A necessidade do ceticismo com os homens, e da fé no transcendente

Essa manhã decidi reler algumas páginas do livro As origens da ordem política, do cientista político Francis Fukuyama. O livro aborda, essencialmente, a organização das sociedades desde os tempos pré-humanos até a Revolução Francesa (1789). Narrando, entre outras coisas, o comportamento de vários povos, assim como de seus líderes. 

Inevitavelmente voltei a refletir sobre a sociedade atual – a nossa era -, e por algumas vezes durante essa reflexão acabei sendo “arrebatado” até ao Hades, em pensamento, com a nítida impressão de que vivemos a era mais esquisita da história.

Bem recentemente passamos pela era dos experimentos sociais, onde vimos brotar das profundezas do inferno da loucura humana as mais diferentes seitas políticas; que se autoproclamaram como detentores de certezas quase que divinas, a exemplo do socialismo, do nazismo e do fascismo. 

O século XX nos legou aprendizados importantíssimos, e dentre eles a necessidade do ceticismo na política, algo bastante enfatizado pelo economista afro americano Thomas Sowell em sua clássica obra “Conflito de visões”. A mesma descrença nos poderes mágicos da política é compartilhado por importantes pensadores, tanto do passado quanto contemporâneos, como: Edmund Burke, Michael Oakeshott, Roger Scruton, Russell Kirk e João Pereira Coutinho.

Os Estado é tão limitado quanto aqueles que o conduzem. Não possui a capacidade de realizar todas as demandas da sociedade, e não raramente, falha miseravelmente naquilo que é de sua competência. Não obstante, tende a agravar ainda mais as situações ruins quando, a título de experimento, adota uma nova política de Estado pautada na busca pela igualdade absoluta entre os homens. A própria natureza, nos ensina que a igualdade não faz parte de sua “receita”, basta observarmos sua inexistência para compreendermos tal fato. Mesmo aquelas políticas que buscam uma sociedade perfeita por outras vias que não a igualdade, falham, como podemos comprovar estudando o nazismo e o fascismo, e aqui, neste ponto, devemos compreender que não é simplesmente uma questão de esquerda e direita, mas de tentar alterar o curso da natureza, algo já experimentado pelos dois lados da dicotomia política. Apesar dos diferentes métodos, essas experiências terminaram com resultados surpreendentemente semelhantes, e igualmente desastrosos.

A Revolução Francesa, considerada por muitos como a Mãe das revoluções, promoveu mudanças significativas na história da política. Trouxe benefícios antes dos horrores das guilhotinas, e contribuiu para a formação de várias novas consciências, derrubando o absolutismo e plantando as sementes da democracia. Contudo não podemos nos esquecer de suas heranças ruins, que não foram poucas, algo que é importante frisar.

Os revolucionários franceses do século XVIII, na ânsia pelo fim do absolutismo, deixaram-se contaminar pelo espírito do anarquismo absoluto, e com isso forçaram a negação de toda e qualquer autoridade, inclusive a de Deus, representada à época pelo poder eclesiástico. É preciso lembrar que naquele período, Igreja e Estado eram praticamente inseparáveis, e um sempre se confundia com o outro, como uma Hidra “as avessas”, ou seja, dois corpos com uma cabeça. Ao ferir de morte a cabeça, matou-se os dois corpos, o do despotismo (Poder Absolutista) e das superstições (Poder Eclesiástico).

Neste momento da história, os seres transcendentes deixaram de existir, e a raça humana, de forma figurada, claro, pôs um dos pés do oitavo dia da criação. Não precisávamos mais nos espelhar nos Santos, nos anjos e nem mesmo em Deus. Perdemos o sentido da vida, e com isso deixamos de ter um norte seguro, e foi essa a pior de todas as heranças que recebemos dos revolucionários franceses, pois sem uma “espécie” superior a nós para usarmos como modelo ideal, passamos a olhar para outros homens em busca desse referencial perdido.

Diluindo-se a autoridade de Deus, assim como seu modelo para nós, homens, aumentamos nossa fé em nossa própria espécie, crentes que, de alguma maneira, transferimos parte da onipotência divina às ideias, que por sua vez brotam da cabeça de homens. Nossa idolatria foi desviada a seres de carne e ossos, pois dessa forma sentimos mais segurança (falsa segurança) em manifestar nossa fé, e foi esse sentimento que permitiu as gerações passadas promoverem a ascensão de ditadores, como Hitler e Mussolini, que chegaram ao poder “nos braços do povo”. Contudo, aparentemente ainda não aprendemos as lições daqueles eventos, pois continuamos nutrindo fé em homens, e o pior, continuamos dando-lhes cada vez mais poder. Basta olharmos para a nossa pobre (e corrupta) América Latina, que constataremos isso em “seu esplendor e glória”.

Toda história, quando analisada com imparcialidade e isenção de paixões – algo raro nos dias atuais -, apresenta lições que, se seguidas, podem evitar a repetição dos erros passados. Isso aplica-se tanto na “micro história (nossa própria história)”, quanto na “macro história (história da humanidade)”. Do entendimento dessa lição, brota a prudência, ou seja, a maior virtude possível a um político e a um eleitor.

Alisson Berkenbrock

Graduado em licenciatura em sociologia e em Gestão pública. Acadêmico de direito. Liberal, leitor de Guy Sorman, Thomas Sowell e Mises. Atualmente atua na área de processos administrativos.

 

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