“Quando houver sangue nas ruas, compre bens”
– Barão de Rotschild em 1757 após a batalha naval de Waterloo
Cá estamos, em meio ao turbilhão de fatos e acontecimentos. Março foi um mês longo, porém findou-se, e com ele, além das águas que fecham o verão – como já dizia Jobim – a caixa de Pandora foi aberta. E como conta a narrativa mitológica, todos os males foram liberados. Uma enxurrada de fatos se sucederam, sobretudo no campo político, desde a delação premiada de Delcídio, Lula “ministro”, a instauração da comissão do impeachment, as manifestações pró e contra governo e o desembarque do PMDB da base alidade, e mesmo assim a roda da história continua a girar.
Com tudo, no meio deste tufão, a bolsa de valores encontrou sua redenção, estamos no meio de um “rally de bolsa” com a possível troca de governo, com fortes indícios de mudança na política econômica, levando à queda da percepção do risco-país, aumentando o apetite de risco por parte dos investidores.
Prova disto, foi a valorização dos principais índices, bem como para a maioria dos papéis. O índice Ibovespa, composto pelas maiores e mais liquidas empresas listadas, valorizou-se +16,97% em março, representando assim seu melhor desempenho em 13 anos (número cabalístico!), com uma grande injeção líquida de R$ 7,26 bilhões dos estrangeiros. Lembrando que em nosso pequeno mercado acionário, os agentes que realmente “fazem preço” são os gringos.
O gráfico abaixo demonstra o “boost” do mercado desde o início das movimentações mais concretas a favor do impeachment.
[caption id="attachment_6432" align="aligncenter" width="792"] Fonte: Bloomberg, elaboração própria[/caption]Papéis como Petrobrás e Banco do Brasil apresentam rentabilidade acumulada acima de 40%, claramente precificando uma melhora na qualidade de sua gestão, esperadas no crepúsculo do governo vindouro.
Estaríamos portanto no prelúdio de uma nova era da alta bolsa? Acredito que não, fato é que estamos em um cenário binário.
Para longe da euforia e esquizofrenia usual dos mercados, o cenário concreto ainda é de paralisia da política e da economia, sem contar que os ajustes (assim como as reformas) estão descartados até segunda ou terceira ordem. Os déficits continuam elevados e a dívida pública, crescente, colaborando para a queda atividade, o baixo crescimento e a explosão do desemprego.
Já que sonhar não custa nada, o ideal seria um a criação de algum consenso político, que permitiria a aprovação das medidas mais severas de contingenciamento de gastos – voltando a respeitar a Lei da Responsabilidade Fiscal – e também reformas urgentes (principalmente da previdência e do mercado de trabalho), freando assim a trajetória da dívida pública, reconquistando a confiança dos agentes e no limite, a retomada do crescimento. É nesse momento que o PMDB entra em cena.
Então, indo além desta miríade de possibilidades, é nítido que estamos em um período de “lua-de-mel” em meio à mudança política. O mercado de ações, com o aumento da confiança com estabelecimento de um governo pró-reformas, brinda um otimismo generalizado que nasce no seio de toda a crise, desconsiderando os fundamentos da economia brasileira no curto prazo. Nesse sentido, a valorização das empresas listadas e por consequência dos índices, elevam seu valor de mercado, e por sua vez a riqueza dos acionistas.
Tomemos então emprestado, com a devida licença literária, o conceito de o efeito-riqueza, recorrentemente empregado em textos acadêmicos, na qual definição é explicada por Luciano Coutinho em um de seus textos [1]
“Efeito riqueza diz respeito às relações existentes entre a riqueza financeira das famílias – sobretudo a mobiliária, particularmente em ações — e os seus gastos em consumo. Em termos genéricos, quanto maior o patrimônio e mais ricas as famílias, maiores as parcelas das suas rendas correntes gastas em consumo. Quando os preços das ações sobem, pessoas e empresas sentem-se mais ricas. Elas passam a gastar mais, ainda que não vendam as ações e, assim, não tenham o dinheiro em mãos. Só a possibilidade de realizar os ganhos a qualquer momento, faz que indivíduos se sintam com mais poder de compra. Muitos, inclusive, tomam crédito para comprar. Esse é o chamado efeito riqueza
Portanto, com a supervalorização dos índices e da moeda local, o que aumenta o poder de compra das famílias e das empresas, em meio a um cenário de complexo e de recessão profunda, o movimento de impeachment está costurando uma espécie de efeito-riqueza à moda brasileira. No limite, se a tendência se confirmar (e as taxas de juros caírem nos próximos meses), as expectativas dos agentes podem reverter positivamente, com uma sinalização adequada do governo, a demanda voltar a subir e o consumo das famílias a aumentar.
Estamos entre a eficiência e a exuberância irracional, ou seja, o mercado clamando por precificar a troca de um governo, sob a égide de uma nova política econômica, de união nacional e que provoca o excesso de otimismo dos indicadores, e por outro lado, a eficiência dos dados macroeconômicos nos diz que a recessão continuará por alguns trimestres a fio.
Retomando o conceito de efeito-riqueza, quando o ciclo de alta se reverte e os preços das ações começam a cair (se caso o governo PMDB não conseguir entregar o que o mercado tanto espera, ou o impeachment nem seja aprovado) os efeitos negativos são reforçados pelo mesmo processo que fez a economia retrair. As pessoas sentem-se mais pobres e gastam menos e os empresários cortam investimentos. Diante das expectativas ruins, os bancos cortam o crédito e sobem juros para agentes que, de repente, parecem não ter condições de arcar com as dívidas, ou seja, mais do mesmo do que vivenciamos hoje.
Na tentativa de prever todo esse movimento dos indicadores financeiros, que nada mais são que termômetros do apetite dos agentes e também da geração de riqueza na economia, a LCA Consultoria [2] traçou alguns cenários (Base, Benigno e Adverso) para o governo Temer. Trabalhando com os seguintes cenários:
[caption id="attachment_6452" align="aligncenter" width="1130"] LCA Consultores[/caption]- Base: Maior probabilidade (55%) de um cenário de governabilidade, porém sem total hegemonia política no Congresso, sem conseguir viabilizar as reformas necessárias, como a da previdência, deixando-as em “banho maria”, apenas se atendo a ajustes e cortes mais pontuais. Sendo assim, a alta da bolsa e do dólar previsto são mais moderados.
- Benigno: Temer assumiria como um verdadeiro Macri brasileiro, ovacionado pela opinião publica e aplaudido pelo mercado, o efeito-riqueza seria enorme, pois conseguiriam implementar de maneira plena todos os fundamentos de seu plano “Ponte para o Futuro [3]”, claro que favoreceria muito a alta do Ibovespa e queda significativa da moeda americana. A probabilidade desde cenário é de míseros 5%.
- Adverso: O pior dos mundos, com uma probabilidade de 40% de ocorrer, o cenário de deterioração continuaria, Temer assumiria em um ambiente muito complexo, a esquerda se organizaria para deslegitimar seu mandato e a crise política travaria qualquer tipo de reforma. Resultado prático, derretimento de todos os indicadores de ações e da destruição ainda mais intensa de valor, alinhado também à desvalorização de nossa moeda, por conta do enorme rombo fiscal.
Complexo? Sim, lembrando que são apenas cenários e que dependem de inúmeras variáveis, mas que nos servem como um farol em meio a esse mar turbulento.
Portanto, independente da troca de governo, o desafio do Brasil é hercúleo e impopular. E não podemos nos deixar seduzir por estímulos externos e de mercados que acreditam em cenários ultra positivos que não encontram correspondência com a realidade, desconsiderando qualquer complexidade econômica e colocando todas as cartas na mesa em um único partido – ou em uma pessoa. As chances de frustração podem ser enormes, e os prejuízos ainda maiores.
O efeito-riqueza já está imputado no preço e tende a aumentar, porém não é a hora compactuar com as euforias do mercado, de um otimismo frágil e incerto, fato é, estamos em uma longa turbulência, e ela é intensa, tortuosa e obscura, mas que não deve ter como motor de escape a irracionalidade. Tripulação, portas em automático!
[1] “Financeirização” da riqueza, inflação de ativos e decisões de gasto em economias abertas
[2] Como seria o governo Temer? LCA traça 3 cenários – e seus grandes impactos para mercado