50 anos depois, a democracia ainda não está segura

Ontem, passou-se meio século desde o dia em que os militares e seus muitos apoiadores civis rasgaram a constituição e depuseram o então presidente João Goulart para mergulhar o país nos 21 anos mais sombrios e polêmicos de toda sua história. Depois de muita luta para conquistar a democracia, nota-se que ela ainda não está consolidada. FHC por exemplo, em uma entrevista sobre o período, diz que ainda temos muito a aprender sobre democracia para que ela possa se consolidar.

Não é uma afirmação surpreendente, mesmo para um país com quase trinta anos de uma democracia aparentemente estável. Lembre-se de que o Brasil esteve sob um regime democrático por apenas metade dos seus 125 anos de República. Pois os primeiros 41 foram marcados por um regime oligárquico fajuto sustentado pelo voto de cabresto e nos 15 anos seguintes o país foi governado por Getúlio Vargas em uma ditadura populista. O período seguinte, conhecido como República Populista, pode ser considerado a primeira experiência democrática no Brasil, apesar de falha.

Gostaria de aproveitar a efeméride de ontem para tentar entender o momento atual fazendo uma simples despretensiosa comparação com a outra experiência democrática que tivemos.

As bases dos acontecimentos de 64 foram lançadas com o fim do estado novo em 1945. O mundo acabara de sofrer uma grande mudança e no Brasil não foi diferente, o Nazi/fascismo foi oficialmente derrotado e Getúlio fora deposto. De repente, o povo perdeu a figura paterna que havia se mantido no poder por 15 anos. Não demorou muito, apenas cinco anos de um mandato um tanto quanto insosso de Eurico Dutra, para Getúlio retornar eleito pelo povo. Porém, o mundo já não era mais o mesmo, a Guerra Fria havia começado e o mundo polarizado entre EUA/URSS. Vargas, não muito atento às mudanças, logo viraria apenas história.

Juscelino Kubitschek foi eleito em 1955, ao prometer construir 50 anos em 5, algo como um plano para acelerar o crescimento, uma resposta sonhadora e desenvolvimentista à perda de um grande pai. JK elegeu-se com apenas 35% dos votos, portanto sua legitimidade era contestada apesar de constitucionalmente legal. Para piorar sua situação, quem havia sido eleito vice-presidente era o controverso João Goulart, candidato do PTB, gaúcho, rico fazendeiro e populista como Getúlio. Não fosse a intervenção do General Lott esta canhestra dupla não assumiria o governo.

Após o fim de seu mandato, JK não estava autorizado a se recandidatar então Jânio Quadros foi eleito presidente. Jânio era o representante da ala conservadora do país e seu governo foi o mais esquizofrênico entre todos os governantes brasileiros. Era intrinsicamente divergente, proibiu o uso de biquínis, condecorou Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul e foi obrigado a ter um vice como João Goulart. “Forças Ocultas” forçaram a renúncia de Jânio e Jango, após mais uma quartelada e um rápido período parlamentarista, assume a presidência.

João Goulart, em seguida, anunciou que havia decretado a reforma agrária e começaria suas “reformas de base”. Como o presidente eleito na época era um conservador, e de repente quem estava no poder era alguém bem à esquerda de Jânio, rapidamente foram organizadas as “Marchas da Família com Deus pela Liberdade”, com apoio da Igreja e de setores liberais como reação aos planos de Jango. Após algumas outras provocações por parte do presidente, tropas do exército marcharam de Minas Gerais até a cidade do Rio de Janeiro e forçaram a renúncia de Goulart.

Nota-se que a maior característica do período foi a baixa representatividade do governo perante a população conjuntamente com altíssima divergência entre os próprios membros do governo.

Em 1985, o Brasil voltou a respirar democracia…

Para evitar a possibilidade de eleger um governo com baixa representatividade, como no período democrático anterior, os constituintes em 1988 formularam um sistema em que uma ampla coalizão deve ser montada para garantir o apoio do congresso ao governo. E,  em contraste com o período da ditadura quando somente dois partidos estavam autorizados a existir, o novo sistema não colocaria grandes impedimentos para a criação de novas legendas. Esta estratégia, na realidade,  mostrou-se um tiro no pé.

Hoje, temos 39 ministérios e muitos cargos no executivo que passaram a ser moeda de troca por apoio no congresso. Deputados não se elegem para representar o povo, mas sim a com a intenção de apoiar aquele que está no poder, que por sua vez se perpetua no poder ao aglutinar partidos em sua coalizão. Tem-se um ciclo vicioso em que o congresso, que deveria ser a casa do povo, perde representatividade a cada instante. Assim, o governo ganha em morosidade e perde a capacidade de gestão, fato que fica cada vez mais latente com o fim da bonança das commodities e dos tardios efeitos da crise econômica no Brasil. Não me refiro especificamente ao governo atual, mas se o sucessor de Dilma tiver que se usar dos mesmos artifícios políticos, o fracasso será certo.

Hoje, assim como em 1964, observa-se uma crise de representatividade e o povo retomou as ruas em protestos contra o governo. Não me refiro à patética reedição da “Marcha da Família” ocorrida há alguns dias, mas sim às várias manifestações que vêm ocorrendo desde o ano passado. O contexto é diferente, não há como termos um desfecho semelhante, mas se o governo parar de representar a sociedade, o destino da nação estará nas mãos do azar.

Por isso, uma reforma política é tão importante e necessária para o bom funcionamento do sistema. Há diversas propostas sobre como deve ser o sistema, porem isto é assunto para outro dia.

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