O quão improdutivo é o brasileiro?

Seguramente você já ouviu que o trabalhador brasileiro é pouco produtivo, o que é uma afirmação verdadeira, mas deve-se perguntar: produtivo em relação a quem?

Antes de mais nada, devemos destacar que a produtividade é a chave para uma economia conseguir ao mesmo tempo apresentar ganhos reais de salários de forma constante e ainda assim apresentar um aumento da competitividade das empresas, sendo que um cenário no qual o salário cresce acima da produtividade (o que acontece pelo menos desde 2012), resultará necessariamente numa situação de elevada inflação e redução da competitividade. Países que desejam garantir seu espaço no cenário internacional e assegurar seu crescimento econômico devem estar sempre atentos aos seus ganhos de produtividade.

Para avaliarmos nossa produtividade seria interessante ter algum outro trabalhador como parâmetro. O mais tradicional na literatura acadêmica é utilizar o americano como parâmetro, considerando-o a fronteira da produtividade que alguém conseguiria atingir, dado que o americano detém praticamente o maior estoque de capital do planeta somada a um dos mais altos índices de escolaridade.

Assim, utilizando-o como parâmetro, podemos verificar na figura abaixo que no início da década de 80, o trabalhador brasileiro tinha uma produtividade equivalente a 33% do trabalhador americano. Em igual período, um trabalhador da Coreia do Sul[1] tinha apenas 15% da produtividade do trabalho deste mesmo americano. A questão é que, por diversos fatores macroeconômicos (como crises e períodos hiperinflacionários) e opções de modelo econômico (a Coreia optou pela abertura comercial e o Brasil pelo modelo de substituição de importação), passados 36 anos, o trabalhador coreano triplicou sua produtividade, alcançando 50% do americano, ao passo que o brasileiro “perdeu a corrida”, tendo sua produtividade regredido para 25% daquela apresentada pelo trabalhador americano (isso é possível pelo fato da produtividade do americano ter crescido acima da do brasileiro).

[caption id="attachment_7114" align="aligncenter" width="631"]p1 Fonte: The Conference Board – Elaboração própria[/caption]

Em outras palavras, enquanto em 1980 um americano equivalia a 3 brasileiros, em 2016 talvez o filho deste americano equivalha a 4 trabalhadores brasileiros. Erramos em alguma coisa no meio deste caminho, concorda?

[caption id="attachment_7113" align="aligncenter" width="631"]p2 Fonte: The Conference Board – Elaboração própria[/caption]

Já nossos amigos asiáticos em 1980 teriam que juntar 6,6 trabalhadores para equivaler um americano, tendo reduzido essa diferença para apenas 2 em 2016!

[caption id="attachment_7112" align="aligncenter" width="631"]p3 Fonte: The Conference Board – Elaboração própria[/caption]

Dentre diversos fatores que explicam a produtividade do trabalho, como o deslocamento setorial da mão de obra, é importante chamar a atenção para dois fatores clássicos: o capital por trabalhador e o capital humano.

Esta ideia clássica diz mais ou menos o seguinte:

  • O capital por trabalhador é a relação de quanto capital acumulado que os trabalhadores dispõem para realizar suas tarefas, ou seja, a quantidade de ferramentas que estes dispõem (ferramentas vão desde a mais simples maquina até a mais sofisticada). Assim, quanto maior for o estoque de capital por trabalhador, mais ele tende a ser produtivo. Aqui entra também a importância da exposição externa da economia sul coreana, dado que a possibilidade de importação de máquinas, equipamentos e insumos que permite o uso de técnicas mais modernas, assim como a redução dos custos e do uso de componentes mais eficientes, propiciando um ambiente mais seletivo, fazendo eliminar técnicas e empresas menos eficientes.
  • Já o capital humano é basicamente o estoque de conhecimento e competências do trabalhador, sendo este em função do nível médio de escolaridade do trabalhador e de suas experiências, lembrando que seus retornos para a produtividade, para a economia e para a sociedade dispensam comentários.

Dito isto, vejamos como se comportou estes dois fatores na economia brasileira e sul coreana desde 1950 até hoje. O mais incrível é perceber que até o fim da década de 70 o Brasil detinha um estoque de capital por trabalhador superior ao da Coreia do Sul, mas as diversas crises da dívida e o período hiperinflacionário adiaram as perspectivas de investimentos do país durante muito tempo, ao passo que seu concorrente, navegando em mar mais calmo[2], adotou políticas industrializantes voltadas para o mercado externo.

[caption id="attachment_7119" align="aligncenter" width="684"]p11 Fonte: Penn World Table 9.0 – Elaboração própria[/caption]

Mais do que isto, o nosso país sempre esteve atrás da Coreia do Sul no que tange capital humano. As razões são claras, nós atingimos em 2013 o nível de escolaridade média da população que a Coreia do Sul apresentava em 1980. Isto teve impactos importantes na economia brasileira, mas também denota o atraso que temos em relação a um tema tão importante que é a educação – fator não negligenciado pelos nossos concorrentes asiáticos. Olhando nossos pares latino americanos, percebemos também que o Chile (país com alta renda per capita) deu a importância necessária para a educação, ao passo que a Colômbia se assemelha ao Brasil.

[caption id="attachment_7109" align="aligncenter" width="631"]p6 Fonte: United Nations – Elaboração própria[/caption]

Olhando a tabela abaixo, podemos notar que o Brasil exibe um dos menores níveis de escolaridade, numa gama de países que vale a pena a comparação, superando apenas a Índia. Muito embora o aumento da escolaridade entre a década de 80 e os dados mais recentes (2013) tenha ocorrido (em média 4,6 anos a mais) e superado a média deste grupo de países (3,5 anos), cabe pontuar que a base inicial era muito baixa. É muito mais fácil um país elevar a sua população de um nível básico para o fundamental (caso brasileiro) do que elevar do nível médio para o superior (situação americana).

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Pode parecer um problema simples, mas tem implicações importantes. Devemos lembrar que boa parte da população brasileira já está dentro da faixa considerada como força de trabalho (acima dos 15 anos). Ou seja, a maior parte de nossa mão de obra tem baixo nível educacional e dificilmente irá mudar isto, pois como seria possível desenvolver um sistema de treinamento e requalificação de um gigante contingente de mão de obra já com idade avançada e alocada no mercado? Olhe nossa pirâmide demográfica e veja a participação majoritária desta população, lembrando que nas próximas décadas o Brasil entrará no grupo de países maduros (velhos), embora com baixa qualificação. A “esperança” é a nova geração, deixando claro a intuição óbvia: melhora no nível educacional de um país gera frutos que são colhidos apenas no longo prazo, lembrando que benefícios colhidos num período distante não despertam interesses de nossos políticos para encabeçar tais reformas.

[caption id="attachment_7107" align="aligncenter" width="631"]p8 Fonte: IBGE (2014) – Elaboração própria[/caption]

Por fim, a importância da produtividade do trabalho para um país é muito clara: além do citado no início do texto, em que tal fator possibilitava o aumento do salário do trabalhador sem gerar inflação, a produtividade do trabalho é fator fundamental para a elevação da renda per capita de um país no longo prazo.

[caption id="attachment_7106" align="aligncenter" width="631"]p9 Fonte: The Conference Board – Elaboração própria[/caption]

 Arthur Lula Mota

Editor Terraço Econômico

[1] A Coreia do Sul é um exemplo clássico de comparação, muito embora se tenha noção da diferença histórica e sociocultural entre os países. A importância é chamar atenção de como um país construiu um gap em todos os aspectos econômicos em relação a nós.

[2] E há aqueles que dizem que houve ajuda dos EUA, dado o cenário de Guerra Fria.

Arthur Lula Mota

Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.

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