A economia por trás da delação premiada

A recente Operação Lava Jato lançou luz não somente sobre possíveis esquemas de corrupção, mas também colocou no foco a chamada Delação Premiada. Apesar de a delação premiada ter sido instituída em 1995 [1] como prática legal para a coleta de provas, só muito recentemente ganhou as manchetes dos jornais, com a Operação Lava Jato.

Em 2013, a lei 12.850 entrou em vigor [2], revogando a lei de 1995 e aprimorando o instituto da delação premiada, em sua Seção I. O artigo 4º da lei diz:

Art. 4o O juiz poderá, a requerimento das partes, conceder o perdão judicial, reduzir em até 2/3 (dois terços) a pena privativa de liberdade ou substituí-la por restritiva de direitos daquele que tenha colaborado efetiva e voluntariamente com a investigação e com o processo criminal, desde que dessa colaboração advenha um ou mais dos seguintes resultados: 

I – a identificação dos demais coautores e partícipes da organização criminosa e das infrações penais por eles praticadas;

II – a revelação da estrutura hierárquica e da divisão de tarefas da organização criminosa;

III – a prevenção de infrações penais decorrentes das atividades da organização criminosa;

IV – a recuperação total ou parcial do produto ou do proveito das infrações penais praticadas pela organização criminosa;

V – a localização de eventual vítima com a sua integridade física preservada.

É importante lembrar que a redução de 2/3 da pena pela delação premiada recai sobre o número de anos total ao qual o prisioneiro é condenado – que pode ir de 5, 50, 5000 até o infinito -, e não sobre o limite máximo de 30 anos na cadeia que a lei brasileira impõe.

Como não somos advogados e nem ganhamos dinheiro com o Terraço Econômico para voltar para a universidade, o nosso intuito é entender alguns aspectos da lei sob o olhar de um economista, ou seja: por que um criminoso decidiria colaborar entregando demais envolvidos em um crime? Em quais circunstâncias é melhor colaborar? E, por fim, será que é melhor se entregar e colaborar ou tentar fugir sabendo que demais envolvidos podem denunciar?

Para tanto, temos a nossa velha conhecida Teoria dos Jogos. Imaginemos a seguinte situação:

1) Você é o Alberto Youssef e foi o primeiro a ser preso. O Ministério Público lhe oferece um acordo: entregue o esquema e tenha a pena reduzida de acordo com a relevância dos relatos. O que você faz?

A situação é similar ao famoso Dilema do Prisioneiro, um clássico em Teoria dos Jogos. Nessa situação teórica, dois prisioneiros são interrogados separadamente e decidem se confessam o crime ou alegam inocência. Um não tem conhecimento do depoimento que o outro dará, mas eles sabem das consequências das diferentes situações. Se um delatar o colega, ganha prisão domiciliar enquanto o outro apodrece na Papuda. Se ele não confessar, mas seu cúmplice o delatar, é ele quem ficará anos no xadrez. Se ambos confessarem, os dois ficam presos juntos e a Justiça reduz a pena em reconhecimento pela cooperação. Mas se ambos alegarem inocência, ficam presos até o processo acabar, o que é pior do que pegar uma domiciliar.

Se ambos pudessem combinar a resposta, seria melhor para os dois ficarem calados e não confessar. Mas como eles não podem garantir a fidelidade do outro, a caguetagem alheia pode encerrar a vida do meliante. Antes que o colega faça a traição, a opção mais segura é traí-lo primeiro. No fim, como ambos pensam igual, os dois confessam o crime e fazem companhia um ao outro na cadeia.

O caso que abordamos aqui, não se trata de confessar um crime, mas de delatar outras pessoas envolvidas. Para simplificar nosso modelo, suponhamos que os prisioneiros da Lava Jato corram o risco todos de serem condenados à mesma pena: 30 anos. Se Youssef revelar alguma novidade relevante, seu prêmio por delação reduzirá sua pena para 10 anos (2/3 de 30). Do contrário, ele será condenado sem redução de pena. Porém, como ele é o primeiro a ser preso e interrogado, a probabilidade de que o que ele tenha pra falar tenha relevância e seja novidade é alta. Além disso, ele não tem como prever a atitude dos próximos interrogados pois ele não sabe quem virá em seguida e nem quais informações o próximo interrogado irá relatar. Portanto, como ele é o primeiro a ser preso, compensa delatar e fazer um acordo de redução de pena.

2) Seu nome é Paulo Roberto da Costa e você foi o segundo a ser preso. No seu jornal matinal você soube que o Alberto Youssef foi preso e aceitou a delação premiada, mas você não sabe o que ele contou. O Ministério Público te oferece um acordo para contar o que você sabe em troca de uma redução da pena. Detalhe: se o que você contar já for de conhecimento da Polícia Federal, sua pena não será reduzida. O que você faz?

Dado que a PF tem a delação de Youssef e o nome de Paulo pode estar nela, suas chances de se dar mal tanto delatando quanto não delatando vão aumentar.

Se Youssef tiver revelado algo que condene o Paulo, e Paulo não tiver nada de relevante para revelar para a PF, ele terá que cumprir a pena máxima de 30 anos, mas se for relevante sua delação, ou seja, se nela estiver presente novos nomes e novas denúncias, então sua pena pode se reduzir para 10 anos. Já se o que o Youssef revelou não foi relevante para a PF, as chances de Paulo de revelar algo novo e ter sua pena reduzida são muito maiores (mais próximas do 2/3). Logo, ainda compensará para ele arriscar a delação premiada. Mas, devido à dimensão do caso e o número de pessoas envolvidas, ainda é grande a probabilidade de a informação relatada por Paulo ser relevante. Então, ainda convém arriscar a delação, do que ter seu nome citado – talvez novamente – lá na frente.

3) Você se chama Julio Camargo e foi o primeiro empreiteiro a ser preso. Como você lê o jornal toda manhã, você sabe que o Albertinho e o Paulinho foram presos e já assinaram seus acordos mas não sabe quais informações relataram. O Ministério Público oferece o acordo de delação premiada em troca da redução da sua pena (como você é empreiteiro, em 1 ano vai poder curtir de novo aquela praia nas Bahamas – sem alusão a outros lugares com o mesmo nome). Novamente, sua pena só durará 1 ano caso as informações contribuam para as investigações. Lembre-se que você está do outro lado agora, ou seja, você é o corruptor. E ai, o que você faz, Julinho?

Bom, sair ileso dessa guerra de dedos-duros está ficando difícil. Cada depoimento de prisioneiro antes do seu aumenta sua chance de ter seus podres revelados. Mas Julinho foi o primeiro empreiteiro a ser preso, então ele pode revelar uma outra parte do esquema de corrupção ainda não revelado pelo doleiro e diretor Albertinho e Paulinho, portanto, razoáveis chances de sua delação lhe garantir uma redução de pena. Somando tudo isso ao fato de que ele não passaria mais do que um ano preso, pois tem os ‘recursos’ necessários para não ficar preso, ainda vale a pena caguetar! Montamos uma tabela que mostra (hipoteticamente é claro!!) a probabilidade de cada um se dar bem ou mal sendo dedo-duro.

Mas antes…

4) Você se chama Emma Thomas e foi a 135ª presa da Operação Lava Jato enquanto se escondia no Suriname. Como no Suriname tem Wi-Fi na floresta, você lia as notícias diárias no seu tablet e sabe quem já foi preso e quem obteve o benefício da delação premiada. Ou seja, você sabe que alguns enjaulados não forneceram nenhuma informação nova ao Ministério Público. Mesmo assim, você sabe de muita coisa e ainda tem 80 envolvidos ainda foragidos. O MPF oferece o acordo de delação premiada e você faz o que? Teria sido melhor ter se entregado antes?

Emma está em maus lençóis! Uma parte dos que já delataram não conseguiram redução de pena, ou seja, já não revelaram nada de novidade para a PF, e a outra parte – a que obteve a redução de pena por ter revelado novos nomes e fatos importantes – provavelmente deve ter citado seu nome e o dos outros 80 foragidos várias vezes. Logo, a PM provavelmente já possui o suficiente para deixar Emma pegar um bronzeado xadrez por muito tempo. Se fosse pra caguetar, deveria ter se entregado muito antes. Melhor não falar nada.

E, saindo quentinha do forno, a última notícia de 5 de Fevereiro [3]: o procurador da força-tarefa da Lava-Jato, Carlos Fernando Lima, disse que o MPF (Ministério Público Federal) não precisa mais de delatores sobre a Petrobras. Eles já possuem muita informação. Ou seja, a chance de delatar algo novo sobre o caso tendeu a zero. Tarde demais para os que pretendiam ser salvos por uma redução de pena.

Se antes a melhor opção era delatar, pois o Ministério Público Federal tinha poucas informações e estava no início da sua investigação, oferecendo bons retornos aos delatores, principalmente os primeiros a chegar, agora que grande parte da informação já foi fornecida, os que não foram presos ainda perderam o benefício da delação premiada. Seria melhor ter corrido para a delegacia mais próxima.

Bom, a Teoria Econômica tem uma boa explicação para a existência da Colaboração Premiada e conforme a lei vai sendo usada na obtenção de provas, envolvidos em crimes vão se adaptando ao jogo para analisar se apontam o dedo ou não. Entretanto, há o risco de a lei ser sobre-utilizada e criar penas muito brandas para crimes de grande vulto, caso haja colaboração. Qual a dosagem de oferecimento do benefício em relação aos crimes e às informações obtidas? Fácil a resposta….não sabemos!

Alípio Ferreira Cantisani

Lara Siqueira de Oliveira

Leonardo Palhuca

[1] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9034.htm

[2] http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2013/lei/l12850.htm

[3] http://www.valor.com.br/politica/3895104/mpf-nao-precisa-de-mais-delatores-diz-procurador-da-lava-jato

Sair da versão mobile