O futuro do crescimento brasileiro

Estamos no meio do segundo ano da mais longa e intensa depressão brasileira[1]. Acumularemos no breve período de 2 anos algo como 8% de queda no produto nacional.

Bom, isto é conversa velha, já sabido e decorado por todos. Desta forma, o desafio agora é ver o amanhã. Como se comportará a economia brasileira? Qual será o seu crescimento daqui para frente? O debate é importante, pois você sabe bem: crescimento econômico é o melhor antibiótico para a bactéria da desigualdade. Vamos para um papo de gente grande.

Muito se fala, de forma correta, que o crescimento virá da retomada da confiança com o novo governo e as novas medidas. Bom, esta é parte da história. A parte que pouco se fala é que este crescimento virá, de tal sorte, da recomposição da capacidade ociosa da economia.

Eu entendo. O gráfico abaixo não é muito convidativo, mas ele é de primordial importância. De forma genérica, o hiato do produto[2] nos diz o quanto o PIB está crescendo acima ou abaixo do seu potencial. Por exemplo, se o potencial de crescimento do produto brasileiro era de 2% em 2015, e a economia caiu 3,8%, significa dizer que o hiato do produto é de 5,8 pontos percentuais. Buscando a explicação etimológica, hiato vem do latim hiatus, que significa abertura ou espaço.

Por que isto importa? Bem, todos os Banco Centrais do planeta olham esta dinâmica para ver se a economia está aquecida demais, e, portanto, com tendências inflacionárias – via redução da taxa de desemprego (dado um certo nível de produtividade), ou se a economia está muito parada. A ata do Copom sempre trata deste assunto.

Enfim, tenho que pontuar alguma coisa neste tão importante gráfico: em 2010, quando a economia cresceu seus incríveis 7,5%, o mercado aplaudiu, as pessoas sorriam e o Brazil takes off, como diria a famosa capa da The Economist.

A verdade que poucos dizem é que esta explosão de crescimento veio de uma capacidade ociosa violenta da economia, muito bem ilustrada no gráfico abaixo, em seu primeiro círculo. Foi muito rápido e fácil “religar” as maquinas da economia. É preciso ponderar, com honestidade, que o Brasil havia criado seu colchão nos anos anteriores (de superávit primário e acumulo de reservas) para enfrentar uma crise de tal magnitude. O leitor deve se lembrar também que os países emergentes se beneficiaram muito da liquidez mundial e do maior pico do boom das commodities, mas isto não vem ao caso. O fato é que havia margem ociosa para crescimento.

[caption id="attachment_6779" align="aligncenter" width="669"]p1 Fonte: IBGE. Elaboração própria.[/caption]

O segundo círculo, por sua vez, mostra o período da Nova Matriz Econômica, inflacionista por natureza. Você pode notar que o hiato está no terreno positivo, mostrando uma economia ainda aquecida e com uma taxa de desemprego longe daquela considerada como a NAIRU[3]. Pois bem, as diversas medidas de estímulos fiscais e monetários promovidas pelo governo nesta época, além de pouco eficazes, produziram uma forte pressão inflacionária e uma inevitável deterioração fiscal. O leitor deve estar atento aqui para o embrião das Pedaladas Fiscais que hoje derrubam a presidente. As consequências destas políticas são diversas e nefastas, indo do desarranjo macroeconômico e culminando em profunda recessão. Aliás, cabe aqui pontuar que as leis econômicas são implacáveis. Violar alguma delas com alguma espécie de esoterismo econômico, proveniente de terras distantes, é totalmente não-recomendável.

O meu foco aqui é mostrar que como consequência do período e das medidas do segundo círculo, nós chegamos ao terceiro círculo, onde a economia trilha a temida descida da montanha-russa recessiva. O hiato do produto terminou de tal forma negativo ao fim de 2015 (-5,6 p.p. abaixo do crescimento potencial brasileiro), que a ociosidade da economia brasileira atingiu patamares nunca antes vistos.

Para ilustrar este fenômeno, vamos pegar a capacidade ociosa da indústria e da mão de obra. Aqui nós temos o famoso NUCI – Nível de Utilização da Capacidade Instalada da Indústria. Ele nos conta que a capacidade instalada do setor que está sendo usado é de aproximadamente 74% hoje, inferior aos 78% atingindo durante a crise de 2009. Em outras palavras, a indústria brasileira tem ociosa hoje 26% de sua capacidade instalada (100% menos os 74%). Aí está a grande margem para crescimento do setor sem ter que fazer aportes de capital e investimento. Uma possível onda de crescimento rápido viria daí por si só, com a retomada da confiança.

[caption id="attachment_6780" align="aligncenter" width="669"]p2 Fonte: Ibre/FGV. Elaboração própria.[/caption]

Pois bem, além da capacidade ociosa da indústria, hoje temos a capacidade ociosa da mão de obra. Sim, o desemprego é capacidade ociosa. Para mostrar isto, criei algo como o Nível de Utilização da Força de Trabalho, ou NUFT, que nada mais é do que a parte da mão de obra que não está desempregada (100% da força de trabalho menos a taxa de desemprego atual). Fica claro o nível de ociosidade da força de trabalho brasileiro, com o NUFT chegando abaixo dos 90% em fevereiro – dada a taxa de desemprego superior a 10%, segundo a PNAD continua do IBGE ajustada sazonalmente (algo superior a 10 milhões de pessoas sem emprego).

[caption id="attachment_6781" align="aligncenter" width="669"]p3 Fonte: IBGE. Elaboração própria.[/caption]

Assim, alocando essas pessoas de volta no mercado de trabalho (com, novamente, a melhora da confiança), um rápido momento de crescimento econômico vai aparecer. Desta forma, a somatória de ocupação da ociosidade na indústria e da força de trabalho vai apresentar um bom desempenho da taxa de crescimento brasileiro nos próximos períodos após a crise, provavelmente acima de seu potencial – numa nova fase de hiato positivo.

Agora vamos à parte que é melhor tirar as crianças da sala. Enquanto o aumento recente da ociosidade da capacidade produtiva abre espaço para que o produto avance acima de seu potencial quando houver uma retomada do crescimento, assistimos ao mesmo tempo a destruição de nosso produto potencial, principalmente com a queda do investimento e da PTF (Produtividade Total dos Fatores, também chamada de eficiência econômica, ou resíduo de Solow).

O PIB potencial foi realmente destroçado, você pode ver a situação dele em outro texto do Terraço (O mito do PIB potencial). Reproduzindo o trabalho feito por Souza (2015), chegamos à decomposição do PIB brasileiro por meio da por meio da função de produção Cobb-Douglas com retornos constantes de escala[4]. Desta forma, o forte período de crescimento de 2004 a 2011, cuja taxa média anual do PIB chegou a 4,4%, foi puxado sobretudo por fatores demográficos (com o boom demográfico, no qual a taxa de crescimento força de trabalho cresce acima da taxa da população) e impulsionou o fator Trabalho, somado a um forte crescimento da eficiência econômica – a PTF. Este é um período rico, pós-estabilização e de respeito ao tripé macroeconômico.

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O fato é que no período seguinte, de 2012 a 2015, há uma ingerência na economia, citada nos parágrafos acima que destruiu a eficiência econômica. A lista é longa e vai desde incentivos fiscais equivocados até regras de conteúdo nacional. Acompanhando este processo, há o envelhecimento natural da força de trabalho brasileira, reduzindo o boom demográfico e reduzindo também a contribuição do fator Trabalho no crescimento econômico. O resultado é um crescimento médio anual de 0,3% do PIB neste período.

Portanto, aí que o desafio do Brasil é elevar o potencial de crescimento econômico sem a contribuição anteriormente vista de fatores demográficos (que são exógenos). Por isto se debate tanto a necessidade de reformas, tão listadas em planos de governo que saíram recentemente. Estas reformas tendem a recuperar a eficiência da economia e, portanto, a PTF.

O crescimento do curto prazo, mediante a ocupação da capacidade ociosa não pode iludir a sociedade brasileira. O problema de longo prazo brasileiro é sério e exige essas reformas, pois a redução do crescimento do produto potencial pode dificultar uma retomada mais forte e prolongada da economia brasileira. Chega de voos de galinha.

Arthur Lula Mota

Editor do Terraço Econômico

[1] A qualificação aqui, mais longa e intensa, não é por exagero ou ao sabor do economista que vos escreve, ela tem fundamentos. Uma análise do documento do CODACE, o Comitê de Datação de Ciclos Econômicos do Brasil (similar a NBER americana), cravou de forma correta o início da crise brasileira no segundo trimestre de 2014 e, nas projeções mais otimistas, deve se estende até o ultimo trimestre de 2016 – qualificando na datação das crises como a mais longa e intensa. Ver:

http://portalibre.fgv.br/lumis/portal/file/fileDownload.jsp?fileId=8A7C82C54DB5CA9F014EF8794F847120

[2] Extraído através do filtro HP do log do produto. Há ampla e diversificada metodologia na literatura econômica.

[3] NAIRU seria a taxa de desemprego de equilíbrio da economia, onde o produto potencial de uma economia encontra seu limite mas não haveria pressão inflacionária. O termo é um acrônimo para Non-Accelerating Inflation Rate of Unemployment.

[4] A função 1 é a de produção e 2 é a do cálculo da PTF:

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Arthur Lula Mota

Mestre em Economia Aplicada pela Universidade de São Paulo (USP/ESALQ) e Bacharel em Economia pela Universidade Federal de São Paulo. Já trabalhou no mercado financeiro, auxiliando mesa de operações de fundos institucionais e departamento econômico com análises macroeconômicas.

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