Janela de Overton e Reforma da Previdência

Primeiro, lembre-se de Maquiavel: a política é um jogo, cujo objetivo é alcançar e manter o poder. Nesse sentido, um político precisa tomar decisões. Contudo, quando determinada decisão é rechaçada pela opinião pública, apoiá-la significa assumir o risco de perder votos numa eventual disputa eleitoral. Por que seria diferente na reforma da Previdência?

O que é janela de Overton?

Numa decisão sobre políticas públicas ou, no caso da reforma da Previdência, políticas econômicas, a opinião pública (e os seus efeitos eleitorais) precede a preferência individual do político. Sendo assim, a janela de Overton é uma ferramenta de análise bastante útil. Trata-se, grosso modo, do intervalo que contém medidas políticas consideradas aceitáveis pela opinião pública, ou seja, não implicam efeitos eleitorais adversos ao político.

É razoável dizer que a opinião pública é formada a partir de costumes, valores e afins, numa determinada sociedade, num determinado ponto no tempo. Isso é, a janela de Overton e as suas dimensões são suscetíveis à mudanças e deslocamentos. Por sua vez, essas mudanças e deslocamentos podem ser impulsionados por: i) apelos aos fatos e à lógica; ii) à moral; iii) às emoções; iv) ou até mesmo através de campanhas de desinformação.

Trazendo o conceito da janela de Overton ao caso da reforma da Previdência, temos: i) uma proposta de política econômica, a própria reforma; ii) a opinião pública, que pode ser favorável ou contrária; iii) e as tentativas de deslocamento e transformação da janela por parte dos políticos, sejam eles favoráveis ou contrários à reforma.

Partindo da premissa de Maquiavel, o político busca alcançar e manter o poder, e considerando a janela de Overton, onde uma medida política é limitada por aquilo que a opinião pública diz ser aceitável, é razoável considerar que:

A. Se um político for favorável à reforma da previdência, é de seu interesse que a mesma esteja o mais próximo possível da janela de Overton, senão dentro dela;

B. Se um político for contrário à reforma, é de seu interesse que a mesma esteja o mais afastada possível da janela;

Consequentemente:

A. Uma vez que a reforma da Previdência permanece fora da janela de Overton, apoiá-la significa arriscar votos numa eventual disputa eleitoral;

B. Uma vez que a reforma permanece dentro da janela, não apoiá-la significa arriscar votos numa eventual disputa;

Dadas essas considerações, analisemos as seguintes tentativas de influenciar o posicionamento da reforma em relação à janela de Overton:

Lula: “A Previdência tem um limite. A Previdência tem uma arrecadação. A gente não pode pagar o que a gente não tem […]”

Aqui, ainda que de maneira breve, o ex-presidente Lula faz apelos à razão, numa tentativa de enquadrar alterações no sistema previdenciário como uma questão de “bom senso”, diante de gastos maiores que despesas.

Dilma: “ […] a reforma da Previdência […] tem a ver com uma modificação […] na idade e no comportamento etário da população brasileira. Nós estamos vivendo mais e morrendo menos […]

Dessa vez, a ex-presidente Dilma se utiliza de argumentos baseados em fatos, também para argumentar em favor de alterações no sistema previdenciário.

Bolsonaro: “Não temos outra alternativa. Não é um projeto meu, do meu governo. É um projeto do Brasil.”

Dilma: “Quero ressaltar que a reforma não é uma medida em benefício do atual governo. Seu impacto fiscal será mínimo no curto prazo. A reforma da Previdência é uma questão do Estado brasileiro.”

Temer: (sobre a reforma da Previdência) “Tenho a mais absoluta certeza de que nossos filhos e netos, num futuro breve, reconhecerão a coragem dos que enfrentaram esse problema. Essa, meus amigos e minhas amigas, é a grande herança que queremos deixar para o futuro.”

As três citações acima são especialmente notáveis, tendo em vista o que discutimos até aqui. Todos argumentam em favor de uma reforma, porém, a forma de exposição desses argumentos demonstra uma segunda preocupação: ilustrar a questão previdenciária numa perspectiva de patriotismo (Bolsonaro), não de partido, mas de Estado (Dilma), além de moralmente correta, em razão da responsabilidade com as futuras gerações (Temer).

Note que não se trata apenas de aproximar ou incluir a reforma na janela de Overton, mas, também de dissociá-la de si próprio. Afinal, caso a tentativa fracasse e a reforma permaneça fora da janela, o político está arriscando seu desempenho eleitoral futuro. A minimização do risco é um comportamento racional para quem busca alcançar e manter o poder.

O jogo da Previdência mudou?

Dito isso, apresento uma hipótese: a reforma da Previdência tem se aproximado gradualmente da janela de Overton. Citando o resultados de algumas pesquisas, ainda que casualmente, é possível dizer que a opinião pública está igualmente dividida [6], no pior dos casos (51% de rejeição em abr./2019), ou até mesmo favorável à reforma (68,6% dizem que deve ser feita, em dez./2018). Num passado recente, as perspectivas eram consideravelmente piores (71% de rejeição em mai./2017).

Uma vez que tal hipótese é aceita, retomando as considerações “A” e “B” anteriores, espera-se que os políticos contrários à reforma, agindo de maneira racional, mudem seu comportamento. Pode-se dizer que o comportamento do político é otimizado em função da conquista e manutenção do poder. Uma vez derrotado na batalha de narrativas, continuar otimizando em função desses fatores implica ajustes, dado o novo cenário.

Ilustrando essas proposições, cito os casos de Marcelo Freixo, que coloca o envelhecimento da sociedade e o problema de arrecadação do sistema previdenciário como pontos de partida. Logo, na visão de Freixo, esses pontos seriam fatos consolidados.  Ou ainda, Tabata Amaral, que contrariou o próprio partido ao anunciar apoio à uma reforma da Previdência, destacando a desigualdade perpetuada pelo sistema atual diante das inúmeras retaliações que sofreu. Até mesmo Guilherme Boulos, candidato à presidência nas últimas eleições, apresentou sua proposta alternativa à reforma da Previdência. Em diferentes graus, esses políticos mudaram de posicionamento recentemente. Os resultados da votação na Câmara dos Deputados são evidências disso.

Arrisco dizer que a melhor coisa que pode acontecer para os opositores da reforma é a sua aprovação. Afinal, poderão continuar se opondo sem sofrer os efeitos adversos de uma eventual falência do sistema previdenciário. No fim, esse ponto é secundário, até porque a proposta de reforma da Previdência que está aí não passa disso: uma proposta. Em última instância, as decisões estão nas mãos dos congressistas. Representantes do povo, democraticamente eleitos. Mais do que oferecer uma resposta rigorosa sobre o debate previdenciário, busco levantar questionamentos: o que leva um político a ser favorável à reforma? O que leva um político a ser contrário à reforma? O que leva um político a mudar o próprio posicionamento? É como dizem, você pode não se interessar por política, mas a política está interessada em você!

Paulo Silveira

Graduando em Análise e Desenvolvimento de Sistemas pelo Instituto Federal de Educação, Ciência e Tecnologia de São Paulo (IFSP) e ex-graduando em Economia pela Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). Trabalha com gestão de produtos digitais em startups brasileiras. Produz conteúdo sobre economia e tecnologia. Foi um dos vencedores do concurso nacional de resenhas organizado pelo Conselho Federal de Economia em 2017, escrevendo sobre a obra 'Princípios de Economia Política e Tributação' de David Ricardo.

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