Marcos Fernandes G. da Silva
“Muitos médicos psiquiatras não têm formação
profissional para entender esta questão de forma
a sugerir políticas públicas abrangentes”
Em outros artigos nesta Folha defendi a legalização de drogas e alucinógenos com base no argumento da liberdade individual, da eficiência econômica e do combate ao crime (Legalizar drogas é respeitar escolhas, 06/06/2011 e Um debate ácido, 13/03/2012). Recentemente há colunas, também publicadas nesta Folha, que se alinham com aqueles argumentos (Dráuzio Varella, Legalização da maconha, 26/07/2014 e Hélio Schwartsman, Droga e poder, 30/07/2014).
Neste artigo, contudo, pretendo criticar racionalmente argumentos que considero equivocados, que advém de visões limitadas de parte da comunidade médica, contra a legalização da maconha e quiçá de outras drogas de classe A, como a cocaína.
Tais médicos e psiquiatras, usando legitimamente autoridade profissional e retórica plausível, opõem-se à legalização da maconha. Sustento que lhes falta formação profissional para tal análise. Não obstante, alinho-me com eles na crítica que fazem a um elogio irresponsável do uso de maconha e que a regularização do mercado é um bem em si: legalizar pode ser eficiente e justo, mas não cabem apologias anacrônicas à droga.
O primeiro erro da análise estritamente médica é supor que maconha faz mal à saúde. Claro que o deve fazer, não se discute, assim como fumar, comer gordura, trabalhar demais. Mas por não serem economistas ou cientistas sociais (e tão pouco filósofos morais) deixam de lado que a vida é dura e é feita de custos e benefícios. Fumar pode evitar outros males para os indivíduos, como aos ligados ao estresse profundo do cotidiano e gerar prazer, assim como comer “besteiras” também. Mas a vida não é, nem nunca será e nem deve ser perfeita.
Médicos, fora os epidemiologistas e sociais, somente vêm o indivíduo em si, fisicamente falando. Esquecem as dimensões existenciais da vida e o direito dos indivíduos à imperfeição. Quem disse que as pessoas querem ser perfeitamente saudáveis? O Estado não deve interferir na liberdade de escolha dos indivíduos e tal liberdade deve ir até não afetar a liberdade dos outros. Por esta razão, externalidades negativas (malefícios) do uso de maconha devem ser internalizadas (eliminadas) por meio de tributos sobre o produto para prevenção do uso e custeios clínicos – o que ocorre somente num mercado legalizado e regulado – e com políticas de informação e esclarecimento contra o uso, como ocorre com o cigarro de deveria ocorrer ainda mais com o álcool.
[caption id="attachment_2473" align="aligncenter" width="526"]Neste ponto alinho-me com os médicos que criticam o elogio à maconha, mas eu defendo a legalização, seja por questões relacionadas aos direitos individuais, seja por eficiência econômica. Explico-me. Para usar uma analogia, sou contra a obrigatoriedade do cinto de segurança, na forma atual da lei. O uso deveria ser facultativo, salvo casos onde o não uso do cinto causa danos a terceiros, como nos bancos da frente para adultos que podem decidir pelo risco de morrer, ter a face deformada ou perder os dentes. No banco traseiro deve ser obrigatório, seja pelas crianças, seja porque um adulto sem cinto pode, se arremessado à frente, causar danos e até a morte do motorista ou acompanhante. Mas eu uso cinto na frente e atrás, pois fui informado e educado para saber que não vale a pena correr o risco. Mas o Estado não tem o direito de me mandar fazer nada se meu ato em si não dana outras pessoas.
Outro erro dos médicos que são contra a legalização, presos a uma visão reducionista e limitada, é que a descriminalização gerou aumento do consumo e isso é um problema. Ao leitor cabe um esclarecimento: a descriminalização é a tolerância quanto ao porte da droga. Já a legalização seria a existência de um mercado de maconha como no estado do Colorado, EUA, onde você pode comprar, de acordo com lei e regulação, maconha como compra cerveja. Voltando ao suposto aumento da demanda depois da descriminalização, na verdade os dados para o Brasil são tão limitados que desafio médicos que advogam a posição contrária a minha a divulgá-los. E cada caso é um caso. Há vários indicadores nos EUA do contrário, e lá os dados são melhores. Ademais, pouco importa se aumenta, deixa aumentar.
O debate sobre legalização de drogas é complexo demais para ficar ao cargo de médicos. Eles devem participar do mesmo, assim como filósofos morais, cientistas políticos, economistas, criminologistas e sociólogos. Contudo, a dimensão política é tão importante ou mais do que a econômica, médica ou criminal.**
Marcos Fernandes G. da Silva
Economista, é professor adjunto doutor do curso de Administração Pública e Governo e do GVLaw da Escola de Direito de São Paulo da FGV, autor de Ética e economia e Formação econômica do Brasil, uma reinterpretação contemporânea.
**As opiniões aqui omitidas são de responsabilidade do autor