De 2014 para cá, o Supremo Tribunal Federal foi chamado a decidir sobre diversas questões envolvendo políticos, de diferentes partidos. Uma enxurrada de processos envolvendo autoridades com foro privilegiado começou a tramitar no Tribunal, na esteira da Operação Lava-Jato. O período foi marcado por decisões diferentes sobre casos semelhantes e lentidão nos julgamentos, ao contrário do que ocorreu na primeira instância, o que contribuiu para aumentar a insegurança jurídica do país e fortalecer narrativas de grupos políticos.
Boa parte dessas decisões foi tomada de forma monocrática, ou seja, um ministro decidiu sozinho sobre determinado assunto. Outras decisões foram tomadas pelas turmas, que constituem um colegiado, composto por cinco ministros. As turmas podem decidir sobre questões penais, como Habeas Corpus e pedidos de prisão, mas não sobre questões constitucionais, que são exclusividade do plenário. Por fim, algumas decisões foram decididas em plenário.
A primeira grande decisão ocorreu em novembro de 2015, quando o então relator da Lava Jato, Teori Zavascki, determinou a prisão do senador Delcídio Amaral (PT-MS), então líder do governo Dilma. Delcídio foi gravado, oferecendo um plano de fuga para Nestor Cerveró, ex-diretor da Petrobrás, a fim de evitar sua delação premiada. O ministro aceitou a argumentação do Procurador Geral da República, à época Rodrigo Janot, de que havia um flagrante de obstrução de justiça. A decisão foi referendada pela Segunda Turma, por unanimidade. Votaram a favor da prisão, além de Teori: Cármen Lúcia, Gilmar Mendes, Celso de Mello e Dias Toffoli. O tema não passou pelo plenário.
Quase um ano e meio depois, foi a vez de outro Senador ser gravado e ter sua prisão pedida por Janot: Aécio Neves (PSDB-MG). Aécio foi gravado pedindo dinheiro (dois milhões de reais) ao empresário Joesley Batista. Também foi gravado articulando a votação do projeto de lei do abuso de autoridade, em resposta ao avanço das investigações em curso, não com um senador, mas com o ministro do STF, Gilmar Mendes. Desta vez, o relator da Lava-Jato já era Edson Fachin, que negou o pedido, porém afastou o senador do mandato. Logo depois, a relatoria do processo do Senador foi redistribuída para o Ministro Marco Aurélio Mello, que devolveu o mandato a Aécio. Porém, pouco depois, Janot recorreu e o caso foi reanalisado pela Primeira Turma. Os ministros também negaram a prisão do Senador, mas o afastaram do mandato e lhe impuseram um recolhimento noturno. Votaram a favor: Luís Roberto Barroso, Rosa Weber e Luiz Fux. Contrários, Marco Aurélio Mello e Alexandre de Moraes.
Pouco depois, ao contrário do que aconteceu com Delcídio, o Senado ameaçou rebelar-se contra a decisão da Primeira Turma. A Presidente do STF, Carmen Lúcia, resolveu pautar o assunto em plenário. Resultado: a Corte decidiu que tanto o afastamento, quanto o recolhimento noturno deveriam ser referendados pelo plenário do Senado, em uma interpretação heterodoxa da Constituição, que afirma ser cabível tal situação apenas em caso de prisão, como foi com Delcídio em que o Plenário manteve sua prisão. Votaram a favor do entendimento: Marco Aurélio Mello, Gilmar Mendes, Lewandovski, Dias Toffoli, Alexandre de Moraes e Cármen Lúcia. Contrários: Edson Fachin, Celso de Mello, Rosa Weber, Luiz Fux e Luís Barroso.
Os casos de Aécio e Delcídio eram semelhantes, mas tiveram desfechos diferentes. O PT afirma que a prisão do então líder do governo foi determinante para conturbar ainda mais a situação do governo Dilma, e a não-prisão de Aécio foi importante para que Michel Temer, empossado após o impeachment, pudesse seguir no cargo. É necessário observar que os crimes imputados a Delcídio e Aécio eram diferentes: um estava obstruindo a justiça, enquanto o outro estava com operação de corrupção passiva em curso. Além disso, os relatores dos casos foram diferentes. A composição das turmas que analisou os casos eram diferentes. Porém, o desequilíbrio pró-Aécio se deu na análise em plenário e a mudança decisiva de posição de três ministros, que haviam sido rigorosos com Delcídio: Gilmar Mendes, Dias Toffoli e Cármen Lúcia.
Em dezembro de 2015, Janot pediu o afastamento de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) da Presidência da Câmara dos Deputados. O pedido foi relatado por Teori Zavascki. O ministro decidiu monocraticamente sobre o pedido em… maio de 2016, uma semana antes da Presidente Dilma Rousseff ser afastada do cargo. A justificativa era que um réu não poderia, eventualmente, ocupar a Presidência da República. Com Dilma fora do governo, Cunha seria o segundo na linha sucessória. Além disso, o deputado foi afastado do mandato, pois estava obstruindo seu processo de cassação e as investigações da Lava-Jato. A decisão foi ratificada em plenário, pela unanimidade dos ministros. Quatro meses depois, Cunha foi cassado, seu processo chegou à primeira instância sendo efetuado o pedido de sua prisão pelo juiz Sérgio Moro.
Porém, novamente, o PT reclamou da demora no afastamento de Cunha, peça-chave no processo de impeachment de Dilma. Foram quase 5 meses entre o pedido de Janot e a decisão do STF, tempo em que Cunha pode conduzir o processo na Câmara. Na época do pedido, Cunha já era réu e já estava na linha sucessória. Além disso, já havia suspeitas de que ele usava seu poder para obstruir as investigações. Por outro lado, a rápida prisão de um dos grandes adversários do PT por Moro enfraqueceu a tese de que o juiz perseguia o partido.
Seis meses após afastar Cunha, novamente o STF foi acionado para afastar Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado. Renan havia acabado de se tornar réu. O ministro Marco Aurélio Mello deferiu liminar determinando o afastamento de Renan. Inacreditavelmente, porém, o alagoano não assinou o conhecimento da liminar e manteve-se no cargo. Frise-se, o vice-presidente do Senado era Jorge Viana (PT-AC) que apoiou a permanência de Renan no cargo. Dali a poucos dias, a casa votaria a PEC do Teto de Gastos Públicos, e o senador era visto como fundamental para aprovação da medida. Cármen Lúcia entrou em campo e buscou uma solução, com Executivo e Legislativo. O impasse foi levado ao plenário do STF. Lá, venceu uma interpretação extremamente elástica da Constituição: Renan seria mantido na Presidência do Senado, porém não poderia assumir a Presidência da República. Votaram a favor desse entendimento: Celso de Mello, Teori Zavascki, Dias Toffoli, Luiz Fux, Ricardo Lewandowski e Cármen Lúcia. Votaram contra: Marco Aurélio Mello, Rosa Weber e Edson Fachin. Gilmar Mendes não participou do julgamento, mas orientou Renan e articulou sua permanência na Presidência do Senado. Barroso também não participou do julgamento.
O STF mudava seu entendimento, em pouquíssimo tempo, sobre um mesmo assunto. Crucial novamente para esse movimento, a mudança de posição da ministra Cármen Lúcia, além de outros cinco ministros que haviam votado contra Cunha, destacando o papel nos bastidores de Gilmar Mendes, atuando como articulador político. Novamente, o pano de fundo dessa mudança de entendimento foi a intenção de evitar uma possível crise institucional, dada a reação do Senado.
Outro importante caso, foram as nomeações de Lula e Moreira Franco, como ministros. No caso de Lula, uma liminar foi pedida ao STF, para evitar sua posse em março de 2016, argumentando que se tratava de uma manobra para obstruir a Justiça, já que havia uma gravação entre ele e a então presidente Dilma Rousseff, sugerindo o uso do termo de posse em uma eventual prisão preventiva. Cabe lembrar, na época, havia um pedido de prisão preventiva, do Ministério Público de São Paulo, contra o ex-presidente. A liminar foi julgada por Gilmar Mendes, então algoz do PT, que impediu a posse de Lula. No caso de Moreira Franco, no final de 2016, também houve um pedido de liminar para evitar sua posse como ministro, devido a especulações de que o ex-governador do Rio de Janeiro seria citado em delação premiada da Odebrecht. Não havia pedido de prisão preventiva contra o então ministro. A liminar caiu com Celso de Mello, que negou o pedido. O PT também usa esse fato como exemplo de dois pesos e duas medidas da Justiça, porém, eram casos muito diferentes, julgados por ministros diferentes. Nenhum foi analisado pelo plenário, que poderia pacificar um entendimento sobre o tema.
O recente cavalo de batalha no STF, foi a possibilidade de prisão após segunda instância. Em 2016, a Corte votou sobre o assunto duas vezes. Na primeira, o entendimento de que havia a possibilidade foi vencedor, por sete votos a quatro. Votaram a favor: Carmen Lúcia, Teori Zavascki, Gilmar Mendes, Luiz Fux, Luís Roberto Barroso, Edson Fachin e Dias Toffoli. Na segunda votação, Dias Toffoli mudou sua posição e votou a favor de prisão após confirmação de condenação pelo STJ. No início de 2017, com a morte de Teori Zavascki, pairou a dúvida se haveria mudança no entendimento da Corte. Contudo, o ministro Alexandre de Moraes em seus primeiros votos, mostrou que seguiria o entendimento de Zavascki. Porém, surpreendentemente, o ministro Gilmar Mendes anunciou que havia mudado sua posição, em junho de 2017, aderindo à tese de Toffoli. Desta forma, caso o tema fosse novamente rediscutido em plenário, o entendimento da Corte mudaria, voltando ao entendimento anterior.
Havia enorme pressão para a Corte rediscutir a prisão em segunda instância, antes da condenação do ex-presidente Lula em segunda instância. Desta vez, Cármen Lúcia cedeu parcialmente às pressões, colocando em votação no plenário, um Habeas Corpus pedido pelo ex-presidente. Após horas de julgamento, pelo placar de 6 a 5, o HC foi negado. Um dos votos contrários ao HC foi o de Rosa Weber, que aplicou a jurisprudência em vigor na Corte atualmente, mas disse que se o tema for rediscutido em abstrato novamente, votará contra a possibilidade de prisão em segunda instância, confirmando que haverá, em breve, uma mudança na jurisprudência. Nesse meio de tempo, porém, a prisão do ex-presidente Lula foi decretada. Petistas apontaram a benevolência de Carmen Lúcia com Aécio e Renan e a hostilidade em relação a Lula como mais um sinal de que a Justiça persegue o ex-presidente.
Após rever estes casos, nota-se algumas fontes de divergência interna de entendimentos do STF. A primeira delas: nem todas as decisões são discutidas em plenário, o que permite a posição de um ministro ou de um colegiado interno sobressair-se sobre os demais, sem que se conheçam suas posições. Em assuntos tão polêmicos e delicados, seria oportuno a Corte debater e chegar em um entendimento no plenário.
Mesmo com algumas discussões pacificadas em plenário, há uma segunda e importante fonte de divergência: a ação política de membros da Corte. A mais destacada é a do ministro Gilmar Mendes, que tem ligações históricas com PSDB e PMDB. Quando a Lava Jato estava açoitando o PT, o ministro liderava a ala mais punitivista do STF. No momento em que a investigação avançou sobre os seus aliados, Gilmar mudou completamente: passou a ser contra prisões preventivas (deu o voto decisivo para libertar o petista José Dirceu, por exemplo), proibiu liminarmente as conduções coercitivas, passou a questionar as delações premiadas e, mais importante, mudou radicalmente de posição quanto à possibilidade de prisão em segunda instância. A virada nas posições do ministro foi tão forte, a ponto de torná-lo querido pelos petistas, visto que suas decisões acabam por beneficiar os integrantes do partido acossados pelas investigações. Além disso, Gilmar, uma referência em Direito Constitucional, sempre se encontra às escondidas com o Presidente Michel Temer, para aconselhá-lo juridicamente.
Por outro lado, os Ministros Dias Toffoli e Lewandovski, são vistos como protetores do PT, visto que Toffoli foi advogado do partido e Advogado-Geral da União no Governo Lula, e a família de Lewandovski mantinha laços de amizade com a família do ex-presidente Lula. Outro destaque vai para a ministra Cármen Lúcia. Desde quando assumiu a Presidência da Corte, a ministra sempre cedeu em eventuais conflitos institucionais, o que acabou favorecendo o governo Temer e seus aliados, ao contrário de seus posicionamentos duros, tanto como apenas ministra, também como Presidente, contra membros do PT.
Consequência da ação política, estão as mudanças repentinas do Tribunal em casos semelhantes, em curto espaço de tempo. Decisões tomadas em plenário são alteradas, alguns meses depois, por conta de uma mudança conveniente na posição de ministros. A falta de convicção da Corte a deixa em posição fraca institucionalmente, com seu papel de guardiã da Constituição colocado em xeque, visto as incongruências e as motivações nada institucionais de seus artigos e incisos.
Não obstante a falta de convicção em suas decisões, o STF demora muito tempo para julgar políticos detentores de foro privilegiado. Poucos tornaram-se réus, e até agora, nenhum julgamento foi marcado. Entre esses políticos, encontram-se as grandes lideranças de PSDB, PMDB e DEM, partidos rivais do PT, que tem suas grandes lideranças sem foro privilegiado. Como os processos nas primeiras instâncias andam muito mais rápido, os petistas apontam mais um indício de perseguição política por parte da Justiça.
Diante de todas as críticas sobre a atuação do STF, cabe destacar que é a estrutura, a suprema causadora dos problemas.O foro privilegiado acabou se tornando uma capa de proteção para políticos envolvidos em corrupção, dada a lentidão do Supremo. Fosse a Corte mais rápida ou o foro privilegiado restrito, haveria maior possibilidade de avaliar a ação da Justiça de forma isonômica.
Portanto, o STF é protagonista na grave crise política atravessada pelo país. A falta de jurisprudências duradouras, a constante mudança de posição de ministros a depender das conveniências momentâneas e interesses políticos, a ausência de pacificação de temas polêmicos em plenário e a lerdeza para julgar políticos acabam por influenciar o equilíbrio de forças na política, além de não garantir segurança jurídica ao país.
Esse protagonismo negativo pode se acentuar, piorando ainda mais a situação institucional do Brasil, dado que o Presidente da República eleito em outubro próximo deverá indicar dois ministros para a Corte, para substituir Celso de Mello e Marco Aurélio Mello, com a possibilidade de indicar um terceiro, caso a ministra Carmen Lúcia venha mesmo a se aposentar ao final de seu mandato como Presidente da Corte, em setembro de 2018. Ou seja, novas mudanças em jurisprudências podem estar a caminho, a depender de interesses dos novos ministros, como de conveniências momentâneas ou de velhos amigos…
Victor Oliveira Mestrando em Instituições, Organizações e Trabalho (DEP-UFSCar)