A economia dos ovos de páscoa

Todo ano é a mesma coisa. A páscoa chega, e com ela, os ovos de páscoa. As pessoas reclamam do preço desses ovos de chocolate, algumas pessoas rebatem dizendo “se você não quiser pagar o que pedem, não compre”, outras dizem “ah, mas é mais caro produzir um ovo de páscoa do que uma barra do mesmo chocolate”. Vamos esclarecer essas discussões à luz da microeconomia usando o conceito de elasticidade preço-demanda.

Primeiro, vamos definir o que é elasticidade preço-demanda: a variação na quantidade demandada de um produto em relação a uma variação percentual no preço.

Que?

Exemplo simples

Suponha um ovo de chocolate custa 40 reais e, a esse preço, é possível vender 1000 ovos. Caso o preço suba para 44 reais, espera-se que sejam vendidos menos de 1000 ovos, já que algumas pessoas irão desistir de comprar por conta do aumento de preço. Suponha que 200 pessoas deixem de comprar, e a demanda cai para 800 pessoas. O preço subiu 10%, enquanto a quantidade demandada caiu 20%. Nesse caso, a elasticidade é 20%/10%=2.

(A rigor eu deveria incluir um sinal negativo nessa conta, para indicar que a subida do preço diminui a quantidade demandada e a queda no preço aumenta essa quantidade demandada, mas por questões de simplicidade não farei isso aqui.)

Entendendo o que esse número significa

Se esse número é grande, isso significa que a quantidade demandada é muito afetada por variações no preço. Em outras palavras, os consumidores são muito sensíveis a mudanças de preços. Da mesma forma, se a elasticidade preço-demanda é um número pequeno, isso significa que o mercado é pouco sensível a mudanças de preço.

Como a elasticidade influencia o preço?

Ao final deste texto, se você for um leitor habituado a ferramentas de cálculo, você encontrará a demonstração da equação abaixo. Caso não conheça bem cálculo ou não está interessado, basta compreender o exemplo numérico.

O preço de uma mercadoria pode ser calculado a partir da seguinte equação:

 

Onde:

Cmg = Custo marginal de produção. Basicamente significa quanto a fábrica gasta para produzir (e transportar) uma unidade de ovo da páscoa.

e: elasticidade, já discutida acima.

Não fez sentido? Vamos colocar alguns números.

Vamos supor que para a fábrica, a produção e transporte de um ovo de páscoa custe 10 reais. E vamos supor que o mercado é extremamente sensível ao preço, ou seja, muito elástico. Vamos dizer que e=10. Então, nesse caso, o ovo será vendido por:

 

Vamos supor agora que a fábrica gaste os mesmos 10 reais para fabricar e transportar o ovo, mas que agora o mercado é muito pouco sensível ao preço, ou seja, paga o quanto for pelo ovo. Vamos imaginar que e=1,25. Nesse caso, o cálculo do preço fica:

 

Ou seja, se as pessoas se importam menos com o preço, ele será fatalmente maior, e isso para exatamente o mesmo produto com o mesmo custo de produção.

O modelo econômico na prática

Se o ovo é tão caro, quer dizer que as pessoas são insensíveis ao preço?

Sim, e isso vem de fatores socioculturais. As pessoas ainda valorizam muito a presença de ovos de chocolate na páscoa, abrem mão de qualquer coisa para manter essa tradição. Isso significa não só demanda alta como uma demanda pouco elástica (como no segundo preço calculado acima).

 

Em outros países com menos apego a essa tradição dos ovos de páscoa, vemos que o mesmo ovo, feito no brasil, com custo de transporte maior, acaba ficando mais barato. O motivo disso é exatamente a importância que o brasileiro dá ao ovo de páscoa que o gringo não dá. Isso não acontece apenas com o ovo de páscoa.

Esse mesmo fenômeno ocorre com os carros feitos no Brasil e vendidos no exterior, bem como nos iPhones vendidos no Brasil.

Carros brasileiros são mais baratos no México e na Argentina. Isso se deve, na opinião do autor, a dois fatores. O primeiro é a péssima qualidade do transporte público brasileiro, que gera uma enorme demanda por carros individuais. O segundo fator é o superprotecionismo que o governo brasileiro deu à indústria automobilística nos últimos anos. Esses dois fatores combinados (falta de concorrência e extrema necessidade por carro individual) faz com que o brasileiro tenha uma demanda alta e inelástica por carro, que o leva a pagar qualquer preço que se cobre.

 
Preços e cotações das moedas de 2012. Fonte: Gazeta do Povo.

O iPhone brasileiro é o mais caro do mundo quando se converte o preço em reais para o dólar. A justificativa para a baixa elasticidade preço-demanda por iPhones no Brasil é mais uma questão de status. O brasileiro está disposto a pagar qualquer preço por um iPhone, uma vez que ele simboliza status em muitos segmentos sociais.

 
Preços e cotações do dólar de 2015

Como, então, baixar o preço dos ovos de páscoa? Pode parecer clichê, mas a resposta é: não compre. O preço não irá baixar caso as vendas não caiam. Não existe segredo. O mesmo ocorre para o iPhone.

Como baixar o preço de veículos no Brasil? Melhorando o transporte público (as pessoas teriam alternativas razoáveis ao carro) e abrindo o mercado para termos mais concorrentes.

Conclusão

O que eu quis mostrar com isso tudo é que as duas principais explicações para os preços dos produtos, a “demanda de mercado” (a parte da conta que leva em consideração a elasticidade) e o “custo de produção” (a parte da conta que leva em conta o custo marginal de produção) estão ambos corretos. Os dois vão definir o preço de venda. O grande problema está em olhar apenas para um deles e ignorar o outro.

Anexo: de onde veio a equação do preço

Aos leitores mais curiosos versados na arte do cálculo, segue a demonstração.

O lucro de uma empresa é dado por:

Lucro = Receitas-Custos

A empresa deseja maximizar o lucro, escolhendo a quantidade produzida (o preço é dado pela demanda do mercado).

 

A derivada da receita em relação à quantidade pode ser entendida como a receita extra obtida se decidirmos produzir uma unidade a mais. Da mesma forma, o Custo Marginal é o custo extra decorrente de uma unidade a mais do produto.

Então, igualamos o custo marginal de produção à receita marginal, derivando (pq) em função da quantidade q.

 

Neste ponto, vamos definir rigorosamente o que é elasticidade preço-demanda, em termos de derivada, a partir da noção de “variação percentual da quantidade demandada em relação a uma variação percentual do preço”:

 

Como preço e quantidade demandada são negativamente relacionados (quando um sobe, o outro desce), essa elasticidade será negativa. Reagrupando tudo, chegamos em:

Wanderson Martins Graduando em Economia pela EESP-FGV Sonha em ser presidente do Banco Central

Terraço Econômico

O seu portal de economia e política!

6 Comentários

  1. Uma dúvida matemática na demonstração da fórmula: Ao derivar parcialmente a Receita (pq) em relação à quantidade, foi assumido que o preço era função da quantidade – por isso o uso da regra do produto -, o que não me fez muito sentido dado que o referido preço para calcular a receita se trata do preço unitário… Dessa forma, a derivação daria somente p como resposta, não? O que justificaria isso?
    No mais, parabéns pelo artigo, muito esclarecedor.

    1. Se eu não fizesse isso, ou seja, se pegasse a receita marginal = pq e derivasse em relação a q e dissesse que seria igual a p,estaríamos cometendo um erro. Eu estaria dizendo que a receita extra que eu receberia por produzir uma unidade a mais do produto seria igual ao preço. Isso está errado pois ao aumentar a quantidade de produto no mercado, reduzimos seu preço; dessa forma, ganhamos uma nova receita p sim, mas também perdemos a receita referente a queda no preço de todas as outras q-1 unidades vendidas. Por isso que precisamos considerar p como função de q e fazer a regra da cadeia.

  2. Resumindo: as empresas abusam do brasileiro, porque ele é idiota, se importa com tradições vazias e no fim paga mesmo que reclamando.

  3. O artigo faz sentido, mas a páscoa passada gerou prejuízos para a Nestlé, será que abaixarão o preço neste ano? Creio que não

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Yogh - Especialistas em WordPress