Na edição de 2014 do relatório anual sobre o desenvolvimento mundial publicado pelo Banco Mundial [1], o tema era o porquê do gerenciamento de riscos [2] ser importante para o desenvolvimento e como ele deve ser conduzido. Após uma série de explicações de como famílias, governo e setor privado influem na mitigação de riscos e como cada um destes influi nas decisões dos outros, o relatório conclui os 5 princípios da ação pública para o melhor gerenciamento de riscos: 1) Não gerar incertezas ou riscos desnecessários; 2) Providenciar os incentivos corretos para os agentes fazerem seus próprios planejamentos, tomando o cuidado para não causar prejuízos ou riscos à terceiros; 3) Manter uma perspectiva de longo prazo das políticas de gerenciamento de risco construindo mecanismos que ultrapassem os ciclos políticos; 4) Promover flexibilidade em um claro e previsível arcabouço institucional; e 5) Proteger os mais vulneráveis, incentivando a autossuficiência e preservar a sustentabilidade fiscal.
Este texto poderia ser exclusivamente sobre como o governo brasileiro não tem seguido nenhuma das simples, e um tanto obvias, recomendações acima. A situação da Petrobras, a condução da Política Monetária, a escalada da inflação, o descontrole fiscal, entre tantos outros exemplos serviriam para ilustrar isto. Porém, meus colegas do blog já têm escrito sobre o tema. Este texto tem um viés mais positivo e procurará identificar uma tendência global e mostrar como o Brasil não é muito diferente de seus pares.
Uma possível definição de uma economia de mercados emergentes é que os seus riscos políticos são mais elevados, e sua credibilidade política menor, do que nas economias avançadas. Considere o grupo conhecido como “Cinco Frágeis”: Brasil, Indonésia, Turquia, Índia e África do Sul. Todos têm em comum não só fraquezas econômicas e políticas (déficits fiscais e em conta corrente, desaceleração do crescimento e aumento da inflação, necessidade reformas estruturais), e também eleições presidenciais ou parlamentares deste ano. Muitas outras economias emergentes – para citar algumas: Ucrânia, Argentina, Venezuela, Rússia, Hungria, Tailândia e Nigéria – também enfrentam incertezas políticas e / ou sociais significativas e distúrbios civis.
De acordo com a narrativa positiva sobre mercados emergentes, a industrialização, a urbanização, o crescimento da renda per capita, e o surgimento de uma sociedade de consumo de classe média deveriam impulsionar a estabilidade econômica e sócio-política de longo prazo. Mas em muitos países recentemente atingidos por agitação política – Brasil, Chile, Turquia, Índia, Venezuela, Argentina, Rússia, Ucrânia e Tailândia -, é justamente a classe média urbana que tomou as ruas para protestar.
Esta não é uma completa surpresa: nestes países, classes trabalhadoras se beneficiaram do aumento da renda per capita e uma ampliação da rede de proteção social, enquanto as classes médias sentiram o aperto da inflação crescente, a precariedade dos serviços públicos, a corrupção e o governo intrusivo. Além disso, agora a classe média tende a ser mais e melhor organizada politicamente do que no passado, em grande parte, porque as mídias sociais lhe permite uma mobilização mais rápida e dessa forma, as manifestações que acontecem desde junho, puderam ocorrer com maior facilidade.
Nem toda a recente agitação política é indesejável; ela deveria forçar a mudança e levar a uma melhor governança e maior compromisso com as políticas econômicas orientadas para o crescimento. Entretanto, considerando os “Cinco Frágeis”, uma mudança de governo é provável apenas na Índia e na Indonésia. No entanto, a incerteza ainda é presente. Enquanto na Indonésia, o nacionalismo econômico está em ascensão, o que implica um risco de que a política econômica vai seguir um curso voltado para dentro. Na Índia, o candidato a primeiro-ministro da oposição, se eleito, pode não ser capaz de implementar a nível nacional as políticas orientadas para o crescimento que ele implementou com sucesso em nível estadual. Muito vai depender se ele pode lançar suas atitudes sectárias e se tornar um líder verdadeiramente inclusivo.
Apesar de tanta agitação, uma mudança de governo é pouco provável na África do Sul, Turquia e Brasil. Mas os governantes atuais, se reeleitos, tenderão mudar o curso de suas políticas. O presidente Sul-Africano, Jacob Zuma, escolheu um magnata pró-negócios como seu candidato à vice-presidência e deverá mover-se em direção a reformas orientadas para o mercado. O primeiro-ministro turco Recep Tayyip Erdoğan não pode realizar seu sonho de uma república presidencial e terá que seguir os seus adversários – incluindo um grande movimento de protesto – ao centro secular. A presidente do Brasil, Dilma Rousseff, se reeleita pode ser forçada a adotar políticas macroeconômicas mais estáveis e acelerar as reformas estruturais, incluindo a privatização devido ao catastrófico rumo que a atual política adquiriu.
Mesmo em casos extremamente frágeis e de risco, tais como Argentina, Venezuela e Ucrânia, as condições políticas e econômicas tornaram-se tão ruins que – excluindo a situação da bancarrota estatal – a situação só pode melhorar. O próximo governo, seja da presidente argentina, Cristina Kirchner; ou de qualquer um dos seus potenciais sucessores, será mais moderado de agora em diante. Na Venezuela, o presidente Nicolás Maduro é um líder sem o carisma de seu antecessor e a influência, Hugo Chavez, que será, certamente, destituído por uma oposição mais centrista.
Assim, na maioria dos casos, há razão para esperar que as mudanças eleitorais e agitações políticas darão lugar a governos moderados cujo compromisso com políticas orientadas para o mercado moverá continuamente as suas economias na direção certa.
É claro, os riscos não devem ser descontados. As economias emergentes são hoje mais frágeis e voláteis do que no passado recente. As reformas estruturais implicam a necessidade de pagar os custos de curto prazo para benefícios de longo prazo. O capitalismo de Estado, do tipo exemplificado pela China tem forte apoio entre os formuladores de políticas na Rússia, Venezuela e Argentina, e até mesmo no Brasil, Índia e África do Sul. Portanto, é possível que o aumento de renda e desigualdade de riqueza em muitos mercados emergentes possa levar a uma reação social e política contra a liberalização e a globalização.
O crescimento econômico nos mercados emergentes deve ser coeso e reduzir a desigualdade. Enquanto as reformas orientadas para o mercado são necessárias, o governo tem um papel fundamental a desempenhar no fornecimento de uma rede de segurança social para os pobres; manutenção de serviços públicos de alta qualidade; investir na educação, formação, saúde, infraestrutura e inovação; aplicação de políticas de concorrência que restringem o poder dos oligopólios econômicos e financeiros; e garantir uma verdadeira igualdade de oportunidades para todos.
[1] O relatório está disponível gratuitamente em: http://siteresources.worldbank.org/EXTNWDR2013/Resources/8258024-1352909193861/8936935-1356011448215/8986901-1380046989056/WDR-2014_Complete_Report.pdf
[2] O Banco mundial define risco como uma medida de vulnerabilidade. Existem dois grandes tipos de riscos,o primeiro seriam os riscos Idiossincráticos, que seriam específicos à cada indivíduo (como a possibilidade de perder um emprego, ser vítima de uma doença ou mesmo de um crime, enquanto o segundo tipo seria o dos riscos sistêmicos que atingem um geande grupo (como uma grande seca ou uma crise financeira).