Em pleno contexto da guerra na Ucrânia, um general em Portugal defende abertamente argumentos que seguem — ou ecoam — a propaganda russa. Por que isso é inaceitável? Como isso afeta a credibilidade de Portugal e da aliança?
Ver um general português na televisão já é, por si, um evento raro. Espera-se rigor, lucidez, a defesa dos valores euro-atlânticos, talvez até uma pitada de tecnicismo militar. O que não se espera — e o que temos visto — é um ex-oficial de alta patente a usar o espaço mediático como caixa de ressonância para a cartilha do Kremlin, com um sotaque lusitano e ar professoral, como se estivesse a explicar o funcionamento de um semáforo.
É quase um exercício de comédia involuntária: a cada pergunta sobre crimes de guerra russos, ele encontra uma “ponderação” que invariavelmente relativiza o ato. É como se um meteorologista olhasse para um furacão e dissesse: “Bem, é apenas uma brisa com personalidade.”
E o mais chocante é que esta traição discursiva vem embrulhada no verniz da autoridade militar. O telespectador desatento pensa: “Se um general diz, deve ser verdade.” Mas o que se diz são meias-verdades, suposições plantadas e interpretações que poderiam ter saído diretamente do briefing matinal do Ministério da Defesa russo.
Ele não corta a aliança, apenas desacelera sua credibilidade, transformando o espaço que deveria ser de análise estratégica num estúdio de propaganda.
Logo no início da guerra, Agostinho Costa apareceu na SIC afirmando que “o senhor Putin é um jogador de xadrez” e elogiando o ministro da Defesa russo Shoigu como “um homem de barba rija” (delitodeopiniao.blogs.sapo.pt) — ou seja, troca o rigor militar por metáforas discretamente favoráveis a Moscovo. Esse tipo de comentário, em vez de iluminar, obscurece, embalado numa aura de “analista”.
E quando diz que o grupo Wagner é comparável às forças especiais norte-americanas — “mais ou menos a mesma coisa” — não se arrepende nem quando o jornalista alega que o Wagner não é uma força regular. A resposta? “De maneira nenhuma!” (delitodeopiniao.blogs.sapo.pt). É tão irresponsável que parece roteiro de comédia: “O Wagner ataca com sucesso porque é uma força especial…” — como se fosse um documentário militar com cortes de propaganda.
Portugal é um país pequeno em tamanho, mas grande em história. Navegamos oceanos, descobrimos terras, e… aparentemente agora também descobrimos uma nova categoria geopolítica: o neutro pró-Rússia. É quase poético — como alguém conseguir vestir o manto da imparcialidade enquanto recita, palavra por palavra, as cartilhas narrativas do Kremlin.
O general Agostinho não se declara abertamente a favor de Putin, claro. Isso seria demasiado óbvio. Ele é “analítico”, “ponderado”, “geoestrategicamente lúcido”. Ou, na tradução para o português corrente: “pronto para relativizar qualquer atrocidade russa com um mas…”.
Bombardeia civis? Mas a NATO provocou. Anexaram território soberano? Mas o Ocidente é hipócrita. É uma coreografia previsível, tão mecânica que podia ser feita por um bot programado em São Petersburgo.
Portugal, membro pleno da OTAN, estado democrático e defensor formal do Direito Internacional, encontra-se diante de um paradoxo constrangedor: um dos seus mais mediáticos generais — voz frequente na imprensa — ecoa, com surpreendente consistência, a cartilha russa sobre a guerra na Ucrânia. Não se trata de divergência de interpretação sobre logística militar ou manobras táticas; trata-se de um alinhamento narrativo quase milimétrico com a propaganda do Kremlin.
Quando a OTAN diz que a Ucrânia precisa de mais munição, ele sugere que a guerra está perdida e que o Ocidente deveria forçar Kiev a negociar. Quando a Aliança reafirma que a integridade territorial ucraniana é inegociável, ele fala em “realismo geopolítico” e sobre “entender as preocupações de segurança da Rússia”. É como se um bombeiro, chamado para apagar um incêndio, chegasse dizendo que a prioridade é preservar o fósforo do incendiário.
Este é o ponto central: o problema não é ele ter opinião própria — é ele tê-la tão curiosamente idêntica à que Moscovo paga caro para difundir.
A Traição Silenciosa de um “Especialista”
Vê-lo em desempenho televisivo causa uma sensação perturbadora: um general português, graduado e condecorado, transformando-se num intérprete melífluo da propaganda do Kremlin. Tal como muitos comentadores indignados apontaram nas redes, o homem “repete todos os pontos do Kremlin um a um”- O termo usado por um utilizador de Reddit é duro, mas ilustrativo: “Um agente russo… fala como se tivesse um orgasmo ao elogiar o exército russo” (Reddit).
Perante este comportamento, a CNN Portugal aceitou que alguém com esta postura continuasse a gozar de visibilidade e legitimidade – sem vergonha nenhuma, como ressalta um cidadão que ainda abriu reclamação pública. Ao afirmar algo como “a NATO é os Estados Unidos e o resto é paisagem”, o general insultou logo a identidade estratégica europeia.
A estratégia é previsível: colocar a Ucrânia sempre como provocadora indireta e a Rússia como ator racional que apenas responde. Uma ginástica lógica que transforma a vítima em cúmplice e o agressor em diplomata mal compreendido.
Quando se fala de “campanha mediática” na guerra, não é para expor a fábrica de fake news de Moscovo, mas para sugerir que o Ocidente também exagera. É o clássico “eles também fazem” — o argumento preferido de quem quer desresponsabilizar o agressor. É como acusar o bombeiro de exagerar a gravidade do incêndio porque está a pedir mais água.
O episódio de Vinnytsia é exemplar: civis mortos, destroços por toda parte, e o general, com ar grave, falando de uma possível “reunião de alto nível” que teria sido o alvo real. Traduzindo: se havia supostos alvos militares, então a carnificina civil é um mero detalhe colateral. É o tipo de raciocínio que Moscovo adora porque não nega o massacre — apenas o reclassifica como “profissionalmente justificado”.
A neutralidade, como conceito, é nobre. É o juiz que mantém equidistância, o árbitro que não favorece lados. Mas a neutralidade seletiva é outra coisa. É como aquele amigo que diz “eu não tomo partido” mas, curiosamente, só critica um lado da discussão.
No caso do general, a “neutralidade” se traduz assim:
- Quando a Rússia invade a Ucrânia, é “complexo”.
- Quando a Ucrânia resiste, é “provocação”.
- Quando a NATO se defende, é “escalada”.
- Quando Putin ameaça com armas nucleares, é “retórica”.
Aparentemente, só um lado é capaz de provocar, escalar ou errar — adivinhe qual.
Esta seletividade não é só um problema de opinião pessoal. Vinda de um militar de alta patente num país da NATO, ela carrega peso político, mina a confiança pública e envia mensagens confusas aos aliados. Imagine-se um piloto de avião a dizer “eu não tenho preferência entre voar e cair, mas acho que cair tem pontos positivos”. É esta a sensação.
O conflito Rússia–Ucrânia não é uma questão obscura, ambígua ou repleta de zonas cinzentas diplomáticas. É um caso cristalino de agressão militar: um país invade outro, ocupa territórios, comete crimes de guerra, deporta crianças e ameaça o uso de armas nucleares. É preto no branco, ainda que o Kremlin insista em pintar de cinzento.
E, no entanto, este general português parece ter o ouvido calibrado para uma outra música. Quando a maioria das capitais ocidentais diz “defesa da Ucrânia”, ele ouve “provocação à Rússia”. Quando se fala em “libertar territórios ocupados”, ele traduz para “evitar humilhar Moscovo”. É como se houvesse um intérprete interno que transforma cada mensagem aliada num discurso de concessão.
O absurdo chega ao ponto de, em entrevistas televisivas, ele apresentar cenários que seriam indistinguíveis daqueles que um canal estatal russo gostaria de ver reproduzidos em horário nobre: a inevitabilidade de perdas territoriais ucranianas, a demonização de Zelensky como “teimoso” e a narrativa de que a guerra é fruto de erros ocidentais, não de uma invasão russa.
O Excesso das Narrativas Alinhadas com Moscovo — e Nunca Com os Factos
Se o general fala de “campanha mediática” como o eixo central da guerra, como fez, parece desconhecer — ou ignora — que é exatamente isso que a narrativa russa faz melhor. Essa guerra comunicacional carece de análise, não de banalização (Observador). Ao atacar Kiev, filmes bem encenados são apresentados como evidência de uso de civis como escudo — uma lógica que repete os clichés de Moscow (Observador).
Já no episódio do ataque em Vinnytsia, encontrou fontes “relativamente credíveis” que “provavelmente” indicavam uma reunião de alto nível com delegações estrangeiras, transformando tragédia civil em palanque de teorias não verificadas (expresso.pt). É o tipo de interpretação que amplia o “nevoeiro” sobre informações e legitima narrativas duvidosas.
- Atribuição de falhas à arrogância ocidental — uma perspectiva que deixa de lado o princípio da soberania e responsabilidade de defesa de um país atacado (Posta)l.
Este ponto seria cómico se não fosse trágico. A ideia de que a Crimeia é “essencial” por controlar o estreito de Kerch mostra uma confusão geográfica digna de um mapa mal impresso na contracapa de um livro escolar dos anos 80.
Qualquer adolescente com acesso ao Google Maps percebe que o estreito de Kerch liga a Crimeia à Rússia continental — e que o controle russo da península já está consolidado desde 2014. Apresentar isso como “grande trunfo estratégico” é como anunciar que descobriu a importância da água para a vida — em pleno século XXI.
Depois, o festival técnico: comparar mísseis Patriot e Kinzhal com a segurança de quem lê um panfleto turístico. É uma espécie de “turismo bélico” discursivo: passar por cima da física, da engenharia e da realidade operacional com a mesma confiança com que se comenta o resultado do Benfica.
Quando um civil fala, ele representa a si mesmo. Quando um general da NATO fala, ele carrega o brasão de uma aliança militar inteira, mesmo que se declare “a título pessoal”. É a natureza da farda: o que se diz ecoa para fora.
Portugal não é uma potência militar global, mas a nossa voz conta. Somos aliados, participamos em missões, partilhamos inteligência. Ter uma figura de topo alinhando-se, mesmo que indiretamente, com as narrativas russas, é como acender uma fogueira no convés de um navio — não destrói imediatamente, mas o fumo sobe e toda a tripulação vê.
Exemplo prático: enquanto países bálticos reforçam suas defesas e Polônia envia tanques para a Ucrânia, Portugal tem um general que publicamente suaviza a agressão russa. Qual a mensagem que isso passa para um soldado ucraniano nas trincheiras? Que ele luta e morre por um país que considera o invasor um “ator legítimo” no conflito? É de uma desmoralização sutil, porém poderosa.
A Linguagem do “Mas” — Como Relativizar Crimes de Guerra com Retórica de Cafetaria
Esse “mas” é mais perigoso do que um manifesto pró-Putin. É o “mas” que suaviza massacres, que transforma agressão em “erro estratégico” e que convida a audiência a pensar que talvez, só talvez, haja um ponto de vista legítimo em bombardear prédios residenciais.
Historicamente, essa técnica é velha. Foi usada para justificar invasões coloniais (“trouxemos civilização”), ditaduras (“pelo menos havia ordem”) e até perseguições religiosas (“para defender a fé verdadeira”). Agora, é reciclada para dar verniz intelectual a um ato que, no fundo, é tão bárbaro quanto foi em 1939 a invasão da Polónia.
Num país da OTAN, espera-se que um general compreenda o peso estratégico e simbólico da sua farda. Não é apenas um uniforme: é a representação visual de compromissos internacionais, de um juramento a aliados, de uma missão coletiva. Quando essa mesma farda se torna plataforma para discursos que enfraquecem a posição da Aliança, estamos diante de um problema de legitimidade.
E aqui reside um dos absurdos mais difíceis de engolir: em teoria, qualquer cidadão tem o direito de opinar. Mas quando a pessoa que opina é um general, com décadas de carreira e prestígio institucional, as palavras deixam de ser apenas opinião — tornam-se munição. Nesse caso, munição para a máquina de desinformação e massacre russos.
Sendo deselegantemente óbvio, não se trata de censura, mas de coerência: seria aceitável, durante a Segunda Guerra, um general britânico dizer que Churchill deveria “entender as preocupações de segurança” de Hitler?
A cartilha do Kremlin com sotaque português
O manual narrativo pró-Rússia é tão previsível que se tornou objeto de estudo em universidades:
- Negar a gravidade dos crimes russos.
- Enfatizar erros do Ocidente.
- Tratar a Ucrânia como “peão” de um jogo maior.
- Minimizar a importância da soberania ucraniana.
- Sugerir que a única saída é a negociação (em que o agressor fica com parte do território).
Parece haver a versão em português dessa cartilha, com a entonação calma e o ar professoral que lhe conferem credibilidade junto a parte da audiência. O efeito é devastador: se até um general “ponderado” diz que Kiev deveria ceder, então talvez Moscovo tenha mesmo alguma razão. É assim que a propaganda funciona — não pela gritaria de um porta-voz oficial, mas pelo eco suave de vozes respeitadas no lado oposto.
Reação pública e repercussão na sociedade e mídia
- Comentários nas redes sociais e fóruns expressam indignação: muitos usuários citam que ele “repete toda a propaganda russa” e que sua presença na TV é um “vergonha” para Portugal (Reddit+2)
- Exemplo: “Ele é tão pró-russo que eu tenho medo do que podia ter acontecido quando tinha um alto cargo na GNR” (Reddit).
- Outro comenta: “Desde 2022 que defende que a Rússia é uma enorme potência… devíamos… gastar esse dinheiro em despesa social. Pura demagogia.” (Reddit).
A tolerância para este tipo de discurso é cada vez menor. Desde 2022 que as redes sociais estão cheias de comentários a denunciar o alinhamento descarado com a narrativa russa.
Frases como “Ele repete a propaganda do Kremlin palavra por palavra” e “Não consigo acreditar que isto é dito num país da NATO” tornaram-se comuns.
Há até quem confesse medo retrospectivo: “Penso no que ele podia ter feito quando estava em funções e dá-me calafrios.” Esta é a erosão mais perigosa — não apenas do crédito pessoal, mas da confiança do público nas Forças Armadas e na própria NATO. Quando o porta-voz de uma instituição transmite a mensagem do adversário, a autoridade deixa de ser um ativo e passa a ser um problema.
Portugal assinou tratados, comprometeu-se com compromissos militares e votou resoluções contra a Rússia. As Forças Armadas portuguesas participam em exercícios da OTAN, partilham inteligência e mantêm contingentes em missões internacionais.
Ou seja: Portugal, ou qualquer outro país da NATO, não é neutro.
Quando um general dá entrevistas ou escreve artigos que soam mais alinhados com Moscovo do que com Bruxelas, não está a exercer uma “opinião pessoal inofensiva” — está a corroer a credibilidade externa de um país. E, numa aliança militar, credibilidade é tão valiosa quanto mísseis ou navios.
É como se, em plena Segunda Guerra Mundial, um oficial britânico fosse à rádio dizer que, afinal, Hitler tinha algumas razões para invadir países vizinhos. Tecnicamente, ele teria direito à sua opinião. Politicamente? Seria um suicídio diplomático.
Por que isso prejudica Portugal e a OTAN
- Ao oferecer plataforma a discursos que ecoam argumentos russos — especialmente quando vêm de um militar de patente — enfraquece a postura de solidariedade com a Ucrânia e fragiliza a imagem de coesão da OTAN.
- Contamina o debate público com desinformação e relativiza a invasão com justificativas estratégicas, sem confronto direto com a agressão e violação da soberania ucraniana.
Enquanto a Europa reforça a sua defesa e discute como responder a um agressor nuclear, Portugal tem um personagens mediáticos a insinuar que a melhor solução é “acalmar” Moscovo. É o velho sonho da diplomacia ingênua: acreditar que a paz se compra com silêncio e concessão territorial.
Na prática, esta lógica já foi tentada na história — e o resultado foi sempre o mesmo: o agressor volta para mais.
Ao classificar o envio de armas como “emocional” e as sanções como “irracionais”, quando parece ignorar que a única linguagem que Putin entende é a da resistência firme. Não se trata de emocionar-se ou de irracionalidade — trata-se de sobrevivência, de valores, de dignidade nacional.
O problema é que para quem ficou preso em manuais de geopolítica da Guerra Fria, a Ucrânia é apenas um peão, não um país soberano que luta pela própria existência.
Passemos ao óbvio: entender que a Crimeia é “importante porque controla o estreito de Kerch” mostra um completo desencontro com a geopolítica. Trata-se de uma ignorância geográfica digna de cartaz turístico barato, mesmo como se fosse uma revelação grandiosa descobrir que a água é molhada.
O que seria esperado de uma postura responsável?
- Uma análise militar deve se apoiar em dados concretos, fontes transparentes, multilaterais e verificáveis.
- Reconhecimento claro dos princípios do direito internacional, condenando sistematicamente a guerra de agressão.
- Evitar encenar uma “neutralidade falsa” — pois neutralidade moral é impensável quando o sistema de regras que protege a ordem global está em xeque.
Portugal não pode dar-se ao luxo de ter uma figura pública militar a perpetuar narrativas que enfraquecem a posição da NATO e minam a solidariedade com a Ucrânia.
A guerra não se vence apenas no campo de batalha, mas também na arena da opinião pública. E quando um general se coloca, voluntária ou involuntariamente, como instrumento dessa desinformação, torna-se um problema estratégico.
Este não é um apelo à censura — é um apelo à responsabilidade. O espaço mediático não pode ser um recreio para teorias não verificadas, erros factuais e relativizações perigosas. Porque, no fim, quem paga o preço dessa desinformação não são generais aposentados. É o povo ucraniano, é a coesão da NATO, é a credibilidade de um importante país da NATO.
Enquanto Bruxelas debate planos de rearmamento e reforço da defesa comum, Portugal oferece um general que chama sanções e ajuda militar de “emocionais” e “irracionais”. No website da EuroDefense-Portugal, ele sugere que o armamento enviado à Ucrânia é insuficiente porque visa apenas neutralizar a Rússia — e não garantir vitória —, o que, na sua lógica, indica que o Ocidente “não quer que a Ucrânia ganhe” (eurodefense.pt).
E ainda sugere que o conflito está a ser prolongado intencionalmente, como se fosse parte de um xadrez geopolítico entre EUA, China e Rússia (eurodefense.pt). Em vez de solidariedade, vemos análise fria que cede terreno à teoria conspirativa e à relativização estratégica.
Existe uma patologia comum entre certos analistas militares e diplomáticos: o fascínio pelo “realismo” que, no fundo, é apenas conformismo travestido de análise sofisticada. É o tipo de raciocínio que diz: “O mais forte sempre vence, logo é melhor o mais fraco ceder logo para evitar sofrimento.” Parece pragmatismo, mas é nada mais que covardia intelectual.
No caso do general, este “realismo” serve para justificar a entrega de territórios soberanos a uma potência agressora — uma lógica que, aplicada no passado, teria condenado metade da Europa a continuar sob domínio nazi. O “realista” de 1939 diria que resistir à Alemanha era um erro; o “realista” de 2024 diz o mesmo sobre resistir à Rússia.
O silêncio sobre Bucha, Mariupol e as crianças deportadas
Um dos elementos mais perturbadores desse tipo de discurso é o quase completo silêncio sobre os crimes de guerra russos. É como se as cidades arrasadas, as valas comuns e as crianças sequestradas fossem detalhes colaterais, irrelevantes para a “análise estratégica”. Quando mencionados, vêm diluídos em relativismos: “Num conflito, ambos os lados cometem excessos.”
Essa equivalência moral não é apenas intelectualmente desonesta — é moralmente repugnante. É o tipo de frase que transforma massacres documentados em “excessos” e a deportação de crianças em “alegações”. Quando dita por alguém que ostenta condecorações militares, ela ganha um peso de autoridade que a Rússia não conseguiria fabricar sozinha.
A Paciência da Audiência Está no Fim — E Tem Razão
Contribuintes, espectadores e todos nós merecemos mais. Se “um velho do Restelo” (como apelidaram nas redes) repete discurso incoerente e alinha-se com pretensões críticas que cheiram a propaganda, é legítimo que a paciência se esgote (Reddit+2). Observar lamentavelmente que “até um cadete com um mapa percebe melhor” resume bem a decepção.
Portugal não é um ator periférico irrelevante na OTAN. Participa em missões, cede infraestruturas estratégicas, cumpre compromissos coletivos. Ter uma figura de alto perfil no país que reproduz argumentos de um regime hostil à Aliança é mais do que uma contradição — é uma vulnerabilidade.
A vergonha não é nacional por causa da opinião individual dele; é nacional porque esta opinião encontra tanto eco, tão pouco contraponto, e tão pouca consciência do dano simbólico que causa.
Um Chamamento Claro, Sem Rodeios
Qualquer país ocidental merece vozes que combinem rigor intelectual, compromisso com a verdade e visão multidimensional dos conflitos. Não precisa de nostalgismos soviéticos, nem de análises enviesadas que confundem opinião com agenda. Opiniões públicas tão enviesadas, sem reparos, é um sinal de que temos de exigir mais — com mais clareza, mais ética, mais coerência.
A questão aqui não é “opinião divergente”. Democracias vivem de debate. A questão é quando a divergência deixa de ser análise e passa a ser um alinhamento disfarçado. Quando se escolhe sistematicamente ignorar o agressor e relativizar a vítima.
Em um país alinhado com valores ocidentais, com responsabilidades internacionais e compromissos claros, isso não é só desonesto — é perigoso.
Chamar pelo nome não é intolerância, é higiene intelectual: qualquer um com esse tipo de discurso, queira ou não, tornou-se um ativo de valor propagandístico para Moscovo. E isso deveria preocupar não só quem apoia a Ucrânia, mas qualquer um que leve a sério o papel de seu país no mundo.
A liberdade de expressão é um valor essencial, mas para quem carrega as insígnias de um país na OTAN, ela vem acompanhada de uma responsabilidade equivalente ao peso de cada soldado que poderia um dia depender dessa aliança.
Quando se escolhe relativizar a agressão e propagar narrativas que beneficiam um país agressor, qualquer farda perde significado — e pior, qualquer país pode perder um pedaço da sua própria dignidade.