Thaler e os empurrõezinhos da Economia Comportamental

Algumas áreas, como a Psicologia Econômica, a Economia Comportamental e, mais especificamente, as Finanças Comportamentais, dedicam-se ao estudo da tomada de decisão e dos vieses que a influenciam. Antes marginalizadas no estudo econômico, hoje elas são amplamente aceitas, apesar de ainda sujeitas a críticas dos economistas mais ortodoxos.

Como vimos em nosso artigo anterior, essa relativamente nova área já rendeu alguns prêmios Nobel de Economia: o psicólogo Daniel Kahneman, o economista Robert Shiller e, mais recentemente, o também economista Richard Thaler, vencedor do prêmio em 2017. Thaler,  professor da Universidade de Chicago – meca do pensamento econômico liberal clássico – é um dos maiores expoentes da Economia Comportamental e seu último livro leva o nome de “Misbehaving” [1].

Misbehaving é sobre como os agentes econômicos não se comportam como os economistas esperam. O professor traz relatos divertidos sobre o quanto somos humanos na nossa tomada de decisões econômicas, como isso afeta os mercados e como fazer escolhas melhores. Thaler costuma dizer que Economia Comportamental é um título redundante. “Que outro tipo de Economia poderia haver? Mercados são pessoas comprando e vendendo. Mesmo que haja algoritmos, alguém os escreveu. Economia é sobre pessoas”.

Mas o autor já havia ficado famoso, mesmo antes do Nobel, por outro livro, “Nudge” [2], sobre como muitas vezes as pessoas só precisam de um “empurrãozinho” (a “nudge”, em inglês) para tomar as decisões mais inteligentes. Thaler lembra que, por muito tempo, o estudo de Economia era menos matemático e mais comportamental – basta ler Adam Smith, que já falava sobre problemas de autocontrole e excesso de confiança. Mas foi apenas depois da Segunda Guerra Mundial, que a coisa começou a ficar mais matemática e tornou-se um estudo mais rigoroso neste sentido (mais matematizado).

“Temos modelos econômicos que assumem que as pessoas são Einsteins, mas não é o que acontece. As pessoas estão mais para Homer Simpson. O que eu tenho feito é desenvolver um tipo de economia que misture pessoas espertas e outras mais como Homer Simpson. Está mais para homer economicus do que homo economicus”, escreve Thaler no livro Nudge.

Para o autor, nos momentos de resolver os problemas mais complexos da vida  – como quanto guardar para a aposentadoria -, as pessoas não se mostram tão eficientes quanto nos modelos clássicos, cujos agentes ele chama de “Econs”. “Econs não têm problemas de autocontrole. Não têm ressacas, se exercitam na quantidade certa e guardam dinheiro suficiente para a aposentadoria. Mas a maioria das pessoas tem problemas em todas essas áreas”.

Os livros mais populares de Thaler vão justamente no sentido de mostrar como podemos escolher melhor e, inclusive, como o poder público pode incentivar os cidadãos a tomarem boas decisões para o seu futuro. Conhecer nossas falhas e adotar truques simples ajudam, e muito, a lidar com um mundo cada vez mais complexo.

Algumas das principais mensagens da obra de Thaler podem ser resumidas nos princípios a seguir.

Muitas vezes, você só precisa de um “empurrãozinho”

Thaler e o advogado Cass Sustein, coautor de “Nudge”, chamaram assim as mudanças pequenas e imperceptíveis que podemos fazer no ambiente para influenciar as pessoas a fazerem escolhas melhores. O “nudge”, que poderia ser traduzido como “empurrãozinho”, funciona como uma deixa positiva, mas ainda preservando o livre-arbítrio.

Os Econs não seriam influenciados por nudges, porque eles são, na verdade, irrelevantes quando se trata de tomar uma decisão 100% racional. Em outras palavras, “nudges” são fatores que as pessoas normalmente levam em conta na hora de fazer uma escolha, mas que não deveriam ser considerados, do ponto de vista racional.Os “nudges” são inclusive usados como parte de políticas públicas para incentivar as pessoas a fazerem o que é melhor para elas mesmas, quando a tendência seria elas fazerem uma escolha pior.

Thaler deu dois exemplos de como os nudges já foram bem utilizados em finanças, nos programas de previdência privada dos Estados Unidos e do Reino Unido.

Nos EUA, quando os programas de aposentadoria das empresas se tornaram mais complexos, com diversas opções de valor de contribuição e tipos de investimento, a taxa de adesão a esses planos caiu vertiginosamente. As pessoas tinham que preencher longos formulários e solicitar a adesão, o que é um dificultador para a nossa preguiça mental. Para aumentar a adesão aos planos, foi preciso apenas trocar a ordem das coisas.Se os empregados não preenchessem os formulários, eles seriam automaticamente inscritos num plano padrão, com a contribuição mínima. Se não quisessem ficar no plano padrão, teriam que optar ativamente por sair. A adesão subiu para 90%. Os 10% restantes foram as desistências.

No Reino Unido, onde o próprio governo implementou essa política, a taxa de adesão depois do “empurrãozinho” foi semelhante. Uma mudança simples que pode trazer um imenso benefício para o futuro das pessoas.

A escolha mais racional, num caso como esse, seria aderir ao plano de previdência e pronto. Principalmente nos casos em que o empregador contribui com uma parcela das reservas de aposentadoria do empregado. Dinheiro “grátis”. Mas isso não era o suficiente para fazer as pessoas aderirem, porque nossa mente tende a ir pelo caminho do menor esforço. E o menor esforço, em um mundo em que nos defrontamos com tantas decisões complexas diariamente, é simplesmente continuar fazendo o que você já está fazendo.

Trata-se do viés do Status Quo, mas pode chamar de inércia se quiser. A Economia Comportamental já sabe que nosso cérebro resiste a mudanças, e qualquer mínimo esforço para sair do estado atual é rejeitado pela nossa psique. Esse tipo de incentivo, que influencia o comportamento das pessoas sem que elas percebam, recebe críticas de que poderia levar Estados e empresas a manipularem o comportamento das pessoas. Onde ficaria o livre-arbítrio?

“No Reino Unido, havia muito debate sobre se a adesão aos planos de aposentadoria deveria ser automática ou obrigatória. Eu defendo que é melhor que seja automática, com 90% de adesão, do que obrigatória. Esses 10% que optam por sair podem ter boas razões para isso. Podem ser jovens endividados ou que desejam comprar um carro para ter um emprego melhor. Se você valoriza a liberdade, dar uma escolha é bom”, disse Thaler.

Mas o professor não descarta que o “nudge” possa ser usado para o “mal”. Ele até deu um nome para isso: “sludge”, que pode ser traduzido como “lama”, ou mesmo, “esgoto”, e rima com “nudge”. Thaler deu um exemplo: certa vez, defrontou-se com o paywall de um jornal britânico para ler uma crítica a um de seus livros. A publicação oferecia um mês de teste por apenas uma libra, desde que você fornecesse os dados do seu cartão de crédito.

Uma rápida lida nas letras miúdas e o professor descobriu que a renovação seria automática e que, a partir do segundo mês, a cobrança seria de 27 libras por mês. Até aí, um clássico “nudge” para o leitor permanecer com a assinatura. Mas o que seria preciso fazer para cancelar?

Nesse ponto, Thaler percebeu que a coisa estava mais para um “sludge”. O cancelamento deveria ser avisado com duas semanas de antecedência, e não poderia ser feito on-line. Era preciso ligar para Londres, para um número que não era gratuito e ainda por cima, no horário comercial britânico. Regras e mais regras para desincentivar o cancelamento.

“O ‘nudge’ é sobre como tornar as coisas mais fáceis, mas o ‘sludge’ as torna mais difíceis. Em alguns estados dos EUA, dominados por um ou outro partido, há diversas regras complexas para desincentivar as pessoas a votar [o voto lá não é obrigatório]”, exemplifica.

Investidores são confiantes e ruins em prever o próprio comportamento

O excesso de confiança fica muito claro, no momento em que o investidor individual pensa ter a capacidade de superar consistentemente o mercado; ou quando vende as ações vencedoras e permanece com as perdedoras, muitas vezes por não conseguir admitir a si mesmo que cometeu um erro ao comprar aquela ação que se desvalorizou tanto.

Para Thaler, as pessoas têm muita dificuldade de prever as próprias emoções num momento de queda do mercado. O autor lembrou que muitos investidores de longo prazo venderam ações na época da crise de 2008 e só voltaram a comprar depois de 2013, perdendo um período em que as bolsas americanas praticamente dobraram.

É muito difícil bater o mercado consistentemente

Economistas comportamentais como Thaler, defendem que a melhor forma de investir, para o caso do investidor individual, é de atuar de forma passiva. Como comprar ativos que sigam índices de mercado, a exemplo dos ETFs (fundos que replicam o desempenho de índices, como o Ibovespa), mantendo até o vencimento ativos de renda fixa atrelados aos juros básicos.

Isso porque é muito difícil ter um desempenho acima da média de mercado de forma consistente. Para os economistas comportamentais, se até os gestores profissionais têm anos negativos e não conseguem bater o mercado por muito tempo, que dirá os investidores individuais.

“A maioria dos fundos não bate o mercado consistentemente. Eu sou sócio de uma gestora de fundos de gestão ativa, em que dizemos que podemos bater o mercado, mas é difícil. Mesmo com uma boa estratégia – e as nossas estratégias são racionais – você não consegue ficar acima da média todo ano. Se fosse possível, todo mundo faria”, conta Thaler, em Misbehaving.

Seu conselho para o investidor individual? “Compre um portfólio que acompanhe o mercado e não faça nada, vá assistir futebol”.  Fica a dica.

Notas

[1] THALER, Richard. Misbehaving: a construção da economia comportamental. Trad. George Schlesinger. Rio de Janeiro: Intrínseca, 2019.

[2] THALER, Richard H.; SUNSTEIN, Cass R. Nudge: Improving decisions about health, wealth, and happiness. Penguin, 2009.

 

 

 

Gerson Caner

Mestre em Administração com ênfase em Finanças Comportamentais e graduado em Economia pela Universidade de São Paulo (FEA-USP, 1992). Possui MBA em Finanças (USP) e diversos cursos de especialização realizados no Brasil e Exterior (FGV, Insper, Universidade Nova de Lisboa, London School of Economics). Atuou como economista do Grupo Votorantim e como diretor de Fusões e Aquisições e Mercados Emergentes na consultoria Ernst & Young, onde foi responsável pelo programa Empreendedor do Ano. Atualmente é professor de Finanças Corporativas, palestrante de Educação Financeira e Finanças Pessoais e consultor de Investimentos (possui certificação ANCORD). Também é pai do pequeno Theo, o que só aumentou seu interesse por Educação Financeira e Finanças Pessoais.
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