As raízes filosóficas da ciência econômica

A ciência econômica está passando por mudanças, com conjecturas teóricas sendo menos enfatizadas, enquanto dados e evidências ganham maior nível de importância. No entanto, as raízes da disciplina estão na filosofia. Afinal, Adam Smith – considerado como o pai da economia moderna -  ocupava a cadeira de filosofia moral na Universidade de Glascow. Mas as raízes da economia, vão muito além de Smith e da Escócia do século XVIII.

Aristóteles, o primeiro analista econômico

Aristóteles, filósofo grego anterior ao século III a.C., é considerado o primeiro analista econômico. Embora a economia tenha sido abordada por ele como matéria subordinada à ética, suas discussões envolviam temas historicamente tradicionais.

Tendo como objeto a riqueza, o filósofo transitava por dois níveis distintos: macro e micro. No primeiro, lida-se com os assuntos da cidade-estado. Enquanto que no segundo, lida-se com os assuntos do espaço doméstico.

A riqueza era investigada nos aspectos produtivos (agricultura, pesca e caça), pautando-se nas atividades ligadas à satisfação de necessidades essenciais, e acumulativo, onde a riqueza é um fim em si própria. O grego postulava pelo eventual benefício da acumulação de riqueza, dado que esta possibilitava a comercialização daquilo que excedia a autossuficiência.

Mas uma das preocupações da cidade-estado, era a distribuição justa dessas riquezas (no nível micro), visando o progresso (no nível macro). A lógica econômica seria: atingir a autossuficiência em um primeiro momento para, posteriormente, acumular e administrar a riqueza.

No espaço domiciliar, a natureza das operações econômicas manifestava-se de forma distinta entre determinados agentes. O homem, livre, intelectual e trabalhador, era responsável pela administração da propriedade e da produção agrícola. A mulher, socialmente subordinada ao primeiro, cumpria a função de reprodutora. O escravo seria responsável pela produção de bens materiais e serviços, operação também desempenhada por cidadãos livres, embora o trabalho assalariado fosse considerado menos valoroso e essa categoria social, pouco aceitável. Os bens produzidos poderiam ser caracterizados como: criativos (meios de produção) ou práticos (meios de consumo). 

Em suas conjecturas monetárias, Aristóteles propôs duas propriedades da moeda – meio de troca e unidade de conta – tendo rejeitado a função de reserva de valor. A moeda não possuiria valor intrínseco (fiduciária), sendo esse proveniente exclusivamente da lei (nomisma).

Seria responsabilidade da cidade-estado zelar pelas flutuações de demanda por moeda, causa possível de turbulências sociais por sua inelasticidade.

Ibn Khaldun, o primeiro cientista social

Ibn Khaldun, polímata mouro do século XIV, é considerado um dos primeiros cientistas sociais. Ao criticar o processo de transmissão da história por ser fundamentado na autoridade da figura que a reproduz, advogou por um novo rigor metodológico: investigar a organização social humana com o objetivo de abstrair parâmetros analíticos.

Khaldun identificava a importância da divisão do trabalho como alicerce de uma sociedade civilizada. Essa divisão tinha papel essencial na obtenção de excedentes de valor, contribuindo para o bem-estar coletivo por meio da cooperação, assim como possibilitando que relações de mercado fossem estabelecidas (relações de oferta e demanda).

As análises econômicas do mouro se ramificavam, observando tradicionais temas (e fatores) como a produção (e os salários), o comércio (e o lucro), sujeito às interferências maléficas por parte dos governantes, e o setor público (assim como a tributação).

Para o setor público, foram postuladas ideias próximas à contemporânea curva de Laffer. O início de uma dinastia seria marcado pelos altos rendimentos tributários, dado um reduzido contingente pagador. O fim de uma dinastia, entretanto, seria caracterizado por rendimentos decrescentes ainda que o contingente pagador fosse numeroso, sendo necessária uma boa gerência do governante para que o desperdício ou a repressão de recursos sejam evitados.

As mudanças na ciência econômica 

Alguns compreendem que o estado da arte da teoria incorpora as contribuições relevantes do passado, outros defendem que a história do pensamento é uma importante ferramenta nos dias atuais.

Certa vez, um diretor do FMI disse que o mundo está cheio de economistas dispostos a acreditar somente naquilo que podem provar. Segundo ele, isso seria um luxo, pois, muitas decisões são tomadas com base não só naquilo que sabemos, mas também naquilo que não sabemos.

Tendências apontam para um avanço em relação ao que podemos provar, porém, refletir sobre temas inerentes às raízes da ciência econômica, assim como fizeram Aristóteles e Khaldun, pode ser útil para o aprimoramento de uma das mais importantes habilidades do economista: o juízo.

Paulo Silveira

Graduando em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e ex-graduando em Economia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Trabalha com gestão de produtos digitais em startups brasileiras. Produz conteúdo sobre economia e tecnologia. Foi um dos vencedores do concurso nacional de resenhas organizado pelo Conselho Federal de Economia em 2017, escrevendo sobre a obra 'Princípios de Economia Política e Tributação' de David Ricardo.
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