A resposta dos Bancos Centrais à crise da COVID-19

Ao longo dos anos, nosso conhecimento sobre crises econômicas e financeiras vai sendo construído a partir de filmes, artigos e leituras em geral que fazemos sobre diversos episódios que ocorreram na história. Crise asiática, quebra da bolsa de Nova Iorque, crise do petróleo, empréstimos subprimes e mercado imobiliário, crise da dívida soberana europeia. A lista é longa, e o processo de recuperação da economia foi distinto em cada um dos episódios mencionados. 

Apesar de mudanças na forma como essas crises começaram, os dias seguintes são bem conhecidos: redução no consumo, fechamento de empresas, demissões, diminuição do poder aquisitivo, aumento do desemprego, queda da confiança dos agentes (produtores e consumidores). 

Contudo, vale a pena mencionar que as crises anteriores foram resultado de imperfeições inerentes à economia, como os contratos muito arriscados do subprime, elevação sem transparência das dívidas soberanas de nações européias, aumento repentino na produção de petróleo com manutenção da demanda, etc. 

Agora, estamos no olho do furacão de uma nova crise, provocado por uma fator externo à economia: o surgimento de um vírus. Diferente dos outros casos, a economia não desacelerou a partir de um fato; na realidade, a “roda da economia” simplesmente PAROU por alguns meses, devido ao chamado shutdown realizado em todos os continentes. Após esse período, a produção voltou a se “normalizar”, embora em uma velocidade inferior ao momento anterior ao surgimento do vírus.

Até aqui, o que estou contando é que aparentemente o mercado foi capaz de absorver o primeiro impacto e aos poucos retomou a produção e consumo. Isso não é a verdade dos fatos.

Ficou faltando falar sobre um personagem que conseguiu acalmar os ânimos dos agentes por meio da injeção de liquidez e compras de títulos públicos e privados nos mercados financeiros. 

Quê? Se você não entendeu, fique tranquilo! Deixando o “economês” de lado, vou te explicar o que significa essa intervenção e o papel dos Bancos Centrais na redução da incerteza nesse período de crise!

A resposta dos Bancos Centrais 

Em momentos de forte turbulência como o vivido atualmente, os Bancos Centrais se fazem presentes basicamente através da injeção de liquidez na economia objetivando que o sistema siga respirando apesar da paralisia que o cerca. Essa injeção de recursos acontece de maneira a comprar títulos que estejam circulando e, desta forma, assumindo os riscos deles. Em momento de crise, como o atual, os compradores “somem”, fazendo com o que os preços desabem. Por isso, a intervenção dos BCs tem o objetivo de suavizar essas oscilações de mercado.

A resposta, dessa vez, é bem mais rápida e vultosa do que em 2008. O motivo é razoavelmente simples: enquanto naquela época o ponto era recuperar a parte financeira da economia que tinha observado uma quase quebra com origens no mercado imobiliário dos EUA, dessa vez a economia como um todo – em aspectos financeiros e reais, no mundo inteiro – observou uma rígida paralisia. A necessidade de respostas hoje é, de fato, superior.

Elaboração do gráfico: Bloomberg.

Esse injetar de liquidez acaba resultando em uma externalidade que pode vir a beneficiar o Brasil: tendo em vista que os recursos disponíveis para manutenção do sistema circulando lá fora se dão presentes, os países desenvolvidos começam a olhar para locais mais arriscados para se investir e, nessa conta, entram os emergentes. É possível que uma onda de recursos não observada em muitos anos seja direcionado para cá.

Cuidado: liquidez que não realiza vira ilusão

Desde a crise de 2008 até a atual grande crise que vivemos, um perigo que está sempre a solta é o da dependência de estímulos de bancos centrais para que as economias sigam basicamente se desenvolvendo. Um forte indício dessa dependência é o fato de que bancos centrais como o dos EUA, do Japão e da Europa basicamente viram seus balanços aumentarem ano a ano desde 2008 juntamente da recuperação econômica e, no atual momento, o que vemos é uma tendência ainda maior do tamanho desses balanços para cima.

De um lado podemos sempre observar que injeções de liquidez dão um alento maior à economia para períodos complicados. Por outro, é possível observar também um descolamento entre os fundamentos das empresas e o porquê de estarem se valorizando tanto. Explica-se: o que faz com que empresas se valorizem de verdade é quando elas apresentam receitas maiores dados os custos e despesas (e, no fim do dia, lucros maiores também).

Uma amostra do que essa inconsistência significa está por exemplo no caso da Hertz. A empresa abriu processo de falência recentemente e, logo em seguida, buscou US$1 bilhão no mercado de ações – e conseguiu. Pensemos com clareza: qual o sentido de uma empresa falida levantar capitais nesta magnitude? A única explicação possível é a miopia da liquidez exacerbada que temos no presente momento.

E como fugir dessa miopia?

Temos dois caminhos para aproveitar essa liquidez gigantesca que os Bancos Centrais estão promovendo nas economias mundo afora. Um tem maior possibilidade no curto prazo e outro tem foco em prazos alongados.

A primeira possibilidade é surfar a onda da valorização da renda variável. No curto prazo, de fato essa liquidez inundará fortemente os mercados e será responsável por uma valorização sem precedentes. Inclusive, é importante notar que mesmo março de 2020 tendo sido um dos piores meses da história para a renda variável no Brasil, a recuperação já observada a partir de abril e as positivas perspectivas de recuperação que seguem são razoáveis. Porém, como já dito, o efeito do descolamento entre os ativos financeiros e a economia real pode resultar mais adiante em quebras de empresas – evidenciando que os ganhos nesta estratégia tendem a ser de curto prazo.

O segundo ponto seria aproveitar essa liquidez para focar em ativos da economia real. Dado que aplicações de baixo risco agora passam a ter retornos bastante baixos, diversos projetos de investimentos em ativos reais passam a ser mais atrativos do que antes. Os investimentos da economia real têm prazo de maturação bem mais longo do que a compra de ações no mercado de renda variável mas, no final do dia, apresentam uma consistência maior ao longo do tempo.

Fique de olho nos ativos reais!

O momento em que vivemos suscita muitas emoções, mas, a regra fundamental para geração e multiplicação de patrimônio ao longo do tempo é o pensar sobre fundamentos do investimento realizado com parcimônia e lógica. Qual o sentido de abraçar grandes ganhos de curto prazo que não devem se sustentar ao longo de décadas? 

A janela de oportunidades que se abre para os ativos reais é, por mais paradoxal que pareça neste momento, ainda mais interessante do que a existente para os ativos financeiros. Tudo isso em função, justamente, da resposta firme que os Bancos Centrais dão ao redor do mundo neste exato momento.

 

Caio Augusto

Formado em Economia Empresarial e Controladoria pela Universidade de São Paulo (FEA-RP), atualmente cursando o MBA de Gestão Empresarial na FGV. Gosta de discutir economia , política e finanças pessoais de maneira descontraída, simples sem ser simplista. Trabalha como diretor financeiro de negócios familiares no interior de São Paulo e arquiva suas publicações no WordPress Questão de Incentivos. É bastante interessado nos campos de políticas públicas e incentivos econômicos.
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