A política brasileira e o Gato de Schrödinger

Os eventos recentes de denúncias de corrupção e superfaturamento nos contratos de vacinas são apenas uma adição marginal na rica história deturpada da política brasileira. De alguma forma, sinto que a grande maioria de nós, brasileiros cansados, estávamos apenas aguardando quando um escândalo desse tipo eclodiria. Poderia me alongar nas origens da corrupção brasileira e as características históricas que condicionam esses episódios recorrentes, mas não é o objetivo deste curto texto. Gostaria de falar, na verdade, sobre as consequências dessas características históricas.

Não é necessário escrever muito sobre como estabilidade política fomenta crescimento econômico. Estabilidade permite planejamento de longo prazo, planejamento permite investimento, investimento gera riqueza, riqueza gera bem-estar. O caminho é bem mais complexo do que o exposto, é claro, mas a ideia não foge muito disso. Ou seja, estabilidade é chave. Podemos enriquecer o argumento com dados:

Fonte: Elaboração do autor.

O gráfico acima é uma regressão linear simples que mostra a relação de uma medida de risco contra expropriação e PIB per capita. Por que risco de expropriação? Nesse caso, é uma proxy para qualidade institucional e estabilidade política. O que vemos é uma clara correlação entre estabilidade política e riqueza*. Logo, quanto mais estáveis são nossas instituições políticas, maior é a chance de sermos ricos em algum ponto do futuro.

Com isso, podemos retornar ao cerne deste texto. A política brasileira pode ser comparada com o célebre experimento mental de Schrödinger. A ideia deste experimento é uma das bases da física quântica e tem como lógica, de forma muito simplificada, um gato em uma caixa. Dentro desta caixa tem um frasco de veneno que pode ou não ser liberado dependendo de um evento aleatório, neste caso, o decaimento de um núcleo atômico. A questão é; não sabemos se o gato está vivo ou morto até abrirmos a caixa. Enquanto isso, o gato está vivo e morto. Quem matará ou salvará o gato é o observador do experimento, que abrirá a caixa.

O mesmo se aplica para as instituições políticas brasileiras. Não sabemos se elas estão vivas ou mortas até abrirmos a “caixa”. Nós somos o observador angustiado que poderá matar o “gato” ao abrir a “caixa”. E encontramos um gato morto com muito mais frequência do que um gato vivo.

Essa instabilidade da situação política brasileira é absolutamente corrosiva para economia e sociedade. O fato de ficarmos sempre apreensivos com o que encontraremos dentro da caixa executivo/parlamentar é um obstáculo monumental que impede o progresso do Brasil. E, como brevemente citado no começo do texto, estabilidade é imprescindível para uma sociedade rica e próspera e, infelizmente, estamos longe dessa realidade. Nossa realidade, aliás, é uma superposição quântica (termo estruturado graças ao experimento de Schrödinger); ora está tudo bem, ora está tudo pegando fogo.

Os problemas do nosso país são muito mais complexos do que a metáfora que eu apressadamente apresentei. Como já advoguei em textos passados, nossas falácias institucionais são extensas e profundamente enraizadas na sociedade brasileira. É muito difícil quebrar uma inércia histórica de corrupção e relações político-sociais deturpadas e, a medida que isso não acontece, podemos esperar mais escândalos no futuro, independente de partido e afiliação. Enquanto o futuro for incerto, o presente será caótico.

João Mercadante

Formado em Ciências Econômicas pelo Insper e é economista na Apex Capital.

Nota

*Para afirmar causalidade, é necessário testes de hipóteses, algo que Acemoglu, Johnson e Robinson fizeram e confirmaram em 2001.

 

 

 

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