No marketing de vendas, a embalagem do produto é um aspecto fundamental para decisão de compra do consumidor. Através dela, cria-se uma ligação positiva entre os clientes e a marca, através das emoções. Em alguns momentos, um produto pode não apresentar uma demanda alta, por não despertar o desejo dos clientes, e uma troca no design e formato da embalagem, seguido de uma campanha de divulgação nas diversas mídias, pode ser o gatilho para trazer demanda ao produto.
O mesmo raciocínio pode ser aplicado à teoria macroeconômica. Até alguns anos atrás, era inimaginável ver grupos políticos importantes defendendo o endividamento infinito do Estado; a impressão de moeda em grandes quantidades e o desequilíbrio fiscal, com os gastos superando as receitas por margem grande. Porém, nos últimos anos essas ideias foram ressuscitadas sob uma nova roupagem: a Teoria Moderna da Moeda (MMT, na sigla em inglês).
Baseados no exemplo de países como EUA, que aumentaram sua base monetária e endividamento sem observar um aumento na inflação, esses teóricos passaram a defender a aplicação do tal modelo. Quase metade do Partido Democrata, por exemplo, já aceita a MMT como guia para um eventual governo a partir de 2021. Com a velocidade da difusão de informações, esse modelo está chegando em outros países, sendo o Brasil um deles.
Por aqui, há quem use a MMT para negar a necessidade do país promover reformas em busca do equilíbrio fiscal, defender uma redução ainda maior na taxa básica de juros e o uso de endividamento para financiar gastos sociais. De acordo com a teoria, um país que emite a própria moeda não tem risco de ir à falência. Além disso, o nível de moeda em circulação não é causa de outras variáveis econômicas, mas sim consequência.
Irracionalidade ou amnésia, não dá para saber o que justifica a volta, com força, dessas ideias. Seus defensores parecem esquecer diferenças básicas, porém de extrema importância entre os países. Por exemplo, o nível de poupança interna dos países. No Brasil, este nível oscila próximo ao patamar de 15% do PIB. Na Alemanha, chega próximo de 25%. Também há o nível de riqueza, que em países ricos supera o PIB, enquanto no Brasil é praticamente o PIB. Em um texto publicado pelo próprio Terraço, esses elementos são bem explicados.
A própria história recente do Brasil é ignorada pelos defensores da MMT. Nem faz 30 anos que nos livramos da inflação anual na casa dos três dígitos. Durante o processo de estabilização, foi necessário adotar o tripé macroeconômico, que consiste em metas de inflação, câmbio flutuante e superávit primário. Por 10 anos, o Brasil conseguiu crescer, obter avanços sociais e reduzir a relação dívida/PIB aplicando os preceitos do tripé. Bastou o governo Dilma Rousseff afrouxar a política monetária, aumentar os gastos públicos e reduzir a arrecadação através de subsídios e desonerações, para que a inflação já voltasse a patamares altos, passando de 10% em 2015 e ainda nos colocando em uma gravíssima crise econômica, da qual ainda estamos patinando para sair.
A embalagem do inflacionismo até pode ser nova, com verniz de produto importado, novo e que visa quebrar o “consenso” existente atualmente. Sem ilusões. Na prática, a adoção dessas ideias vai representar a ida desembestada do Brasil rumo ao colapso econômico e social. Um olhar atento ao histórico brasileiro já seria suficiente para espantar esse receituário, porém, dado o nível de desonestidade no debate econômico, aliado às vontades de diversas corporações em manter privilégios que dependem dos gastos públicos elevados, permite que essas ideias velhas e absurdas sejam levadas a sério e ganhem um ar de renovadoras.
O importante numa política de equilíbrio câmbio/juros/crescimento econômico/dívida pública é caminhar numa direção de resultados consistentes no médio prazo (nem esperar resultados já de imediato, nem mirar longe demais até obter os primeiros dividendos). Nesse sentido, num cenário de desequilíbrio fiscal grave, dívida crescente e dominância fiscal na política de juros, mais importante do que o raciocínio simplista de “gastar menos que arrecada”, é ter um plano de transição do quadro 1 (gastos públicos que essencialmente desestimulam poupança e fomentam o consumo não-durável) para o quadro 2 (gastos públicos que projetam aumento de riqueza, especialmente em infraestrutura, tecnologia, bens duráveis), com redução gradual da proporção entre dívida pública e poupança nacional (pública e privada). Ao invés de se partir pra um “déficit zero” da noite pro dia (meta inatingível na prática, sem se ferir direitos adquiridos e sem um custo político e social brutal), o ideal é mirar um horizonte de 5 ou 10 anos de melhoria na qualidade do gasto público, o que passa por aperfeiçoar a escolha dos projetos de investimento PPP e em combater privilégios (ainda que de forma mais gradual, diluindo o custo político de modo a viabilizar esse combate). É a junção dos critérios técnicos e políticos numa síntese que viabilize um ajuste fiscal sustentável no médio prazo – sem asfixiar a economia no curto prazo. Nem Fla nem Flu. A virtude está no meio.