O Sr. Rentista estava muito descontente com o presidente do Banco Central, logo, resolveu escrever uma carta ventilando toda a sua frustração. Mas as pessoas não sabiam de uma coisa: parte da fortuna rentista era destinada a uma coleção de ventríloquos de madeira, sendo que um dos bonecos tinha certo apreço pelo debate econômico.
O Brasil é um país pobre. O mundo tem muitos problemas. Vez ou outra, andando por aí com minhas perninhas de pau, ouço acusações. O país é pobre. O mundo está cada vez pior. A culpa é da elite. A culpa é do rico, aquele lá, o 1%. A culpa é do playboy, do burguês safado!
No entanto, meu pequeno cérebro de madeira não pode lidar com tantas abstrações ao mesmo tempo. É muito cupim pra pouca madeira. O que é elite? O que é ser rico? 1% de quê? O que é um burguês safado? Por que ele é safado?
A vilanesca elite! Os escolhidos, na língua francesa lá do século XIX, um bando de privilegiados que impedem o cidadão de bem de subir na vida nos dias atuais. A elite financeira acabou com a economia mundo afora. A elite política não cuida da gente, só deles mesmos. A elite artística e cultural só quer saber de minorias e meio ambiente. Mas espera aí, meu sábio grilo falante! Agora temos mais de uma elite? Como vou saber de quem é a culpa então? De todos? (risos) Fora, todos!
Brincadeiras à parte, vamos ao que nos interessa. Tenho consulta no marceneiro hoje. Na linguística, uma palavra é o menor elemento possível, sendo esse passível de ser expresso isoladamente com significado prático ou objetivo. Sendo assim, pode-se dizer que a palavra funciona como um índice, conectando a ideia ao símbolo que ela representa e vice-versa (conceitualmente, essa palavra é designada como: termo).
Porém, se existem várias elites, o uso da palavra “elite” remete à diferentes ideias e essa não me parece ser a ideia de uma palavra, por definição. Será que a palavra “elite” está podre? Não vou mais usá-la, só por precaução. Afinal, posso estar correndo o risco de usar uma palavra que nem sei ao certo seu real significado. Não coloco minha mãozinha de madeira no fogo por ela! De jeito nenhum!
Como boneco de madeira culto que sou, estava lendo a boa e velha revista “CartaCapital”. O título do texto era “Para os brasileiros, os ricos são ‘os outros’, revela pesquisa”. Interessante! Logicamente, a tal culpa deve ser dos outros, os ricos.
Depois de ler, fui fazer as contas no meu ábaco: se mais ou menos metade dos entrevistados na elaboração da pesquisa disseram que para estar no grupo do 10% mais rico do Brasil é necessário [uma renda mensal de] 20 mil reais quando, na verdade, esse valor é de míseros 2.811 reais… Opa, como é? Com 2.811 reais você está no 10%?
A mamãe vai adorar saber que está no 10% mesmo que trabalhe como analista de crédito nas Casas Baía e, ainda por cima, estão jogando a culpa das coisas nas costas dela. Só não serei o louco de contar. Obviamente! Isso porque não falei do meu irmão mais velho, aquele patife, só a bolsa do estágio dele já alimenta uma família inteira por aí. Eu deveria ter escolhido cursar administração…
Mas e o 1%? Luciano Buck? Reyke Batista? Vou precisar pegar meu ábaco, de novo! Olhando para esse gráfico aí em cima, alguém ganhando pouco acima de 13 mil reais já está dentro do 1%? Interessante! Esses dias estava aqui perambulando na rede social Woodbook, já contei que a mamãe me deu um celular novinho? Comprou no crediário lá das Casas Baía, é da marca Mototora. Todos meus amiguinhos estavam compartilhando um tal ranking sobre universidades, dá uma olhada:
Quebrou meu ábaco, cara. Se um professor de universidade ganha pra lá de 14 mil reais e com mais ou menos 13 mil uma pessoa está no 1%, isso quer dizer que O MEU PROFESSOR DA UNIVERSIDADE É O REYKE BATISTA!!! Tá complicado, esses “alguma coisa porcento” estão em todo lugar! Na sala de aula, na minha família e até dentro da boca da baleia!
Na semana passada o meu pai, Gepeto, deixou um livro estranho segurando a porta para o vento não batê-la. Peguei o livro para dar uma folheada, estava escrito K-A-R-L-M-A-R-X na capa. Interessante! Tinha um trecho que falava de uma tal burguesia, porém, pequena, pequena burguesia.
A ideia era mais ou menos assim (lendo com voz de idoso): a expressão “pequena burguesia” identifica o estrato socioeconômico da burguesia composto por capitalistas de pequena escala, como donos de lojas e trabalhadores que gerenciam a produção, distribuição e comércio de commodities ou serviços que, por sua vez, são propriedade de seus empregadores burgueses. Engraçado, né?
O burguês maior e o burguês menor? Coisa de louco… Aparentemente o pequeno burguês pode comprar o trabalho dos outros, mas normalmente também trabalha ao lado dos seus empregados. Entretanto, o livro não falava nada de safado! Que coisa! Onde está o burguês safado?
Bom, espero que ser burguês não seja algo ruim, porque seguindo essa definição aí, a culpa é do burguês e, na verdade, o escopo dessa definição me parece muito próximo de abarcar uma pessoa engajada no movimento de empreendedorismo social, por exemplo. Talvez fui eu que não entendi mesmo, melhor deixar esses termos socio-filosóficos-marxiônicos meio de lado. Isso não é coisa de menino de madeira, vou tomar mais cuidado.
Falar de elite, rico, 1%, playboy, burguês (até agora nada sobre ser safado) ou qualquer coisa assim é bem mais difícil do que aparenta. Talvez eu precise refletir mais antes de reproduzir certas falas ou culpar gente que nem sei quem é. Muito bobinho. Tomarei cuidado, assim ninguém pode me taxar de cara de pau, quem sabe não sobra um espacinho para o Brasil mostrar a própria cara?
P.S.: Esse texto não tem pretensões científicas, tampouco foi escrito para fornecer uma análise rigorosa. Trata-se de maximizar a diversão, apenas isso. +1 gráfico: