BC divulga proposta de Open Banking e dá largada para o futuro no mercado financeiro

Durante a sabatina que confirmou a sua indicação para a presidência do Banco Central, Roberto Campos Neto apontou para o telefone celular que estava em suas mãos e afirmou “aqui está o futuro, essa é a maior ferramenta de desintermediação financeira que existe”.

Apenas dois meses depois, o Banco Central divulga a proposta para o funcionamento do Open Banking, o sistema que irá possibilitar integrar as informações finaceiras dos clientes e dos bancos em uma única plataforma. O BC estima que o projeto deve estar funcionando no segundo semestre de 2020.

O projeto parte da premissa que as informações financeiras dos clientes pertencem a eles e nãos aos bancos, de forma que, caso o clientes autorize, ela pode ser compartilhada entres várias instituições financeiras. Isso deve facilitar o acesso a informação dos clientes pelas fintechs que terão assim mais força para concorrer contra os grandes bancos.

O mercado financeiro brasileiro hoje é altamente concentrado: as 5 maiores instituições financeiras concentram cerca de 85% do total de depósitos, então, a concorrência é muito bem vinda.

Uma das principais vantagens que os grandes bancos, que oferecem todo tipo de serviço financeiro aos seus clientes, possuem sobre as fintechs é a informação, e a gente sabe que no mercado financeiro a informação é um ativo importantíssimo.  O gerente do banco sabe dos investimentos dos seus clientes, seus cartões de crédito, os seguros que ele adquiriu e os empréstimos que fez. Como as fintechs, de forma geral, não tem esse tipo de informação, é difícil que elas possam concorrer em igualdade com os grandes bancos. Com o Open Banking isso vai mudar.

Além de ter acesso a essas informações que deixarão de ser restritas, as fintechs poderão ainda, com a ajuda crescente da inteligência artificial, melhorar ainda mais seus modelos de algoritimos de serviços.

Por exemplo, um estudo muito interessante de 2016, publicado ano passado na Columbia Business School (1) fez o seguinte: pediu para que as pessoas que estavam solicitando empréstimo escrevessem uma redação com o tema “por que nós deveríamos lhe emprestar dinheiro?”, depois correlacionou as respostas com os índices de inadimplência dos solicitantes. O estudo demonstrou que as pessoas que usaram o seguintes termos na redação “sem dívidas”, “graduado” “baixa taxas de juros” “pagamento mínimo” tinham indice de inadimplência abaixo da média. Por outro lado, as pessoas que usaram os termos “Deus” “obrigado” “promessa” “hospital” “vou pagar” “restituição de imposto” deram mais calote do que a média. Como são mais ágeis, as fintechs podem mais facilmente incorporar esse tipo de dado aos seus algorítimos para ofecerer produtos finaceiros mais adequados aos seus clientes, ao mesmo tempo em que calibram melhor os seus riscos de crédito.

A redação usada no estudo é apenas um pequeno exemplo da quantidade de informações que as fintechs poderão acessar, caso seus clientes autorizem, mas tem muito mais. O celular hoje tem capacidade de saber quais os locais que você frequenta, com que velocidade dirige seu carro, quantos passos você dá por dia, que tipo de comida você costuma pedir, quanto tempo gasta nas redes sociais, entre outras informações que individulamente podem parecer irrelevantes, mas que combinadas conseguem criar um perfil poderoso de cada cliente, facilitando muito a vida das instituições financeiras.

Pode parecer assustador, mas não seria justo que se você é uma pessoa que dirige dentro da velocidade permitida, almoça em um lugar saudável e faz atividade física regular pague menos no seu seguro saúde do que alguém que tem uma vida menos saudável? Da mesma maneira, se você tem um perfil de bom pagador de dívidas é justo que possa também acessar crédito a um juros mais baixo.

Além disso, quando as informações dos produtos finaceiros estiverem disponíveis todas na mesma plataforma, ou no mesmo aplicativo de celular, vai ser muito mais fácil comparar os custos e os retornos dos serviços oferecidos pelos bancos e pelas fintechs. Com isso, da mesma forma que aconteceu com passagens aéras a partir de plataformas como google flights, será possível comparar de maneira muito mais rápida os produtos e serviços finaceiros dos bancos e fintechs.

Esses sistema também, poderá no futuro facilitar a transferência de pagamentos inclusive internacional. Hoje os serviços como Paypal e Venmo já permitem a transferência de recursos entre usuários. Se seguirmos o exemplo chinês, esse tipo de transação deve explodir nos próximos anos. Entre 2015 e 2016 o pagamento virtual, através de transferência de recursos por celular quadriplicou na China. Lá, até mendigo aceita gorjeta virtual pelo telefone. Nos EUA o crescimento foi de apenas 40% no mesmo período. Não é pouco, mas demonstra o potencial que esse mercado ainda tem para crescer.

Isso sem falar da tecnologia de block chain (que para além das moedas virtuais, como o Bitcoin) que tem um potencial gigantesco na garantia de transações não financeiras, como compra e venda de imóveis, por exemplo. Hoje quase nada é digitalizado e os cartórios concentram essas informações sobre propriedades, o que acaba gerando em um sistema caro, lento e sujeito a inúmeras falhas. O block chain, acaba com esse problema porque ele funciona como uma porta de duas chaves que só se abre quando acionadas simultaneamente. É como se fosse um mapa do tesouro cortado ao meio, aumentando muito a confiabilidade do sistema.

Esses são apenas alguns exemplos de como a convergência de tecnologias como big data, inteligência artificial e block chain, combinadas em um aparelho portátil e cada vez mais presente na mão de todas as pessoas irá revolucionar a forma com que lidamos com dinheiro. A despeito de todos os problemas conjunturais que vivemos, o futuro pode ser promissor.

Renata Kotscho Velloso Médica pela Unicamp, também com graduação em administração pública pela EAESP-FGV, vive e trabalha na Califórnia.

Referências:

  1. https://www8.gsb.columbia.edu/researcharchive/articles/15033
  2. Sistema promete concorrência a grandes bancos e juro menor a partir de 2020 
  3. BC divulga proposta que prevê concorrência a grandes bancos e juros menores. 
  4. The Future of Money: Banking on Fintech 
  5. The FinTech Revolution 

Renata Velloso

Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes.

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