Muito se fala da pouca e baixa participação feminina na política. Sobram estatísticas que desnudam a disparidade dessa desigualdade de gêneros. Menos de 15% das cadeiras das câmaras legislativas em 70 países são ocupadas por mulheres, por exemplo. No Brasil, mesmo com as cotas partidárias obrigatórias, em 2018, foram eleitas apenas 77 deputadas federais, o que representa apenas 15% das 531 cadeiras disponíveis.
O que os dados não traduzem são as razões pelas quais há uma escassez de candidaturas femininas realmente competitivas e o motivo de caminharmos tão lentamente para mudar esse cenário.
A política brasileira é permeada por desigualdades estruturais e acaba por suprimir a oferta de candidatas com conteúdo e chances reais de serem eleitas. Em sua tese de doutorado “Teoria e evidência da exclusão feminina na política no Brasil” pela Fundação Getúlio Vargas (FGV), Ivan Osmo Mardegan apontou que, em 2018, pela primeira vez, as mulheres eram mais de 30% dos candidatos à Câmara. No entanto, as cotas de gênero – um avanço na opinião do autor e com a qual concordo – não são suficientes para preencher de fato as cadeiras no Parlamento, tampouco para tornar competitivas as suas candidaturas.
Na análise de Mardegan, participar do pleito não significa mais presença na política, isso porque, de acordo com seu estudo, os candidatos com forte experiência eleitoral anterior têm mais chances de serem não só recrutados por seus partidos, como também de serem eleitos e reeleitos para a Câmara Federal.
Há 15 anos atuando voluntariamente em organizações para o fortalecimento da democracia e modernização do Estado posso afirmar que a desigualdade feminina na política, reflete as diferenças entre homens e mulheres em todos os outros segmentos da sociedade. A equidade de gênero na política não é apenas uma questão de poder. Além da formação e espaço, fazer política demanda tempo e dinheiro. A desigualdade entre homens e mulheres no parlamento, por exemplo, não se dá apenas por questões históricas e culturais nesse âmbito, ela reflete a desigualdade social, no ambiente laboral e doméstico. Quanto mais equânime é a divisão de tarefas e a participação no mercado de trabalho, maior é a presença de congressistas. Em suma, a mulher precisa ter tempo e espaço para fazer política.
Além disso, criadas as condições para que as mulheres queiram, de fato, fazer política, não basta lançá-las ao pleito, apenas para cumprir a legislação eleitoral. É preciso dar formação e investimentos concretos, ainda dentro dos próprios partidos. Há que se priorizar efetivamente as candidaturas femininas, dando a elas a mesma atenção que é dispensada aos candidatos do sexo masculino.
Após oito anos à frente de uma entidade de formação de lideranças, no final do ano passado decidi desenvolver uma “aceleradora” para potenciais candidatas e mulheres com interesse em participar efetivamente da política. Batizada de Conecta, a iniciativa recebeu, ainda em janeiro, mais de 500 inscrições, de mulheres de praticamente todos os estados brasileiros. A ideia inicial era oferecer formação e mentoria apenas no estado de São Paulo, mas esse resultado positivamente surpreendente nos obrigou a recalcular a rota. Até junho, já treinamos 330 mulheres, em 24 estados e no Distrito Federal, de 31 partidos diferentes.
Não creio, porém, que a solução deva ser reduzida à sensibilização feminina de que mulher deve votar em mulher. É imperativo fomentar a formação com mais e melhores experiências para que se possa romper com os estereótipos de gênero que seguem determinando a identidade da política nacional. Isso não será possível sem uma boa formação para essas lideranças femininas e sem criação de ambientes sociais mais iguais e acolhedores, onde a mulher possa se dedicar à política, expor suas ideias, propor. Ainda há tempo de se reescrever o futuro da política no Brasil.
Luana Tavares
é publicitária, mestre em políticas públicas pela Universidade de Oxford, ativista da modernização do Estado e fundadora da Conecta aceleradora de mulheres na política.