Seguindo o exemplo de meu grande amigo liberal-conservative, Guilherme Cintra, que recentemente fez uma definitiva lista de leitura para aqueles estudiosos do liberalismo, resolvi eu mesmo fazer uma lista minha.
Não espero aqui, entretanto, tentar igualar a seleção do senhor Cintra sobre obras do liberalismo. Nem, em verdade, irei fazer uma lista com um tema homogêneo.
A lista que segue é uma lista daquelas obras que, de alguma forma, moldaram meu pensamento até o presente momento. Para manter opiniões mais subjetivas, como política e filosofia, de fora, eu escolhi por não abordá-las. Não digo por isso que eu concorde inteiramente com todas as obras ou sequer que aceite a visão expressa por seu autor. Eu não concordo com muitos dos autores ou argumentos expressos abaixo, porém considero seu desafio a meu intelecto ou os pontos que apresenta relevantes para minha formação. Afinal, como já dizia Nelson Rodrigues “ não há inimigo insignificante. Todo inimigo é uma potência.”
Além disso, digo de antemão que essa é a lista de um economista problemático de pensamentos altamente subversivos e pouco ortodoxos, porém cujo semblante pessoal é de um conservador vitoriano inflexível. Não espere normalidade no que está abaixo.
I- Economia
— Microeconomia, de Austan Goolsbee, Steven Levitt e Chad Syverson: Para aqueles estudantes que não suportam o formalismo vazio do Varian ou as explicações sem vida do Pyndick( ou são suicidas de usarem o Nicholson), recomendo fortemente esse manual. Seguindo a estrutura dos livros clássicos de teoria dos preços de Chicago, os autores levam o aluno por uma aventura estilo freakonomics pela microeconomia, mostrando os divertidos usos da teoria econômicas nas situações mais estranhas possíveis (meu caso favorito é o que eles usam pescadores indianos para ilustrar os efeitos de mudanças tecnológicas nas funções de produção). Além disso, o livro tem um enorme valor por mostrar as aplicações da teoria microeconômica (a verdadeira teoria econômica!) em campos práticos da administração;
— A Teoria dos Preços, de George Stigler : E já que estamos falando da tradição chicaguista, não poderia deixar de citar meu livro favorito dessa escola. O livro de teoria dos preços de Stigler foi durante muitos anos o livro básico de graduação em microeconomia na Universidade de Chicago( Friedman listava como leitura necessária para que um aluno atendesse em suas aulas) e é ainda um livro muito bom para alunos iniciantes e para desafiar aqueles formalistas ricardianos que acham que sabem de tudo. Minhas partes favoritas são a questão sobre o Paradoxo da Caridade de Mountifort Longfield e sua ironia ao falar que aqueles que acreditam que a lei da utilidade marginal decrescente não é sempre válida acreditavam que a fome no mundo poderia ser solucionada com um vaso de plantas. Meu único problema com esse livro é que ele é o responsável por criar o “Teorema de Stigler”( a ideia, erroneamente atribuída a Coase, de se modelar um mundo sem custos de transação);
— University Economics, de Armen A. Alchian e William R. Allen: o melhor manual de economia já escrito. Definitivamente. Ainda está para ser escrito algo que supere a didática e a lógica de Alchian e Allen. Talvez somente o livro do professor Israel Kirzner, “ Market theory and the Price system”, chegue perto de fazê-lo;
— Man, Economy and the State, de Murray N. Rothbard: Para aqueles meus amigos anti-ancaps só de ver o nome Rothbard seus rostos se retorcem em nojo e desaprovação. Isso não passa de um preconceito ideológico, em minha opinião. Por mais que tenha meus problemas com Rothbard( e não são poucos!), devo reconhecer que seu manual de introdução à economia tem seu valor para ensinar os leigos. A parte sobre moeda é deveras boa para aqueles que gostam de abordagens microeconômicas de temas macro, porém a parte sobre monopólio e capital tem alguns problemas que devem ser atentados pelo leitor crítico;
— Capitalismo e Liberdade, de Milton Friedman: eu tenho meus problemas com o economista favorito de muita gente, sobretudo por não considerá-lo tão bom em comparação com muito de seus colegas, porém devo reconhecer o valor do baixinho. Muitas pessoas preferem ler seu clássico Livres para Escolher, porém julgo que o melhor livro de Friedman é seu ensaio sobre o sistema capitalista. Ali se encontra não o Friedman das palestras e dos programas de televisão, mas o professor Friedman tentando explicar sua visão para o público leigo. A lógica é bem mais elaborada( e, para aqueles que não sabem, o livro foi feito em cima de uma palestra feita na Mont Pelerin Society). E, para aqueles que desejam ver um liberal perdendo as esperanças de que seu sistema algum dia irá ocorrer, sugiro lerem também o Tirania do Status Quo;
— The Fatal Conceit, de F.A Hayek:: sou meio suspeito de falar da obra de Hayek, mas, se tivesse que escolher somente uma de suas obras como a que mais me impactou, eu escolheria sem exitar The Fatal Conceit. Ali você vê a junção do Hayek historiador do pensamento, do filósofo, do economista e do pensador social. É a obra que mostra o que ele realmente era: um pensador social completo. Além disso, ele é um banquete para os economistas que estudam as diferentes processos de evolução institucional ou aqueles que ligam( eu não) para problemas epistêmicos da ação humana;
— The Third Industrial Revolution in Global Business, de Giovanni Dosi, Louis Galambos, Alfonso Gambardella e Luigi Orsanigo, : Talvez o mais esquerdamente heterodoxo dessa lista, este magnífico livro sobre história empresarial é um dos meus favoritos. Claro, eu gosto do Origem das Corporações como muitos historiadores econômicos ortodoxos, porém devo dizer que sinto falta de uma pegada evolucionista sobre a tecnologia e de análises de como a mudança tecnológica afeta a organização industrial dos setores. Essa obra supre essa carência. Porém, discordo da visão dos autores sobre as políticas necessárias para uma mudança tecnológica positiva e sobre a causa do desenvolvimento econômico;
— História da Economia Mundial, de Roger Backhouse: é o livro de história do pensamento econômico que mais uso. Super didático e abrangendo o pensamento de Xenofonte à Robert Lucas. Para leitura mais avançada recomendo a obra definitiva dos professores Ricardo Feijó e Fabio Barbieri, Metodologia Do Pensamento Econômico.
— The Theory of Free Banking, de George Selgin: a mais elaborada obra teórica sobre o sistema de free banking. Tenho grande consideração por Selgin por ter ser um dos poucos austríacos contemporâneos que dialogam bem com o mainstream( seu trabalho com Lawrence White fez muitos economistas ortodoxos levarem o argumento de um sistema monetário livre em consideração). Esse livro, que em verdade é sua tese de doutorado, sintetiza de forma clara a microeconomia do setor bancário e deveria ser lido por todo aluno de economia monetária ou finanças.
II- História
— A Ascensão do Dinheiro, de Niall Ferguson: é talvez o livro de história econômica mais popular da última década( e não sem razão). Ferguson tem um talento único de pegar um tema estupidamente chato como a origem das atividades financeiras e dá-la vida, citando exemplos de agiotas e banqueiros florentinos do passado e sempre levando o leitor de volta para o presente ligando cada exemplo à realidade atual. Meu único problema com essa obra é, todavia, que ela é deveras simples. Ferguson ignora muitos pontos críticos da história financeira. Para uma visão mais completa eu recomendo o Financial History of Western Europe do grande Charles P. Kindleberger;
— The Rise of Western World, de Douglas North e Robert P. Thomas: esse livro é um clássico da nova história econômica. Considerado por muitos poucos esclarecidos como a bíblia da análise institucionalista da história econômica, esse livro mostra como instituições tipicamente ocidentais( balança de poderes, rule of law, constituições, parlamentos, legalidade da propriedade privada e das trocas livres) foram determinantes no desenvolvimento( e supremacia) do mundo ocidental. Todavia, devo concordar com Deirdre McCloskey ao dizer que existe problemas na análise de North, sobretudo quando ele ignora que certas instituições determinantes já existiam na Idade Média e mesmo assim não causaram nenhum efeito no desenvolvimento econômico das nações européia ou no impacto positivo do que seu aluno, Daron Acemoglu, chamaria de instituições extrativas( o melhor exemplo é o mercantilismo e as heranças da ditadura de Cromwell). Diversificação é tudo, lembrem-se disso;
— A Coleção Eras, de Eric J. Hobsbawn: continua sendo a melhor forma de aprender história para quem tem pressa ou não deseja algo muito complexo e enfadonho. Hobsbawn tem uma escrita extremamente fluída e uma excelente bibliografia base para seus textos. Discordo do autor quanto algumas questões( sua desconsideração do papel das restrições de Colbert e do financiamento da dívida na Revolução Francesa são notáveis), mas devo admitir que mudei algumas de minhas visões anteriores à luz dos fatos por ele expostos;
— The Enlightened Economy, de Joel Mokyr: talvez uma das mais belas e bem feitas obras sobre a revolução industrial. Partindo da interpretação ideacionista da história econômica, Mokyr mostra a evolução da industria na Grã-Bretanha partindo não de uma visão macro( como a maioria dos historiadores) mas sim de uma visão micro, olhando cada pequena mudança e fator no processo de evolução tecnológica, focando em como as ideias de indivíduos engenhosos causaram a mudança econômica associada a outros fatores( como instituições, geografia e acumulação de capital);
— Coleção Bourgeois, de Deirdre N. McCloskey: A integrante mais radical da escola ideacionista é talvez minha historiadora moderna favorita. Além de trazer o papel da retórica de volta para a economia e revolucionar nosso entendimento sobre a economia dos common fields ingleses, McCloskey popularizou muitos dos temas tratados por seus colegas, Mokyr e Greif, sobre o papel determinante das ideias no processo de desenvolvimento econômico. A obra é deliciosa de se ler e, para nossa sorte, mais ainda está por vir segundo a autora. Todavia, devo dizer que a autora é rígida demais em sua crítica aos institucionalistas e adeptos da teoria da escolha racional;
— Cidadãos, de Simon Schama: essa é uma obra interessante sobre a Revolução Francesa. Ela tem o grande diferencial de focar nas causas econômicas da revolução francesa, tanto que desconheço outro livro em português que trate tão bem do papel de Turgot e Necker na queda da monarquia por causa de suas políticas desastradas. O autor segue a linha também de que a revolução francesa foi um fenômeno orgânico, gerado por uma série de eventos que organizou a ação coletiva dos francesas para um fim comum. É ai que talvez esteja o maior erro do livro;
— História da Riqueza do Brasil, de Jorge Caldeira: esse livro já é um clássico da historiografia econômica brasileira. Ele quebra radicalmente com a literatura anterior de Caio Prado Junior, Roberto Simonsen e Celso Furtado ao colocar que a importância da economia interna brasileira. Devo tirar um pouco de crédito do livro ao dizer que ele é mais uma síntese da pesquisa cliométrica feita anteriormente. Vale dizer que o outro livro de Caldeira, A Nação Mercantilista, também é um livro excelente sobre história econômica brasileira; com foco mais na política econômica que na história empresarial do país como em seu livro de 2017;
— Inglorius Revolution, de William Summerhill: talvez essa seja a mais brutal crítica feita por um economista ao Império do Brasil. Usando de uma excelente base de dados e de análise institucional, Summerhill conclui que o Império significou um “atraso” enquanto modelo institucional na história econômica do Brasil. Gosto particularmente de como ele mostra que as instituições do Império criaram incentivos perversos para o clássico problema do Brasil até o século XXI: crise da dívida externa e subdesenvolvimento de seu mercado de capitais. Não mostre esse livro a seu amigo monarquista;
— The Decline of American Liberalism, de Arthur A. Ekirch: esse livro é uma narração da degeneração e posterior morte do ideal liberal-clássico nos EUA. O autor, de forma semelhante a Bernard Bailyn em The Ideological Origins of the American Revolution, traça as origens do ideário liberal nos Estados Unidos, partindo da visão de uma ideia orgânica gerada pela forma de colonização e instituições adotadas pelos primeiros colonos. Ele mostra também a personificação desse ideário nos Pais Fundadores( ideia que tendo a não validar) e a degeneração do liberalismo americano em uma forma de social-democracia moderada. Vale bastante a pena a leitura e fica o lembrete para nossos liberais tupiniquins.
III- Ficção
— The Moon Is a Harsh Mistress, de Robert A. Heinlein: essa foi a obra de ficção que me fez ver uma sociedade libertária com bons olhos. Heinlein modela em seu livro uma sociedade anarco-capitalista na Lua e mostra como tal sociedade funcionaria e se relacionaria com outros regimes institucionais, como uma sociedade com governo totalitário;
— Alongside Night, de J. Neil Schulman: mais radical ainda que Heinlein é a obra-prima de Neil Schulman. Esse livro de ficção científica radical mostra uma revolta agorista contra o Estado em um futuro distante, onde o governo limita e vigia todas as formas de ação humana. A parte da revolta me atraiu menos atenção do que a modelagem feita por Schulman de como funcionaria( ou funciona, na verdade) uma sociedade agorista paralela, com seus mercados negros e total liberdade de ação individual;
— Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley: a maioria das pessoas tende a gostar mais da obra 1984 de Orwell como seu modelo favorito de distopia. Porém, não eu. A narrativa de Huxley é bem mais cativante por dois fatos: primeiro, o governo lhe controla não por meio da vigilância completa, mas por meio de drogas. Segundo, é nesse livro que Huxley, membro de uma famosa família de cientistas, destila uma crítica feroz ao otimismo em relação ao progresso tecnológico e científico. Ele mostra que, em verdade, a ciência pode nos conduzir tanto ao progresso como ao desastre e à tirania;
— O Processo, de Franz Kafka: esse livro, melhor que qualquer outro, mostra como as burocracias geralmente tendem a funcionar em realidade. É um excelente contraponto à clássica visão weberiana do burocrata metódico e passivo;
— Os Sofrimentos do Jovem Werther, de Goethe: essa obra, em minha interpretação, é erroneamente vista como uma obra romântica de Goethe. Muito pelo contrário, ela é uma crítica ao homem do romantismo e ao sentimentalismo exaltado. Ele mostra algo que todo jovem do sexo masculino já deve ter experimentado: a angústia do amor platônico, os sentimentos estranhos que se sente quando descobre pela primeira vez uma mulher amada, a confusão sobre como fazer uma abordagem e a idealização da figura do outro amado. Todo jovem deve ler esse livro para não sofrer do destino do Jovem Werther;
— O Mercador de Veneza, de William Shakespeare: eu gosto mais dessa obra pelas lições de história econômica do que propriamente pela narrativa. não existe melhor ilustração dos preconceitos medievais com relação às finanças e ao povo judeu( os banqueiros da alta Idade Média) do que a relação que Shakespeare ilustra entre o agiota Shylock e o pobre coitado de nosso herói injustiçado, Antonio;
— A Trilogia O Século, de Ken Follet: devo dizer que a narrativa dessa série de livros é quase tão boa quanto a ilustração histórica. A saga criada por Follet é um retrato perfeito da sociedade ocidental ao longo do século XX, mostrando como era a vida de um trabalhador nas minas de carvão inglesas ou da vida sob o regime de Stalin na Rússia. Devo dizer que eu particularmente odeio o Conde Fitzherbert;
— Literalmente Qualquer Coisa, de Bernard Cornwell: sério, se tiver a oportunidade de ler qualquer coisa de Cornwell, leia! A narrativa histórica é muito bem construída, as cenas de batalha são descrições lendárias, as tramas individuais te fazem sentir desde de estar no papel de um padre inglês ultramoralista na Guerra dos Cem Anos até um arqueiro inglês com os ombros latejando na Batalha de Azincourt. Recomendo que comece pela trilogia A Busca do Graal;
— Gravity of a Distant Sun, de R. E. Stearns: melhor livro que li até hoje sobre pirataria espacial e economia informal em um livro de ficção científica.