A economia do novo ministro da Casa Civil

“Acaba a crise, acaba a crise. Põe o mercado no bolso!” – Alberto Carlos Almeida, cientista político em conversa com Lula interceptada pelas investigações da Lava Jato sobre a possível reação do mercado a uma nomeação de Lula para um ministério.

“Barbosa: governo conta com Lula para construir soluções políticas e econômicas” – manchete do jornal Brasil Econômico sobre a esperada contribuição que Lula pode dar para recuperar a economia, segundo o ministro da Fazenda Nelson Barbosa.

Deixando de lado toda a discussão sobre a validade da nomeação de Lula para o ministério da Casa Civil, o que as frases acima indicam é a visão econômica dos atuais aliados do governo. Uma visão que ainda não conseguiu entender a complexidade de qualquer economia e que ainda acredita que, além do sebastianismo político, o nosso futuro está no sebastianismo econômico.

Segundo indicam as frases, a ideia seria: nomear Lula para a Casa Civil destravaria todo o embroglio político que impede a aprovação de reformas econômicas e, de quebra, geraria expectativas mais positivas quanto ao nosso futuro econômico, contribuindo para o arrefecimento da crise e recolocando o país na rota do crscimento.

Boa parte dos argumentos em favor do ex-presidente para ministro remete ao ano de 2003, quando Lula assumiu a cadeira de FHC e nomeou para o ministério da Fazenda Antonio Palocci e para o Banco Central o então presidente do Bank Boston, Henrique Meirelles. Tacada de mestre que reforçou a confiança no Brasil e fez com que o susto com sua eleição passasse rapidamente.

Porém, não estamos em 2003 e Lula já não é mais o marinheiro de primeira viagem. O que quero dizer com isso? Após 13 anos de governos petistas, o mercado já forma suas expectativas de forma diferente e não será surpreendido (daquela vez, positivamente) tão facilmente quanto foi em 2003. Além disso, os ventos externos que sopraram fortemente a nosso favor na década passada passaram a ser uma leve brisa de verão.

Mas vamos lá. Caso Lula não estivesse envolvido nos escândalos da Lava Jato, poderíamos considerar que a sua primeira tarefa de colocar ordem no caso político fosse exitosa. Muito bem, Lula fez os arranjos políticos necessários para ter maioria nas duas casas e aprovar medidas necessárias para o Brasil voltar a crescer. A pergunta agora é: quais políticas seriam enviadas para votação? Temo que não seriam as adequadas.

Como diversos economistas já expuseram (chame-os do que quiser: neoliberal, ortodoxo, vendidos ao Consenso de Washington, malvados), as políticas para retomarmos a estabilidade macroeconômica no curto prazo são:

  1. Ajuste fiscal com corte permanente de despesas para reverter a trajetória da nossa relação dívida/PIB.
  2. Aperto monetário para trazer a inflação (e as expectativas) para a meta. Trocando alhos por bugalhos: independência legal do Banco Central.

Existem evidências recentes de que, caso Lula viesse a exercer o cargo de ministro, as políticas acima seriam as propostas e implementadas? Pouco provável.

Vamos ponto a ponto:

1) Ajuste fiscal com corte de despesas para reverter a trajetória da nossa relação dívida/PIB

Boa parte dos economistas ligados ao PT atualmente pregam o mantra: “não se faz ajuste fiscal durante recessão, não se faz ajuste fiscal durante recessão, não se faz ajuste fiscal durante recessão”.

Segundo palavras do ministro da Fazenda, o que o Brasil precisa é crescer para diminuir a relação dívida/PIB, postergando um pouco o ajuste fiscal que viria em um período de bonanza econômica.

O próprio Lula, recentemente comentou o que o Brasil precisa para se recuperar economomicamente. E a ideia segue a linha de Barbosa: mais incentivos para consumo a fim de estimular a economia para reduzir a relação dívida/PIB pelo lado do crescimento.

Então, o cenário base seria o Lula ministro propondo pacotes de estímulo à economia brasileira para votação no Congresso. Como o mercado reagiria? Mal. Todos já estão cientes das reais necessidades de ajuste na economia brasileira e tentar empurrar com a barriga tais ajustes só aumenta os custos de uma reforma mais tardia.

Você pode argumentar: Lula está fazendo esse discurso para ganhar apoio de setores do PT, unificar o partido e quando estiver lá no ministério, apoiado em seu messianismo dentro do PT, proporá políticas mais ortodoxas, como aumento do superávit primário e corte de despesas, como o fez em 2003. E você tem um ótimo ponto.

Mas nunca se esqueça que o mesmo Lula que nomeou Antonio Palocci para a Fazenda em 2003 também nomeou Guido Mantega em 2006. O que garante que teremos o Lula de 2003 e não o de 2006? Ou então: se Lula já conta com o apoio de boa parte do PT, não faz muito sentido dar declarações de que não fará uma política fiscal austera. Bastaria ficar em cima do muro, dizer que Barbosa está prestigiado no cargo e quando assumir, vender-se (novamente) à realidade ortodoxa.

Entretanto, isso seria o segundo estelionato eleitoral em menos de 2 anos que o PT aplica em seus próprios aliados. E, mesmo com Lula pacificando o Congresso, é difícil de acreditar que medidas drásticas de austeridade seriam aprovadas. A Lei de Responsabilidade Fiscal é letra morta, e isso é uma porteira aberta para políticos abrirem os cofres.

Se eu fosse arriscar, diria que Lula adotaria o approach de tentar estimular o crescimento ao invés de controlar o gasto mais firmemente, conforme vem declarando. E mesmo que adotasse o segundo cenário, enganando seus mais ferrenhos apoiadores, a chance de obter sucesso seria baixa. O cenário mais provável é: mesmo com Lula na Casa Civil (esquecendo dos envolvimentos em ilícitos), não teríamos o ajuste fiscal necessário agora e postergaríamos a dor que virá mais forte em 2018, 2019.

2) Aperto monetário para trazer a inflação (e as expectativas) para a meta. Trocando alhos por bugalhos: independência legal do Banco Central.

Com Lula na Casa Civil, teria o novo ministro condições de convencer o Congresso e, principalmente, a presidente da República a aprovar uma das pouquíssimas medidas que retomariam a credibilidade na nossa autoridade monetária: a independência legal do Banco Central?

Primeiro: é pouco provável que o Lula ministro proporia a medida como forma de gerar boas expectativas no mercado. Apesar de em 2003 ter nomeado Henrique Meirelles para a presidência do BC e aparentemente não ter interferido na condução da política monetária durante seus mandatos, fica difícil acreditar que a independência legal do BC viria sob a batuta de Lula III.

Mas vá lá…errei meu diagnóstico e Lula propôs a independência do Banco Central. Novamente, seria pouco provável que o Congresso aprovasse tal medida, mesmo com a pressão positiva que viria dos mercados. Muitos congressistas ainda estão no discurso de que precisam defender a população dos grandes banqueiros que dominam o Banco Central.

OK, mas vá lá…errei novamente meu diagnóstico e o Congresso aprovou a independência legal do Banco Central, pois teve um lampejo de racionalidade. A lei precisa ser sancionada pela presidente Dilma Rousseff. E aí?

Acreditar que 3 eventos muito improváveis aconteçam não me parece realista. E Lula pode até fazer esse cálculo de trás para frente: Dilma não aprovaria nunca se o Congresso aprovasse. O Congresso não aprovaria nunca se eu propusesse, logo, não vou nem propor.

Assim, o máximo que poderíamos ver seria a troca do presidente do Banco Central. A volta de Henrique Meirelles é sempre cogitada. Mas para uma reação muito mais forte do mercado, um nome extremamente hawkish seria necessário: Gustavo Franco? Armíno Fraga? Stanley Fischer? Quem aceitaria o posto…

Novamente, o cenário mais provável é: vamos levando até onde der, torcendo para que os efeitos da recessão ajam sobre a escalada dos preços e a cada número da inflação levemente inferior às expectativas ou ao ano anterior, apontamos o dedo e dizemos: eu disse, eu disse, a inflação está caindo! No mês seguinte, estaremos decepcionados.

A grande conclusão é: apesar de muitos acharem que como Lula fez um bom papel em 2003 acalmando os mercado, a história se repetirá. Ledo engano! Os agentes já adaptaram suas expectativas quanto a Lula e para retomar o crescimento econômico não basta somente o gogó agora. E a confiança que Lula ganhou de todos em 2003, conseguiu perder ao longo dos inúmeros casos em que está envolvido.

E voltemos a 2003. O que Lula fez naquele momento foi assegurar aos agentes econômicos que manteria as políticas já em curso. Agora, Lula precisaria fazer totalmente o oposto. Precisaria mostrar compromisso com políticas econômicas dolorosas e, após um tempo, entregá-las. Enquanto isso, os economistas que o apoiam ainda acreditam que basta gritar: voltei, voltei! que tudo se arruma.

Infelizmente (ou felizmente), a economia é muito mais complexa que isso. Muito mais complicada que tentar se livrar de Sérgio Moro.

   
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