Bilhões e Lágrimas, Consuelo Dieguez. Portfolio Penguin, 343 páginas, R$ 44,90
“Bilhões e Lágrimas”, publicado pela Portfolio Penguin no começo deste ano, é um esplêndido livro da jornalista Consuelo Dieguez, contendo 12 textos sobre a economia brasileira publicados na revista Piauí ao longo de seis anos. Os capítulos seguem a ordem de sua publicação na revista, mas nem por isso peca por falta de continuidade e coerência. O título do livro vem de um dos artigos, sobre o banqueiro Luis Stuhlberger, e é sugestivo da estrutura em duas partes do livro: a primeira, “Anais das Finanças”, relata complexas operações bilionárias, enquanto a segunda “Questões Estatais”, é um vale de lágrimas.
Primeira parte – Bilhões
O primeiro capítulo conta a história de Luis Cezar Fernandes, um self-made man, ex-sócio dos Bancos Garantia e Pactual e hoje uma triste figura fracassada, reduzida “de elefante a formiga”. Consuelo mapeia os diversos atores-chave da economia brasileira até hoje: dentre as tantas personagens, aparecem Beto Sicupira, Marcel Telles, André Esteves, Daniel Dantas, este último merecendo um longo capítulo para si.O baiano Daniel Dantas, dono do banco Opportunity, foi orientando de Mario Henrique Simonsen, e tido por este como um dos economistas mais promissores do Brasil. Quando o presidente Lula assumiu em 2003, Daniel Dantas controlava uma das empresas de telefonia arrematadas durante a privatização do setor: a Brasil Telecom. Depois de conflitos com diversos sócios, em especial a Previ – o fundo de pensões dos funcionários do Banco do Brasil -, Daniel Dantas passou a frequentar as páginas policiais e foi minguando a um dom Quixote que se atreveu a desafiar gigantes da política e do mercado. Com Dantas fragilizado, o desejo do governo era criar uma grande empresa de telecomunicações nacional, mesmo que a lei impedisse que um mesmo grupo controlasse duas concessões diferentes no país. Mudou-se a lei e foi feita a fusão entre a Brasil Telecom e a Telemar, com apoio do BNDES, criando a Oi.
A compra da Sadia pela Perdigão para a criação da BRFoods é narrada no capítulo “O Setembro Negro da Sadia”. Exposta excessivamente a derivativos de câmbio, a Sadia sucumbiu durante a crise dos subprime. Foi a oportunidade de o governo entrar: o ex-ministro e herdeiro da Sadia Luis Fernando Furlan articulou a operação que permitiu à Perdigão – cujo maior acionista era a Previ – comprar a Sadia com financiamento do BNDES.
Durante o governo Lula, o BNDES e os fundos de pensão foram aos poucos se tornando peças-chave no trabalho de configurar o mercado brasileiro aos novos desafios econômicos internacionais, conferindo ao governo – e o País – sabores desenvolvimentistas: “um Estado planejador e indutor do crescimento, por meio do apoio a setores que possam enfrentar a competição global” (p. 179). Durante a crise de 2008, o governo aportou R$ 205 bilhões de reais ao BNDES para a expansão de suas operações – em grande parte, empréstimos a empresas com juros subsidiados.
Segunda parte – Lágrimas
Em 2006, a Petrobras confirmou a descoberta de imensas reservas de petróleo na camada do pré-sal. Ciosos da importância histórica da situação, técnicos da Petrobras pediram audiência com o presidente Lula, visando sensibilizá-lo quanto à importância de garantir aquele tesouro submerso para o povo brasileiro (ou no mínimo para a Petobras). O presidente, convencido de que manter os blocos na Nona Rodada de Concessões equivaleria a “entregar um bilhete premiado” aos concorrentes da Petrobras, teria afirmado: “Vamos cancelar a nona rodada. Foda-se o mercado” (p. 221).
A nona rodada não foi cancelada, mas os blocos do pré-sal foram retirados dela. Seguiram-se longas negociações com a Petrobras, ANP e Congresso Nacional culminando num novo marco regulatório para o pré-sal. No capítulo “O Petróleo Depois da Festa”, o especialista Adriano Pires enumera três decisões catastróficas para o setor: a quebra da estabilidade regulatória, o privilégio de participação nos consórcios concedido à Petrobras e a interrupção dos leilões de blocos (p. 269). Em 2010, Lula mandou cancelar um leilão de blocos de exploração de petróleo e a concessão de três aeroportos, receoso de que isso pudesse incomodar setores da esquerda e atrapalhar a campanha presidencial de Dilma Rousseff.
Entusiasmado com as descobertas, o presidente abandonou o óleo de mamona e a indústria de etanol e só tinha olhos para aquela ”Venezuela em petróleo enterrada no fundo do mar” (p. 289). O governo, controlador da Petrobras, congelou os preços de gasolina e dedicou-se a anunciar aos quatro ventos o potencial petroleiro do Brasil. A indústria canavieira passou a sofrer rápidas perdas financeiras por conta da competição dos preços de gasolina, um bem substituto do etanol. Usinas foram à falência ou tiveram de ser vendidas – que ironia! – a grandes grupos internacionais, como Bunge e DuPont.
O texto “A Disputa Que Matou a Varig” fecha o livro de Consuelo Dieguez por uma mera questão cronológica: foi o último texto a ser publicado na Piauí. Trata-se aí de um sugestivo acaso, pois o script é igual ao das outras, mas a ingerência política, a lentidão da burocracia e a falta de clareza sobre as regras levaram a companhia a viver o “caso mais rumoroso de falência da história do país” (p. 306). O PT lavou as mãos diante do débâcle da Varig, e o país perdeu essa companhia, e logo depois a TAM, comprada pela LanChile (em franco descordo com a lei).
[caption id="" align="aligncenter" width="590"]Conclusão – mais lágrimas
O livro de Consuelo ilustra a influência determinante da vontade de algumas pessoas, mais do que instituições e regras perenes, para o sucesso ou fracasso de projetos. Além disso, o lento processo de o governo trazer sob suas asas as grandes empresas do país é um corolário de sua profunda desconfiança no “mercado”, cultivada em três décadas de Partido dos Trabalhadores e reavivada no mundo todo após o crash de 2008. No outro lado dessa mesma moeda está a confiança no Estado como timoneiro da economia. Trata-se de um debate ideológico, de difícil solução teórica, mas cuja solução prática deve ser procurada nas urnas: que modelo o povo quer?Durante os anos FHC, o Brasil viveu uma guinada pró-mercado, com privatizações e abertura econômica. Esse movimento embute riscos, como abuso de poder econômico e concorrência desleal, mas o governo buscou neutralizar esses riscos por meio da criação de agências reguladoras que fiscalizariam alguns setores da economia. Similarmente, a guinada pró-Estado planejador dos governos petistas também traz riscos: o uso político de instrumentos econômicos, alocação ineficiente de recursos, e rent-seeking. Se por um lado o governo Lula foi bem sucedido em acentuar a presença econômica do Estado brasileiro, quais medidas ele tomou para neutralizar os riscos que essa transformação carrega?
O legado da era petista não é uma economia de mercado mais concorrencial e igualitária, senão um sistema econômico mais dependente de decisões de gabinete, mais sujeito a vontade política e menos propenso à eficiência. O mais triste é que essa mudança, tão difícil de reverter, veio para ficar. O indispensável livro de Consuelo Dieguez é um guia envolvente nos meandros de negociações que transformaram a economia brasileira – para pior.