A controversa manobra orçamentária e o possível impeachment da Presidente da República

Você no Terraço | por Diogo de Castro Ferreira, Pedro Henrique Ferreira e Lucas Berlanza

O cenário político brasileiro está agitado como há muito não se via, diante dos sinais extremamente preocupantes de nossa economia e dos graves escândalos que vêm tomando os noticiários, especialmente o chamado “Petrolão”. A insatisfação de amplos segmentos da sociedade é notória, o que se prova pelas recentes manifestações de rua que apresentaram, entre outras bandeiras, o pedido de impeachment da presidente. Em meio a tamanho turbilhão, é necessário analisar tudo com ponderação e equilíbrio, a fim de não sermos imprudentes. A mais nova polêmica, que vem apimentar as discussões, é a questão da tentativa de mudança na Lei de Diretrizes Orçamentárias. Em entrevista para a jornalista Joice Hasselman, divulgada no site de Veja, o senador Aloysio Nunes, representante da oposição, mencionou as gravíssimas implicações do assunto, que poderia desembocar em um eventual impeachment de nossa mandatária executiva, Dilma Rousseff. Uma tal possibilidade, evidentemente, provoca ainda mais as paixões políticas de opositores e governistas. Diante disso, julgamos de suma importância recorrer à legislação para entender se há mesmo um fundo de verdade no que diz o senador. A conclusão, como veremos, é categórica: sim; o senador não está exagerando.

O descumprimento da Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) poderá fazer com que a Presidente Dilma responda por crime de responsabilidade. A referida LDO existe para que haja um equilíbrio entre receitas e despesas, conforme se pode verificar no art. 4º da Lei de Responsabilidade Fiscal (Lei Complementar 101/00). Ocorre que o Governo gastou muito mais do que arrecadou. Para que se tenha uma ideia, setembro foi o quinto mês consecutivo em que o governo gastou mais do que arrecadou, e foi a primeira vez na história em que chegamos a esse mês do ano com um resultado negativo de R$ 15,706 bilhões. Sim, esse foi o pior resultado da HISTÓRIA! No início do ano, o Governo Federal assumiu o compromisso de poupar R$ 116 bilhões para que o setor público atingisse a economia de 1,9% do PIB (a soma de todos os bens e serviços produzidos no país em um determinado período). Porém, ele não apenas deixou de poupar, como apenas a União gastou R$ 15,7 bilhões a mais do que arrecadou. Nesse cenário, o Governo se vê diante da impossibilidade de se cumprir as metas orçamentárias.

Onde entra diretamente a figura da presidente Dilma nessa história? E o que isso tem a ver com impeachment? Primeiramente, o art. 85 da Constituição define que:

“Art. 85. São crimes de responsabilidade os atos do Presidente da República que atentem contra a Constituição Federal e, especialmente, contra:

(…)

VI – a lei orçamentária;”

A Lei 1.079/50 define os crimes de responsabilidade e, em seu artigo 4º, reproduz o conteúdo do art. 85 da Carta Magna. A lei completa o entendimento quando, em seu art. 10, dispõe que:

“Art. 10. São crimes de responsabilidade contra a lei orçamentária:

(…)

4 – Infringir, patentemente, e de qualquer modo, dispositivo da lei orçamentária.”

A Constituição Federal (art. 52, parag. único) e a Lei 1.079/50 (artigos 2º, 33 e 34), trazem a previsão de duas penas para essa modalidade de infração: a perda do cargo e a inabilitação, por oito anos, para o exercício de função pública. Em outros termos: impeachment.

O que significa, afinal, o conceito de “impeachment”? Em breves palavras, é um processo com o objetivo de averiguar e apurar condutas antiéticas graves atribuídas a um agente do Estado, instaurado, processado e julgado por um órgão legislativo, que resulta na punição de afastamento desse agente da função pública, mediante sua remoção do cargo atual, bem como sua inabilitação para qualquer outro por um tempo determinado. Esse instrumento está previsto no art. 85 da nossa Constituição Federal e é regulamentado pela Lei nº 1.079/50. Seria perfeitamente constitucional, adequado ao caso – uma possibilidade inteiramente real, portanto. Não é preciso esclarecer mais o quanto isso é grave.

Diante desse risco iminente e da impossibilidade de cumprir a meta, o Governo está buscando a alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias. Seria essa uma manobra constitucional ou com alguma plausibilidade jurídica? A Ordem dos Advogados do Brasil, Seccional Tocantins (OAB/TO), se manifestou quanto à inconstitucionalidade formal da proposta de alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias enviada pelo Executivo para apreciação da Assembleia Legislativa, nesta terça-feira, dia 11. Nas palavras do Presidente da OAB/TO Ercílio Bezerra: “A mudança proposta fere uma série de princípios como o da unicidade da administração pública, o da segurança jurídica e orçamentária, além da autonomia dos poderes, uma vez que todos os orçamentos já foram previamente encaminhados, discutidos e aprovados”.

Regis Fernandes de Oliveira, em sua obra “Curso de direito financeiro”, no capítulo que trata da Lei de Diretrizes Orçamentárias assim se posiciona acerca da possibilidade de alteração da referida lei:

“Pode haver alteração da lei de diretrizes orçamentárias durante sua execução? Dificilmente isto pode ocorrer, uma vez que se cuida de lei temporária e aprovada até o término do primeiro período da sessão legislativa e encaminhada para sanção. Logo, em setembro já deve ser encaminhado o projeto de lei de orçamento anual, que irá guardar compatibilidade vertical com aquele. Daí a dificuldade em sua alteração. Demais disso, não há como fazê-lo, uma vez que já estará disciplinando o conteúdo do projeto orçamentário anual.”

O renomado autor nos mostra com esse trecho que promover a alteração da LDO não é tão simples quanto parece ser. A inobservância dessas questões trazidas e o tratamento político da questão pode acarretar a violação da harmonia entre as leis orçamentárias, expresso no princípio da unidade orçamentária, segundo o qual, em sua acepção moderna, deve haver uma relação harmônica entre as três leis orçamentárias.

Além da impossibilidade jurídica dessa alteração – entendimento de autores consagrados no Direito, como se viu -, outra questão tem causado grande polêmica. A meta de superávit primário, que corresponde, conforme explicado, ao dinheiro que o governo consegue economizar, passará a ser uma meta negativa, tendo em vista que o Governo gastou mais do que aquilo que arrecadou. Ou seja, no projeto de lei que visa a alteração da Lei de Diretrizes Orçamentárias, estará sendo definida a quantidade do déficit primário. Como se não bastasse o ineditismo de se alterar uma LDO para que se defina um déficit primário, existem críticas no sentido da indefinição desses valores. Em meio a essa realidade de insegurança econômica, institucional e jurídica, tomamos emprestadas as palavras do filósofo Montesquieu, que não poderiam soar de forma mais acertada nesse contexto: “Quando vou a um país, não examino se há boas leis, mas se as que lá existem são executadas, pois boas leis há por toda parte”.

Diogo de Castro Ferreira é advogado, Graduado em Direito pelo Instituto Vianna Júnior Pedro Henrique Ferreira e Silva é advogado, Graduado em Direito pela Universidade Federal de Viçosa Lucas Berlanza é Acadêmico de Comunicação Social, com habilitação em Jornalismo, na UFRJ, e colunista do Instituto Liberal.

As opiniões aqui emitidas são de responsabilidade dos autores.

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3 Comentários

  1. Excelente texto! Agora me pergunto. Qual a opção do governo caso a alteração não seja aprovada? Ainda dá tempo de fazer superáviti?

  2. Nunca vi na história deste país, se dar tanto tiro no próprio pé. Será que o governo e os parlamentares aliados não enxergam que, anistiando a presidente, o investidor internacional com seus preciosos dólares e que não e bobo nem nada, voltará á parafrasear o dito por Charles de Gaulle: “O Brasil não é um país sério” – Corram cambada!

  3. Abram um canal no Youtube e postem texto passando e um locutor explicando bem claro, quadro a quadro. Para que possamos reproduzir em vários sites e blogs a serem lidos no Brasil e Exterior.

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