2003-2023: 20 anos de volatilidade de commodities

Não é novidade para muitos que o Brasil é um país conhecido por suas riquezas naturais. Somos um país de dimensões continentais que possui tanto uma vasta riqueza de reservas de recursos naturais como também um solo fértil que nos permite ser um dos celeiros do mundo. Essas características, essa abundância do fator terra, fez com que historicamente fossemos caracterizados economicamente como um país produtor e exportador de matérias primas não industrializadas, as chamadas commodities.

Assim como o Brasil, boa parte dos países da América Latina também são economias exportadoras de commodities. A dependências das pautas exportadoras de commodities dos países latino americanos e do resto da maioria das economias ditas “subdesenvolvidas” sempre foi um tema de discussão e preocupação dos economistas. Os trabalhos mais famosos nesse sentido, sem dúvida, foram os elaborados por Singer (1949) e Prebisch (1949); no qual os autores apontaram que os termos de troca dos países latino-americano, fortemente baseados na exportação de commodities, tendiam a se depreciar com o tempo em relação aos termos de troca das economias industriais; gerando crises em suas balanças de pagamento e retardo de seu desenvolvimento em economias de renda alta.

Em anos recentes essa preocupação foi deixada de lado por boa parte dos economistas, particularmente os mais ortodoxos, devido esses adotarem a perspectiva de que uma política de livre-comércio tenderia a gerar mais eficiência e bem-estar econômico do que cenários alternativos. Segundo essa visão, não existe um problema em esses países serem dependentes da exportação de commodities, pois a especialização nessa área onde possuem vantagem comparativa gera o melhor cenário possível de renda e bem-estar.

Todavia, essa é uma conclusão que dificilmente bate com a realidade do comércio internacional. Os países subdesenvolvidos possuem dois problemas estruturais em suas relações comerciais em relação aos países ricos: eles possuem uma estrutura produtiva pouco diversificada e possuem curvas de demanda por seus produtos mais elásticas do que as economias industrializadas. Países com pautas de exportação mais diversificadas em geral estão mais seguros contra choques que possam surgir da variação de preços do mercado internacional.

Blattman, Hwang e Williamson (2007) demonstram que as diferenças na volatilidade dos termos de troca de países dependentes de commodities e industrializados explica diferenças internacionais no nível de renda das economias em longo prazo. Analisando as economias durante o período de 1870 e 1939, os autores encontraram diferenças na taxa de crescimento de longo prazo entre economias industrializadas e subdesenvolvidas de 0,44% devido o fato dessas últimas estarem baseadas em uma cesta pouco diversificada de produtos para exportação.

Dados como esse são especialmente preocupantes para os países que apresentam dependência de commodities; que é um quadro no qual ao menos 60% de suas receitas de exportação são derivadas de commodities. Segundo a UNCTAD (2021), no biênio 2018-2019, cerca de ⅔ s países em desenvolvimento se encontravam em um quadro de dependência de commodities.

Essa perda de bem-estar econômico causado pela volatilidade das commodities não deveria ser surpresa para a maioria dos economistas, pois ela é explicada pelo Modelo de Heckscher-Ohlin. Segundo esse modelo, o livre comércio só irá gerar melhorias de bem-estar quando ocorrer uma normalização das flutuações dos preços internacionais devido um livre-comércio unilateral entre os participantes do comércio internacional. Para formular seu modelo, Bertil Ohlin partiu de um cenário hipotético onde a economia internacional é composta por países onde existe perfeita mobilidade de fatores (capital e trabalho) em seu interior, mas onde tal mobilidade inexiste ou é imperfeita entre os países. Esse cenário inicial implica que as economias nacionais desses países são autárquicas e que o preço dos fatores de produção difere entre elas devido cada economia ser regida por uma função de produção distinta.

Assim, em um cenário de imperfeições no comércio internacional devido existência de barreiras comerciais, custos de transação, tarifas e afins (que é o nosso caso concreto atual), o preço das mercadorias entre os países deve sofrer flutuações e não ser equalizado; distanciando o resultado de um ótimo em termos de bem-estar.

Devido a isso, o meu propósito nesse artigo é verificar essa volatilidade das commodities e tirar algumas lições para um país em desenvolvimento como o Brasil.

Mensurando a Volatilidade das Commodities

Para realizar a mensuração da volatilidade das commodities irei usar o método clássico do desvio-padrão. Esse é o método utilizado por Jacks, O’Rourke e Williamson (2011) para mensurar a volatilidade dos termos de troca na economia internacional desde 1700 até 2009.

A razão para utilizarmos o desvio padrão como métrica de volatilidade é que ele trata-se de uma medida das flutuações dos termos e não da extensão da série estatística; não partindo assim dos elementos da série (como no caso de métricas como a média) e sim dos desvios dos elementos em relação à posição de equilíbrio representada pela média da série. Quanto maiores as flutuações dos termos em relação à média, mais elevado será o desvio padrão e, por consequência, a volatilidade.

Já os dados foram tirados da base de dados do IMF Primary Commodities Prices Report do Fundo Monetário Internacional (FMI). Os dados são índices de preços que quantificam o preço internacional de diferentes grupos de commodities. Uma vez que os valores estão expressos em números-índices, a questão da variação de valores das moedas internacionais é anulada. A volatilidade será tomada pegando as flutuações ano-a-ano e histórica desses dados.

O período considerado para análise foi o de 2003 a 2023. A seleção desse período se deve ao fato de nele termos dados para todas as categorias de commodities completos, enquanto que em períodos anteriores tais dados não são fornecidos pelo FMI.

Evidências da Volatilidade das Commodities no período 2003 – 2023

Quando analisamos as evidências da volatilidade ano-a-ano a primeira coisa a ser notada é que ela não se mantém constante, mas varia em escala ao longo da série de tempo. Abaixo temos o gráfico da volatilidade do preço de todas as commodities dada pelo FMI

Algo notável nesse gráfico é o pico de volatilidade no período de 2008-2009 e a partir de 2020. Esse aumento da flutuação dos preços de todas as commodities é devido sobretudo ao aumento da instabilidade do comércio internacional criada pela Crise de 2008, pela Pandemia de Covid-19 e a Guerra da Ucrânia de 2022.

Jacks, O’Rourke e Williamson (2011) já observavam que a volatilidade do preço das commodities parece responder positivamente a estabilidade macroeconômica internacional e a estabilidade das taxas de câmbio. As evidências históricas reunidas pelos autores apoiam fortemente a tese de que uma maior estabilidade e um maior livre-comércio no mundo tende a reduzir a volatilidade dos preços das commodities; o que confirma as previsões do Modelo de Heckscher-Ohlin.

Eventos de desestabilização global como essas crises tendem a gerar as condições para que as economias nacionais se fechem mais e que ocorra um aumento da volatilidade do preço das commodities. Dessa forma, um cenário de estabilidade na economia internacional e livre-comércio é desejável por parte de países exportadores de commodities como o Brasil.

Entretanto, como ocorre a volatilidade nas diferentes categorias de commodities? Será que todas elas são afetadas igualmente? A resposta é não. As diferentes categorias de commodities são afetadas de maneira assimetria e possuem escalas de volatilidade diversas.

Contrariamente ao que muitas pessoas podiam pensar, são as commodities agrícolas que apresentam menor volatilidade dentre as quatro grandes categorias. Combustíveis, a categoria dentro da qual se inclui o petróleo, é a que apresenta a maior volatilidade dentre as categorias. Metais apresenta a melhor constância em suas flutuações; não apresentando as variações bruscas de outras commodities. Isso é um indicativo da baixa elasticidade dos componentes dessa categoria de commodities no comércio internacional.

Todavia, metais ainda apresentam uma volatilidade maior em escala do que as commodities agrícolas. Quando olhamos para a volatilidade histórica, fica realmente claro que as commodities agrícolas apresentam a menor flutuação de preço e combustíveis a maior.

Isso serve de lição para o Brasil. Nosso país não sofre tanto dos males causados pela volatilidade de commodities, pois sua pauta exportadora é baseada justamente em commodities agrícolas (que possuem baixa volatilidade) e em commodities metais (que apresentam melhor constância). Contrariamente a pauta de política pública de muitos governo brasileiros, inclusive o atual, não é desejável que o Brasil vire um grande exportador de combustíveis, pois isso significaria incorporar em nossa pauta exportadora commodities com alta volatilidade.

Um aumento de nossa dependência da exportação de combustíveis não seria desejável. Observe que a volatilidade desse tipo de commodity é tão grande que o gráfico dela basicamente “molda” o gráfico da volatilidade do agregado de todas as commodities do primeiro gráfico. E essa grande volatilidade dos combustíveis bate com as evidências internacionais relacionadas com problemas de desenvolvimento. Segundo a UNCTAD (2021), os problemas de dependência de commodities são em geral mais graves em países exportadores de minerais, sobretudo combustíveis.

Assim, esses países são muito mais sensíveis a variações do preço internacional dessas commodities energéticas; variação essa que costuma ser brusca como evidenciado.

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