Você no Terraço | Beatriz Figueiredo de Rezende
Tempos de crise política e econômica evidenciam tendências sociais que, em períodos de maior bonança, não se expressam com tamanha notoriedade. O posicionamento político dualiza-se. Fato que não consiste em uma mera consequência da exaltação de paixões ante um contexto de crise, mas em uma exteriorização da dualidade de pensamento disseminado nas instituições de ensino superior e, a partir delas, em toda sociedade.
A adesão incondicional a ideologias e o ódio a ideologias contrárias têm, por consequência, a busca de se distanciar ao máximo de possíveis pressupostos comuns. Ao caminhar em sentidos opostos, cria-se uma padronização dual do pensamento.
O conhecimento, assim, deixa de ser um processo complexo e pessoal. Torna-se uma escolha – limitadíssima – de ideologias. A universidade, ao invés de possibilitar um debate divergente e construtivo, converte-se num local onde as alternativas se restringem a algumas “caixas prontas”, cada qual já traz consigo todos seus pressupostos, argumentos, frases de efeito e conclusões. A tarefa do estudante é simples: escolher uma das ‘caixas’.
O pensamento simplifica-se em posicionamentos rivais e qualquer indivíduo passa a ser enquadrado em uma de duas características: direita ou esquerda, liberal ou conservador, progressista ou reacionário, feminista ou machista, coxinha ou petralha etc.
O problema não é, no entanto, a inexistência de divergências, mas a forma como são encaradas. Divergências de cunho superficial em relação a certa ideologia até são aceitas para o debate. Porém, dificilmente se progride com questionamentos superficiais. Já divergências que questionam as bases de determinada ideologia são desqualificadas de imediato, enquadradas na ‘caixa rival’, com a qual não se dialoga. No máximo, dirigem-se aos tidos como adversários intelectuais, as repetidas críticas, que mais se baseiam em deboche que em argumentos.
Configura-se, assim, uma guerra fria intelectual: teorias antagônicas se desenvolvem sem diálogo. Estruturam-se dois monólogos independentes. Para que haja diálogo, não basta que dois lados se expressem, é preciso que troquem ideias e analisem seriamente as críticas recebidas, para assim, não necessariamente chegando a um consenso, progredir no pensamento crítico. Ao contrário do que julgam muitos intelectuais – que pautam seus caracteres na constância ideológica – a crítica ao pensamento divergente, sem a autocrítica, não constitui um pensamento crítico.
Universidade evoca liberdade de pensamento. Mas, o que se verifica são pensamentos aprisionados a ideologias. Poucos são os que enfrentam a forte coerção para que tomem um posicionamento, poucos são os que conseguem conviver sendo hostilizados de ambos os lados. Poucos são os que não aderem a nenhum dos lados do muro, não porque estão em cima do muro, mas porque, para eles, não há muros para o pensamento. O pensamento pressupõe liberdade, sem ela, torna-se repetição de ideias. E para isso – pasmem! – crie uma universidade para papagaios, não para homens!
Ainda há, no entanto, seres pensantes que defendem que discutamos ideias e deixemos a tosca função mecânica de selecionar a qual “caixa” pertencem: A favor do “Bolsa Família”? Esquerda. A favor do impeachment da presidente? Direita. Diz “presidente”? Machista. A brilhante filósofa Hannah Arendt, que considera a perda da capacidade de reflexão um dos piores males da modernidade, expressa: “Meus amigos progressistas me chamam de conservadora; meus amigos conservadores, de progressista. Não creio que as verdadeiras questões deste século XX receberão qualquer tipo de esclarecimento desta maneira.”
Aqueles que resistem ao aprisionamento do intelecto suplicam: “Não tentem enquadrar meu pensamento em suas caixas. Quero argumentos, não rótulos. O primeiro estimula o debate, o segundo mata-o.” Estou, pois, entre estes alunos que ousam dizer: “Agradeço, mas não quero nenhuma dessas caixas. Caixas prontas já fizeram muito mal à humanidade. Prefiro usar minha caixola!”
Beatriz Figueiredo de Rezende é graduanda em Ciências Econômicas na Unicamp e membro do IFE CAMPINAS
Esse é definitivamente um problema: muitos falam mas poucos ouvem. Tem um artigo chamado “Heterodox United vs. Mainstream City: Sketching a framework for a interested pluralism in economics” escrito por Leonhard Dobusch e Jakop Kapellen que é talvez a melhor literatura nesse sentido de falso pluralismo.
Eles argumentam que existem três tipos de pluralismo: pluralismo egoísta, de paradigmas e interessado. O tipo egoísta é aquele que defende o pluralismo com a intenção de passar a perna mais tarde (teoria dos jogos básica explica isso); o pluralismo de paradigmas é esse que o texto citou, cada um no seu canto, há visões diferentes mas elas não conversam entre si, e quando conversam é uma conversa marcada por hostilidade e alguma necessidade de derrotar o “inimigo”. Esse é o que a gente vê na Folha por exemplo: temos autores de várias visões e cada um escreve de acordo com elas, mas no fim nenhum deles quer saber o que o outro quer dizer.
O pluralismo interessado é definitivamente o pluralismo desejável, mas não existem muitas instâncias disso.