A racionalidade das escolhas: políticas econômicas para crescer e qualidade dos gastos públicos (parte 1)

“Productivity isn’t everything, but in the long run it is almost everything” (Paul Krugman)

Na semana passada, o Insper realizou um evento [1] que contou com grandes nomes da academia para discutir assuntos econômicos que estão quentes hoje em dia: políticas econômicas para o crescimento (que passam principalmente pelo aumento da produtividade) e qualidade dos gastos públicos (em períodos de ajuste fiscal).

– políticas econômicas para crescer:

José Alexandre Scheinkman, professor da Universidade de Columbia e um dos mais respeitados economistas brasileiros [2], foi o encarregado de iniciar a apresentação.  Argumentou que após superar o primeiro problema (ajuste fiscal), o Brasil precisa aumentar sua produtividade.

Uma das formas de medir produtividade é dividindo o PIB pelo número de trabalhadores empregados. Scheinkman mostrou que o Brasil ficou estagnado em termos de produtividade desde os anos 80. Se usarmos os EUA como a fronteira da tecnologia, e medirmos a produtividade dos países em relação a produtividade dos EUA,  os países mais pobres deveriam ter sua produtividade crescendo mais rápido do que a dos EUA (justamente porque por ser a fronteira é mais difícil crescer). No entanto, essa medida para o Brasil caiu, evidenciando que há algum problema no nosso país.

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Então, já que a produtividade é baixa, como aumentá-la? Poderíamos aumentar o capital humano através da educação, ou também aumentar o capital físico com investimentos. Mas Scheinkman fala de uma terceira opção, o aumento da produtividade total dos fatores (PTF). Isso é aquilo que não é explicado nem pelo aumento de capital humano, nem capital físico: trata-se de uma melhoria na combinação desses fatores. O que ele quis dizer com isso é que se o Brasil tivesse o mesmo nível de educação e de investimento que os EUA, teríamos uma produtividade pior. Ou seja, a raiz do problema está nessa tal de PTF.

Ele também quis enfatizar que é claro que o Brasil tem uma força de trabalho pouco educada e um estoque de capital inadequado, mas pior que isso: é que usamos esses fatores de uma forma muito ineficiente e estamos nos tornando ainda mais ineficientes comparados com a fronteira (EUA).

Sua observação sobre o problema também inclui dados da PTF por setor. Ele mostra que a PTF por setor diverge muito no Brasil. Nos últimos anos, a produtividade da indústria piorou bastante, enquanto que no setor agrícola, ela avançou muito, inclusive quando comparada aos EUA.

Em seguida, Scheinkman cita algumas razões para a produtividade baixa, como o baixo investimento em infraestrutura, um sistema de impostos complicado e não isonômico, ambiente regulatório difícil e pouco claro. Apesar de serem importantes, o professor quis focar sua palestra em três políticas para solucionar outros fatores que causam a baixa produtividade no Brasil: (i) integração do Brasil com o resto do mundo, (ii) políticas que aumentem competição entre as empresas e (iii) investimento do governo em P&D e políticas adequadas de incentivo à inovação.

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O gráfico acima, extraído da apresentação, mostra quão fechado o Brasil está ao mundo. Explicou-se então que a integração do Brasil com o mundo aumentaria a produtividade no país, porque nos especializaríamos em produzir aquilo que somos melhores (vantagem comparativa). A mais, ele cita os benefícios dessa política para a sociedade. Para os produtores, haverá insumos mais baratos e em maior variedade, ganhos de escala (vale a pena a empresa produzir em um único país e exportar para o mundo todo, ao invés de produzir um pouco em cada país) e um aumento do que os economistas chamam de know-how, uma espécie de aprendizado com as tecnologias mais avançadas embutidas em equipamentos importados. Para os consumidores, os produtos terão preços mais baixos e em maior variedade.

Posteriormente, o professor explica um conceito de economia chamado proteção efetiva, que diz que a proteção a um setor desprotege os setores que utilizam insumos produzidos pelo setor protegido. Esse conceito é importante, uma vez que a falta de integração com o mundo, devido a proteção do mercado interno, tem resultados negativos para a nossa sociedade.

Menciona-se também o problema da falta de competição entre as firmas nacionais e as firmas no exterior. Nesse ponto, ele até cita que há argumentos econômicos no sentido que as firmas nacionais não conseguem competir com firmas maduras no exterior. No entanto, esse argumento passou do limite aqui no Brasil: a indústria automobilística já não pode ser mais considerada uma indústria nascente, mas continua a receber subsídios do governo. Outro ponto que ele fala é que não há externalidades positivas que justifiquem que é melhor proteger as empresas nacionais dessa competição.

Nesse aspecto, ligando os dois argumentos até então, percebemos que Scheinkman nos conduz a concluir de um forma muito clara que produzimos aquilo que não somos eficientes e só conseguimos continuar produzindo, porque subsidiamos esses setores, mostrando o quão errado estamos conduzindo nossa economia.

Logo após, Scheinkman discorre sobre os acordos de livre comércio. Publicações recentes mostram que os países pobres ganham mais comercializando com economias desenvolvidas do que com economias menos desenvolvidas. O Brasil nesse quesito só tem acordos com a OMC (que está paralisada), Mercosul, Israel, Palestina e Egito.

Então as mudanças que deveríamos fazer são: aumentar o numero de acordos de livre comércio (o TPP seria um exemplo), aumentar a competição (nesse quesito Scheinkman cita novamente dados microeconômicos no EUA de que a competição faz com que haja uma alocação mais eficiente para as empresas mais produtivas) abandonando a política de campeãs nacionais, diminuindo o papel do BNDES e melhorando o ambiente de negócios (simplificando os impostos para todos ao invés do SIMPLES), além de incentivar a inovação e aumentar a capacidade de imitar.

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Scheinkman despende seus últimos preciosos minutos falando desse último item. Como investimentos em P&D geram externalidades positivas, isso justificaria subsídios. A externalidade ocorre porque, mesmo que se tenham várias patentes, o mercado acaba conseguindo copiar depois de um determinado tempo e isso gera ganhos para a sociedade. Além disso, ele acaba citando vários exemplos de políticas de incentivos a P&D no Brasil que deram errado, por não terem sido estruturadas corretamente (algumas eram muito complicadas, outras requeriam conteúdo nacional), apesar de também citar uma que deu muito certo: a EMBRAPA na agricultura.

Ele então enumera medidas que parecem ser eficazes para aumentar o investimento em P&D: concentrar recursos nos melhores centros, facilitar importação de insumos e pesquisadores estrangeiros, usar avaliações dos atuais incentivos fiscais para mudá-los e incentivar um arcabouço para que as universidades criem tecnologias e transfiram ao setor privado (como são os casos do MIT, UC  e Caltech).

Para concluir, o professor menciona que os problemas para a produtividade não devem ser vistos separadamente, pois há complementaridade entre eles. Uma maior integração do Brasil ao mundo facilitaria o investimento em P&D, assim como a competição. Ou uma melhor educação da força de trabalho também levaria a mais gastos em P&D.

obs1: é possível retomar a agenda de crescimento para o país sem apelar para medidas que têm efeitos no médio, longo prazo como a educação. Uma boa vontade do governo para tornar a integração do Brasil ao mundo maior  já seria um passo importante.

obs2: qualidade dos gastos públicos (educação) é o tema da segunda parte do evento, que resumirei no próximo texto.

obs3: o evento também promoveu o lançamento do site “Por que?”[ http://porque.com.br/], cuja iniciativa é muito legal e com muita gente qualificada, além do lançamento do livro “A Riqueza da Nação do Sec XXI”, do Bernardo Guimarães, que também é sensacional.

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      Notas: [1] http://livestream.com/insper/A-racionalidade-das-escolhas [2] http://www.princeton.edu/~joses/

Victor Wong

Mestrando pela Escola de Economia de São Paulo da FGV. Já trabalhou no mercado financeiro na área de Pesquisa Econômica. Interessa-se pelas questões fiscais e monetárias, além do fator político de cada uma das decisões tomadas no âmbito nacional e internacional. Em outras palavras, a "macro" é com ele! Porém, bons argumentos nem sempre são suficientes para ganhar discussões. Dessa forma, utiliza-se de suas (poucas) habilidades de barman para embriagar as contrapartes: nada como saber o ponto fraco de seus adversários. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2015.

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