atualmente utilizados.

Cessar fogo contra o vírus?  

Na sequência do apelo lançado pela ONU nos últimos dias, a União Europeia apelou igualmente a um cessar-fogo em todo o país para ajudar a garantir uma melhor resposta à pandemia do coronavírus. “O recente cessar-fogo em Idlib continua frágil. Deve ser mantido e alargado a toda a Síria”, afirmou um porta-voz da Comissão Europeia numa nota. “A cessação das hostilidades no país é importante por si só, mas é também uma condição prévia para conter a propagação do coronavírus e proteger uma população já exposta a consequências potencialmente desastrosas, particularmente na zona de Idlib, onde há um número significativo de refugiados”. 

E a comunidade internacional? 

Face à contenção da pandemia e ao egoísmo nacional por ordem dispersa, a União Europeia não parece capaz (ou interessada) de virar o seu olhar para a bomba-relógio nos campos de refugiados sírios. E enquanto a trégua no terreno é uma palavra vazia, as grandes potências, de Washington a Moscou e a Pequim, estão demasiado ocupadas a acenar com a sua propaganda para imporem, de fato, um cessar-fogo. Mas se a inação da comunidade internacional durante os nove anos de guerra permaneceu – essencialmente – impune, desta vez as coisas poderiam ser diferentes e já há quem imagine que a onda do Covid-19 poderia partir dos campos de refugiados. Talvez tenha sido isso que aqueles que, inaudíveis, nestes anos, repetiram: “Ninguém será salvo da guerra na Síria, nem mesmo nós”.

Hoje, a imagem da pandemia nos campos de refugiados deixa-nos sem palavras. Quem sabe o que diriam se soubessem que aqui no nosso país algumas pessoas chamam de guerra o distanciamento social.

Sarah Isabel Cesarino

Italo-brasileira, graduanda em Comércio Exterior pela Estácio. Morou na Itália durante 15 anos, onde adquiriu grande experiência profissional e de vida. Gerencia uma empresa de importação de produtos na área da tecnologia.

 

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