O homem que fazia o errado parecer certo

Públio Terêncio Afro nasceu no ano de 185 a.C. na África Proconsular, antiga província do Império Romano que, anteriormente, pertencera a Cartago. Escravo, foi vendido como tal ao senador Terêncio Lucano, que deu-lhe instrução e, posteriormente, o libertou.

Autor de comédias atemporais como “Andria” e “O Eunuco”, sua obra só ganhou notoriedade na Idade Média e na Renascença, tendo peças suas representadas em colégios e traduzidas para vários idiomas. É considerado por muitos o segundo maior autor de seu tempo, ficando atrás apenas do contemporâneo Plauto.


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Entre tantas frases icônicas, o dramaturgo de Cartago cunhou uma que muito vem a calhar no debate público brasileiro: “Hoje há grande demanda de pessoas que fazem o errado parecer certo“.

O presidenciável Jair Bolsonaro foi sabatinado pela Central das Eleições do canal Globonews. Quando questionado sobre temas econômicos, Bolsonaro não soube responder, muitas vezes titubeando e gaguejando, quando não dizendo que perguntaria a seu ministro da Fazenda caso eleito, Paulo Guedes. Contudo, Bolsonaro deu algumas declarações um tanto quanto preocupantes sobre economia. Vejamos quais são:

Bolsonaro disse que todas as aposentadorias precisam ser corrigidas pelo salário mínimo, porque “antes o sujeito recebia 10 salários mínimos, hoje recebe só 6”. O que ele ignora é que cerca de dois terços dos benefícios do INSS são de 1 salário mínimo, sendo este o piso dos benefícios, mas que os outros benefícios não perderam poder de compra, já que são corrigidos pela inflação medida pelo INPC.

Acontece que, nas últimas décadas, o mínimo vem crescendo mais do que a inflação, daí a discrepância apontada pelo candidato. Um dos grandes problemas do nosso sistema previdenciário é, justamente, os reajustes elevados que recebem 64% dos benefícios, já que são indexados ao mínimo; e Bolsonaro quer que todos sejam reajustados assim? Fica a pergunta, portanto: para onde iriam os gastos da Previdência com essa proposta?

Bolsonaro também criticou a proposta de reforma da Previdência e a idade mínima de 65 anos, argumentando que ela não seria compatível, por exemplo, com uma expectativa de vida de 69 anos no Piauí, segundo ele. O candidato ignora, contudo, que a expectativa de vida não é um dado adequado para esta discussão. Isso porque ela é muito afetada por mortalidade infantil e violência urbana – que atinge principalmente os jovens. Basicamente, o candidato argumenta que as pessoas no Piauí não podem se aposentar aos 65 porque muitas morrem aos 20. Um dado mais adequado para essa discussão é a chamada expectativa de sobrevida aos 65 anos, que nos informa, basicamente, até qual idade espera-se que uma pessoa chegue, dado que ela atingiu 65 anos.

Segundo o IBGE, essa expectativa no Piauí é de cerca de 81,2 anos, sendo 79,6 anos para homens e 82,7 anos para mulheres. Em todo o Brasil, na média, vive-se mais de 80 anos, dado que se chegou aos 65.

O candidato também ignora que, nos estados mais pobres do Brasil, a maior parte das aposentadorias são por idade, não por tempo de contribuição. Significa que, nesses estados, os homens se aposentam aos 65 anos nas cidades e aos 60 no campo, enquanto as mulheres se aposentam aos 60 anos nas cidades e aos 55 no campo. No Piauí, citado por Bolsonaro, 8 em cada 10 aposentadorias são por idade, por exemplo.

Bolsonaro não negou a existência de um prêmio salarial (isto é, uma diferença que não pode ser explicada por fatores como idade, educação, etnia, ocupação, setor, tipo de emprego etc) masculino (algo encontrado por diversas análises empíricas e um consenso na literatura), mas disse que o Estado nada poderia fazer sobre isso porque “se você quiser interferir no mercado dessa forma, você vai quebrar de vez”, nas palavras dele. Uma das alternativas bem conhecidas é igualar as licenças paternidade e maternidade, como forma de reduzir os custos relativos de se contratar homens e mulheres. Vouchers para que mães mais pobres coloquem seus filhos na creche também é uma boa maneira de aumentar a participação feminina no mercado de trabalho e ajudar a diminuir a diferença salarial entre os sexos.


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Em dado momento da entrevista, Bolsonaro criticou o uso da taxa de juros (Selic) para combater a inflação; afirmou que a elevação dos juros foi responsável por elevar a dívida pública. Também titubeou ao responder sobre a independência do Banco Central. Acontece que a taxa de juros é o instrumento consagrado no combate à inflação; o governo Dilma questionou isso, e optou pelo controle de preços administrados e cambial. O resultado foi uma inflação de 10,67% em 2015.

Bolsonaro também disse que quer que o Brasil “não fique apegado às commodities”, dando a entender que o país precisa produzir bens que não apenas os primários para crescer. Essa é uma ideia bem antiga e há muito tempo se sabe que sobre sua falsidade. Um país não é rico porque produz bens de alto valor agregado, mas sim porque produz o que produz (seja soja, café ou iPhones) de maneira eficiente.

Um estudo da FGV concluiu que, se o Brasil tivesse a mesma composição setorial dos EUA, nossa produtividade seria 68% maior. Por outro lado, se mantivéssemos nossa composição setorial, mas tivéssemos a mesma produtividade em cada setor que os EUA, nossa produtividade média seria 430% maior!

Bolsonaro também criticou o fato de os chineses terem interesse em comprar terras no Centro-Oeste, alegando que, com isso, “o Brasil estaria abrindo mão da sua segurança alimentar”, nas palavras dele. Parece um pouco estranho que o Brasil esteja abrindo mão de sua segurança alimentar se estrangeiros vierem aqui produzir alimentos de maneira mais eficiente e a preços mais baixos. O candidato não detalha muito bem o mecanismo pelo qual a segurança alimentar brasileira estaria ameaçada. Jair Bolsonaro também disse que “algum grau de protecionismo é necessário”, ignorando um consenso na literatura econômica sobre o assunto (a favor do livre comércio), bem como as evidências para o próprio Brasil, que mostram como a liberalização comercial promovida na década de 90 gerou maior crescimento da produtividade das empresas.

O presidenciável voltou a destacar o nióbio, com uma retórica que muitas vezes dá a impressão de que esse mineral nos tornará ricos. Hoje em dia sabemos, contudo, que o que faz um país rico são suas instituições, as regras do jogo e bons incentivos, não bens naturais. Do contrário, nas palavras de Roberto Campos: “o Japão seria pobre, e a Rússia, opulenta”.

Bolsonaro defendeu a manutenção da Zona Franca de Manaus, apesar de esta custar R$25 bilhões em desoneração e gerar, no seu auge, apenas cerca de 130 mil empregos. Significa que cada emprego custa R$16.000 por mês, mas obviamente não são vagas com esse salário mensal. Em outras palavras: seria mais barato mover a produção para um lugar onde pagasse impostos e dar dinheiro na mão desses trabalhadores da Zona Franca.

Defendeu crédito subsidiado à agricultura, que nos custam bilhões de reais por ano e acabam por tornar nossa taxa de juros aos demais tomadores de crédito mais elevada. Defendeu os Correios como “empresa estratégica” e o controle de preço dos combustíveis

Em resumo, Bolsonaro defendeu ideias, em geral, intervencionistas, apesar de se dizer a favor do livre mercado, bem como propostas com pouco ou nenhum respaldo nos dados. Muitas dessas ideias foram abraçadas por Dilma Rousseff em seu primeiro governo, e nos trouxeram uma das piores crises da nossa história. Mas, para seus eleitores, aparentemente, Bolsonaro é diferente de tudo que já experimentamos.

Gabriel Nemer É graduando em Ciências Econômicas pelo Insper.

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