A racionalidade das escolhas (parte 3)

1

Este é o último texto da cobertura do evento “A racionalidade das escolhas” realizado no Insper. Nos dois primeiros textos, foram abordados temas como a produtividade (aqui) e a qualidade dos gastos do governo, principalmente na área da educação (aqui). Para finalizar o evento, o último bloco teve a presença de Marcos Lisboa, que é Ph.D. em economia pela Universidade da Pensilvânia, é o atual diretor presidente do Insper e já foi secretário de Política Econômica do Ministério da Fazenda de 2003 a 2005; de Bernardo Guimarães, doutorado em economia pela Yale University e professor da EESP; e novamente do prof. da USP, Mauro Rodrigues como mediador.

-A Riqueza da Nação no Século XXI

Como o evento também era uma divulgação do novo livro do Bernardo, “A Riqueza da Nação no Século XXI”, a primeira pergunta foi sobre a motivação de se escrever esse livro. Bernardo responde que houve uma motivação geral que era responder porque, no Brasil, é tão difícil termos políticas públicas boas. Será que é por que há resistência e interesses corporativos? Ou por que aqui a população não sabe muito bem sobre economia e não demanda políticas boas? Bernardo acredita que o fator limitante é o segundo. Ele diz que o corporativismo também é presente em outros países, como a Dinamarca e Inglaterra, e que não há evidências de que aqui o corporativismo seja mais forte que nesses países. No entanto, no Brasil, é evidente, principalmente depois dessas últimas eleições, a falta de conhecimento de leis básicas da economia pela população em geral. Portanto, apesar de ser difícil mudar do dia para a noite, é isso que podemos melhorar e assim o livro aborda alguns assuntos econômicos para ajudar nesse processo.

Houve também um motivo específico, mas como é um “spoiler” do livro, farei um pouco de propaganda e deixarei para que os leitores comprem o livro e leiam lá.

Em seguida, Lisboa é perguntado, por ter trabalhado no governo, como é propor alguma mudança de política sob a perspectiva econômica, sendo que grupos de interesses são presentes e a população não sabe muito bem como funciona a economia.

Lisboa estrutura sua resposta em três etapas: grupos de interesse, debate sobre economia e implementação de reformas.

– Grupos de interesse

Grupos de interesses existem no mundo inteiro, mas por que o Brasil é tão suscetível a eles aparentemente?

Lisboa explica que tem muito a ver com o desenho das instituições. A descentralização do poder executivo e a enorme capacidade do governo de conceder benefícios acabam criando um equilíbrio perverso. “Achamos que é razoável a concessão de privilégios como não pagar ônibus, não pagar universidade, meia entrada pra direita, pra esquerda, crédito subsidiado, isenções tributárias etc”. No entanto, citando Mancur Olson [1], cada indivíduo tem noção de quanto é seu benefício, mas não o seu custo, que é difuso pela sociedade. No caso brasileiro, esse custo seria uma recessão de 3%, uma economia que não cresce, uma produtividade que não avança. Tudo porque o governo atende ao que pedimos, de forma descentralizada, protegendo os diversos setores.

A solução, ele afirma, passa pela mudança das regras do jogo, por transparência, pela observação dos dados, por um certo consenso na mudança da capacidade de intervenção do Estado e  por um principio básico: todo mundo que é igual tem que ser tratado igual.

– Debate sobre economia

No Brasil, a discussão sobre economia é muito difícil, uma vez que a tradição de dialogar com a academia internacional é muito recente, com raríssimas exceções. Nesse ponto, a produção acadêmica brasileira ainda está muito distante da internacional. Ela tem muito mais o espírito da abordagem “escolástica medieval” (expressão usada por Lisboa), que é criar uma tese para explicar algo, contando uma história. Explica-se o Brasil contando uma historinha. Uma história sem dados, sem evidência empírica, sem teste controlado, sem tudo aquilo que há nas ciências duras (hard science). Cita-se Caio Prado e Celso Furtado como exemplos dessa linha de pensamento.

No entanto, a grande revolução da economia no século passado foi o diálogo com os dados. Testa-se se as conjunturas da economia são verdades. É assim que a Medicina funciona, a Física funciona e é assim que Economia funciona nas últimas décadas. Quimioterapia combate esse tipo de câncer ou não? Testa-se. E isso está ausente do debate brasileiro. Portanto, parte da dificuldade está ai. Não se olham as evidências, se contam histórias.

– Reformas

Para propor reformas, Lisboa afirma que nesse aspecto há uma boa e uma má notícia.

A boa notícia é que a economia avançou muito de 40 anos para cá. Hoje, há evidências empíricas de políticas públicas, grande base de dados, o que são fatos e o que são não fatos e, dessa forma, sabemos em linhas gerais o que dá (ou não) certo para o desenvolvimento. Temos conhecimento dos princípios gerais do porquê de a Coréia ter crescido, o Brasil ter ficado para trás e alguns países, como a Argentina, terem retrocedido.

Por outro lado, a má notícia está nos detalhes. Apesar de nos princípios gerais haver um certo acordo, no sentido que já se sabe como as coisas devem ser feitas, a maneira como de fato se implementa uma medida, segundo o professor, é muito complicada e faz toda a diferença. Isso porque cada lugar tem seus detalhes institucionais, o sistema jurídico e político são diferentes em cada país, o que abre espaço para, o que economistas costumam dizer, as “consequências inesperadas”: espera-se um resultado e dá outro.

A solução, portanto, está na construção de experimentos controlados. Realizar uma agenda de pequenas reformas, com calma. As consequências podem ser inesperadas e precisamos de uma certa modéstia, uma certa humildade de saber que por melhor que sejam as intenções o resultado pode ser diferente do pretendido.

Nesse ponto, Lisboa conta um pouco de sua experiência no governo, quando se aprovou o crédito consignado[2]. A ideia da medida era testar o motivo da taxa de juros ser tão elevada. Será que é um problema de concorrência do setor bancário? Ou é a inadimplência, a ausência de boas garantias que explicam a alta taxa de juros? Testou-se

Na época, alguns acreditavam que a taxa de juros iria continuar a mesma, e como a inadimplência cairia, a medida iria só se tornar mais lucro para os bancos. O resultado foi que para esse tipo de crédito a taxa de juros caiu de um nível de 7% para um de 2% e até hoje está nesse patamar.

Por isso a importância do experimento controlado na realização de políticas públicas. A inovação como o crédito consignado era pequena. Fez-se o experimento, avaliou-se se a medida iria ser suportada pela tradição jurídica do Brasil e, no fim, deu certo. Mas outras podem dar errado. Lisboa cita a Lei do Bem para inovação, que dava isenção tributária para quem investisse em P&D e a avaliação é que deu errado. Faz parte do jogo.

Para finalizar, Lisboa responde como enfrentar os grupos de interesse: através do debate transparente, por a agenda às claras – “a luz do sol é o melhor dos desinfetantes”. É necessário debate amplo e aberto, reconhecendo que há interesses não legítimos. Sem saída mágica, mas com soluções que melhorem o ambiente de negócios. Algumas intervenções setoriais são legítimas, mas desde que gerem ganhos de produtividade, e portanto, benefícios para os participantes do mercado, como foi o caso do crédito consignado.

– A Agenda Perdida

Por último, a pergunta do Mauro para os participantes foi sobre a perspectiva para o futuro. Qual o caminho a ser seguido?

Bernardo e Lisboa concordam que o caminho deveria passar pelo resgate da Agenda Perdida [3], documento escrito, em 2002, por economistas liberais com diagnósticos e propostas para a retomada do crescimento com maior justiça social.

Bernardo comenta que há 10 anos não imaginava que estaríamos discutindo sobre política fiscal como na década de 90. Parecia que tínhamos entendido qual era o caminho certo. No entanto, voltamos a discutir propostas intervencionistas: baixar a taxa de juros na mão ou controlar o câmbio para ajudar na inflação por exemplo.

Lisboa acredita que nesse ponto, o Brasil tem certo viés autoritário e intervencionista de fazer política econômica. O problema disso é que se o diagnóstico está errado, as intervenções serão equivocadas. Além disso, várias das intervenções do governo foram desnecessárias, pois existem muitas evidências que mostram o que deu certo e o que deu errado.

Fazer ajuste fiscal em recessão é um equivoco? Se gastar menos, a atividade cresce menos, com isso a arrecadação tributária cai ainda mais e se tem um déficit primário maior. Por outro lado, se o governo gastar mais, a economia cresce, aumenta a arrecadação e com isso se faz um ajuste fiscal virtuoso.

Isso é uma tese empírica. Tese empírica se testa antes de propor. Não se sai falando que um remédio cura gastrite sem antes testar. Não se faz isso na Medicina, não se faz isso na Economia. Somos muito coniventes com esse tipo de debate.

No entanto, o que aconteceu com as contas do governo nos últimos anos? Gastou-se mais todo ano. Gastou-se mais em 2011, 2012, 2013 e 2014 até que as contas ficaram no vermelho. Por outro lado o que aconteceu com o crescimento? Só caiu durante esse período.

Estamos sendo coniventes com uma proposta que foi implementada sem nenhuma prova empírica e que foi testada por quatro anos e deu errado.

Lisboa comenta, para finalizar, que, novamente, não existe saída fácil, alguma solução superficial como baixar a taxa de juros ou mexer na taxa de câmbio. Por isso a importância da Agenda Perdida. Ela indicava o norte das políticas públicas. Alguns princípios básicos de muitas coisas boas que podem ser feitas, principalmente na melhoria do ambiente de negócios.

china

[1] Economista americano que escreveu o livro “A Lógica da Ação Coletiva”

[2] O crédito consignado é uma forma de crédito, no qual há um debito direto na folha de pagamento de quem pegou o empréstimo. A empresa de quem pega o crédito faz um acordo com o banco para que o pagamento seja deduzido diretamente da folha de pagamento. Dessa forma, quase não existe inadimplência, se elimina o problema de seleção adversa, pois só quem sabe que consegue pagar pega o crédito e o problema de risco moral, pois quem consegue pagar terá de pagar, mesmo se não quiser.

[3] http://www.columbia.edu/~js3317/JASfiles/AgendaPerdida.pdf

Victor Wong

Mestrando pela Escola de Economia de São Paulo da FGV. Já trabalhou no mercado financeiro na área de Pesquisa Econômica. Interessa-se pelas questões fiscais e monetárias, além do fator político de cada uma das decisões tomadas no âmbito nacional e internacional. Em outras palavras, a "macro" é com ele! Porém, bons argumentos nem sempre são suficientes para ganhar discussões. Dessa forma, utiliza-se de suas (poucas) habilidades de barman para embriagar as contrapartes: nada como saber o ponto fraco de seus adversários. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2015.

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Yogh - Especialistas em WordPress