Mão suave, pulso firme

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Quando já estava radicado nos EUA, o economista alemão Albert Hirschman desenvolveu uma teoria econômica singular, na qual ele expôs a importância da criatividade para a superação de desafios inesperados que surgem durante um projeto e o atravancam irremediavelmente. Para ele, não podendo abandonar o projeto principal, a criatividade é a melhor ferramenta para se traçar caminhos alternativos, podendo ela culminar até mesmo em resultados melhores do que aquele anteriormente esperado. Tecendo um gracejo com Adam Smith e sua “mão invisível”, ele nomeou sua teoria The Principle of the Hiding Hand.

Algumas décadas depois da publicação desse trabalho, pudemos assistir ao principal banco central do mundo se dispor justamente de criatividade e audácia como forma de superar a maior crise econômica desde os anos 1930. Em meio a uma economia forte e pujante e depois de um longo período de bonança e otimismo, o mercado decaiu gravemente, o desemprego tomou proporções assustadoras e o colapso era eminente. Pressionado, então, pelo cenário apocalíptico introduzido pela Crise de 2008, o Fed moldou uma nova política monetária expansionista nunca antes testada no país e de resultados incertos para tentar barrar o avanço da crise: iniciou-se assim um programa de compra de títulos do Tesouro dos EUA e títulos lastreados em hipotecas (Mortgage-Backed Securities) que ficou conhecido como Quantitative Easing, o qual ocorreu em três grandes etapas, sendo denominadas QE1, QE2 e QE3. Dessa forma, conseguiu-se injetar capital no mercado e abaixar os juros, incentivando a movimentação economica, principalmente em setores onerados pela crise, tal como o imobiliário.

Com o passar do tempo, a criatividade e o arrojo do Fed surtiram efeito e o principal objetivo dessa política monetária foi alcançado: com juros mantidos próximos de zero, a economia começou a dar mostras de fortalecimento. Por isso, no final de 2013 a compra dos títulos passou a ser gradualmente diminuída (tapering) e, durante 2014, os indicadores de emprego vinham mostrando um fortalecimento financeiro consistente no país. Tudo isso se transformou em euforia dentre os anlistas de Wall Street, o mercado começou a especular quando a taxa de juros voltaria a subir e a pressão para que o Fed o fizesse se intensificou.

Porém, os últimos dados de emprego liberados no dia 5 de agosto jogaram, seguindo as últimas tendências, um balde de água fria na ansiosidade dos agentes. De acordo com a relatório mensal do Departamento do Trabalho (Labor Department), os empregadores adicionaram na economia norte-americana 142 mil postos de trabalho em agosto. Esse valor, o mais baixo dos últimos oito meses, ficou bem abaixo dos mais de 200 mil originalmente projetados. Enquanto isso, a taxa de desemprego caiu apenas um décimo de ponto percentual, fechando agosto em 6,1%.

Embora esses indicadores sejam os mais óbvios, ao se analisar mais atentamente alguns dados menos divulgados do relatório, fica ainda mais clara a mensagem de que os EUA estão se fortalecendo, mas o rítmo de avanço é ainda moderado.

O primeiro é a taxa de participação da mão-de-obra (labor force participation rate), que é a taxa da população adulta que está trabalhando ou procurando por trabalho. Em uma economia em forte crescimento, seria de se esperar que este número aumentasse, pois a maior oferta de vagas incentivariam pessoas que já haviam desistido de reentrar no mercado de trabalho a voltar ao menos a procurar um emprego. Ao longo dos últimos seis meses, porém, essa taxa se manteve quase estática, permanecendo em ~63%, que corresponde ao nível mais baixo desde 1978.

Outro indicativo de que a economia não está tão reestabelecida como alguns tendem a acreditar é o grande número de pessoas que, embora desejam, ainda não conseguiram um trabalho em tempo integral. Em agosto, esse número era de 7,3 milhões, permanecendo quase inalterado em relação ao mês anterior. E, embora tenha caído cerca de 600 mil durante os últimos 12 meses, esse indicador ainda está longe daquele verificado no final de 2007, antes da Grande Recessão. À época, apenas 4,6 milhões de trabalhadores se encontravam nessa situação.

Além disso, quando essa política de juros baixos atingir a saturação e não mais proporcionar o crescimento econômico e a consequente criação de novos postos de trabalho, é esperado que uma processo inflacionário dos salários se estabeleça. Porém, os dados sobre os salários médios por hora ainda não mostraram um aumento significativo. No mês passado, esse indicador aumentou somente em seis centavos de dólar, atingindo US$ 24,53. Nos últimos 12 meses, os salários subiram 2,1%, o que praticamente coincide com a taxa de inflação verificada no período.

Diante de tantas evidências, foi indubitavelmente perspicaz a postura cautelosa adotada pelo Fed, pois uma elevação das taxas de juros em um momento como esse seria prematura. Logo depois de uma crise, quando o país parece estar retomando o crescimento, a euforia se exacerba e qualquer movimento em falso pode dragar a economia de volta a uma recessão. A mão que o Fed criativamente estendeu ao mercado durante a Grande Recessão e que até agora se mostrou o principal esteio da recuperação americana pode rapidamente se transformar na mão que empurra o país de volta à estagnação. Mas no final das contas, Janet Yellen parece ter feito uma leitura lúcida da conjuntra e, mantendo sua mão suave mas irrascível, adicionou um fator à teoria de Hirschman: criatividade é imprescindível para se desviar de barreiras, mas é necessário também prudência para que não se caia no abismo logo à frente.

Juliano Bracalente

Editor da Markets St e bacharelando em engenharia elétrica pela UNICAMP

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3 Comentários

  1. Ótima análise do cenário americano descrito com belas palavras!
    Parabéns ao Terraço, Markets, GMF e Juliano Bracalante

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