Nobel 2000: James Heckman | por Rodrigo Oliveira e Vinícius Mendes

VIDA

Quando se fala da Escola de Chicago em economia, sempre se associada às contribuições no campo da macroeconomia, onde se faz uma forte defesa do livre mercado e das ideias liberais. Tendo como figura mais proeminente Milton Friedman, a escola formou diversos profissionais, os Chicago Boys, e influenciou o pensamento econômico em todo o mundo. Contudo, outra revolução acontecia na Escola de Chicago, a revolução empírica na microeconomia aplicada, que liderada por Gary Becker e posteriormente James Heckman, foco deste artigo.

James J. Heckman é o Henry Schultz Distinguished Service Professor of Economics na Universidade de Chicago. Com graduação em matemática e doutorado em economia pela Universidade de Princeton em 1971, James Heckan se tornou uma das maiores referências no campo da microeconomia aplicada, recebendo o prêmio Nobel no ano de 2000, em conjunto com Daniel McFadden. Além disto, ele é o atual editor do Journal of Political Economy, é membro da National Academy of Sciences, da Econometric Society, da Society of Labor Economics and the American Statistical Association, e associado da American Academy of Art and Sciences.

Suas publicações mais antigas, a partir de 1974, permeavam tanto contribuições à econometria teórica, debatendo modelos com truncagem, quando não se observa dados de uma parte da população, seleção amostral, economia do trabalho tanto com foco na oferta de trabalho, quanto em capital humano e equação de Mincer. Ao longo das décadas de 1980 e 1990, Heckman contribui para a literatura de inferência causal e suas aplicações, numa área denominada por economistas de microeconomia aplicada, seu uso da microeconometria e consolidação da área de avaliação de políticas. Há suas contribuições para a literatura de demografia econômica, com artigos sobre ciclo de vida, fecundidade e um capítulo sobre análise longitudinal em um livro sobre análise de coortes e modelos de idade-período-coorte. A partir da década de 2000, Heckman, além de manter suas contribuições para a literatura econométrica, inaugura a agenda de pesquisa de desenvolvimento humano, com artigo clássico sobre habilidade cognitivas e não cognitivas (socioemocionais). Esta lupa no potencial humano pode ser acompanhada pelo site heckmanequation.org. A equação de Heckman é sintetizada em:

CONTRIBUIÇÃO E PRÊMIO NOBEL: A SELEÇÃO DE HECKMAN

A premiação de Heckman e Daniel MacFadden nos anos 2000 marca o reconhecimento da microeconomia aplicada como um dos importantes campos da ciência econômica moderna, campo este que atualmente é um dos que mais se desenvolve e que também resultou no prêmio Nobel de Economia em 2019. Como escreve o próprio Heckman, nas notas de aula baseadas em seu discurso do Prêmio Nobel:

“A área da microeconometria surgiu nos últimos 40 anos para ajudar os economistas a fornecer descrições mais precisas da economia, no desenho e avaliação de políticas públicas e em testar teorias econômicas estimatimando parâmetros definidos em modelos econômicos. É uma área científica dentro da economia que conecta a teoria do comportamento individual aos dados individuais, onde os indivíduos podem ser empresas, pessoas ou famílias.”

E mais importante ainda para o que conhecemos e como trabalhamos atualmente em economia aplicada, Heckman destaca: 

“Pesquisa em microeconometria é baseada em dados. A disponibilidade de novas formas de dados levantou desafios e oportunidades que estimularam todos os desenvolvimentos importantes na área e mudaram a forma como os economistas pensam sobre a realidade econômica.”

Isso mostra como o pensamento de James Heckman já estava a frente do seu tempo. Contudo, apesar de seu conjunto da obra já torna-lo apto à esta honraria, sua grande contribuição foi a famosa Equação de Correção de Heckman. Na pesquisa em microeconomia aplicada o grande desafio é lidar com o que chamamos de viés de variáveis não observadas, que em alguns casos podem ser chamados de viés de seleção. Isso decorre do fato de que muitas vezes observamos apenas parte dos dados que explica nosso problema. Mais precisamente, imagine a decisão de entrar no mercado de trabalho. Sabemos que diversos fatores que conseguimos observar explicam essa decisão, como idade, nível de escolaridade, gênero, raça, etc. Contudo, existem outros fatores que não são observados que também afetam essa decisão, como por exemplo o fato de as mulheres dentro de uma sociedade patriarcal acabarem assumindo mais funções dentro do lar e da família. Esta ideia pode ser pensada por um pequeno modelo com duas equações:

A primeira equação relaciona salário com educação. Se 1 for 0,10, então os dados desta economia sugerem que ao se tomar a decisão de estudar um ano a mais, o indivíduo receberá um prémio no salário com um aumento de 10%. A segunda equação é uma equação de participação e, em nosso exemplo, seria uma equação de participação no mercado de trabalho. Como observamos o salário (wi) apenas de indivíduos que estão no mercado de trabalho ( ocupado=1) e não observamos os salários dos indivíduos que estão desempregados (ocupado=0), a segunda equação tem como papel fundamental explicar, através de informações observadas pelos pesquisador (idade, por exemplo) e de informações não observadas pelo pesquisador (erro) o que determina um indivíduo estar empregado ou não no mercado de trabalho. Suponha que um fator muito importante nesta história toda seja habilidade e esta habilidade não é observada pelo pesquisador. Habilidade impacta nos salários dos indivíduos e, por não ser observada, é capturada no erro. O que isto quer dizer? No geral, indivíduos mais habilidosos tendem a ser mais educados. Mas suponha que dois indivíduos com baixa escolaridade tenham dois comportamentos diferentes. Um é muito habilidoso com vendas e mesmo sendo pouco educado, consegue vender um produto com muita facilidade. O outro não tem habilidade com vendas. Assim, conseguiríamos ver na prática dois indivíduos com mesma educação, mas com salários diferentes e esta diferença é explicada pela habilidade. Na nossa primeira equação, quem estaria explicando esta diferença de salários entre estes dois indivíduos seria o Erro (1), ou seja, uma vez não observada, a habilidade estaria neste erro.  

No entanto, esta mesma habilidade pode simplesmente influenciar na participação no mercado de trabalho. Suponha que o dono da loja precise demitir um de seus funcionários. Ele olha para os dois funcionários, o que tem habilidade com vendas e o que não tem tal habilidade, e decide demitir o menos habilidoso. Observe que nesta economia há, agora, uma seleção em nossa amostra: o indivíduo mais habilidoso, que vende mais, é mais produtivo e recebe o maior salário continua trabalhando enquanto o indivíduo menos habilidoso, menos produtivo e que recebe o menor salário saiu de nossa amostra. Logo, existe um viés de seleção amostral!

Qual foi a contribuição do Heckman então? Uma vez que habilidade influencia tanto o erro na equação 1 (mais habilidoso, maior salário) quanto o erro na equação 2 (mais habilidoso, maior probabilidade de estar empregado), estes erros estão correlacionados por esta habilidade não observada. Assim, a chamada Correção de Heckman sugere que os pesquisadores precisam primeiro modelar a participação. Literalmente estimar qual é a probabilidade de estar empregado no mercado de trabalho. Observe que neste primeiro momento, todos entram na conta, o indivíduo que continua trabalhando e aquele que foi demitido. Após se calcular a probabilidade de estar empregado, usa-se este cálculo na segunda etapa quando usamos apenas uma parcela de nossa amostra, aquela parcela de indivíduos empregados e que conseguimos observar seus respectivos salários. Os resultados encontrados na primeira etapa são usados na segunda etapa para “corrigir” este viés de seleção da nossa amostra. 

OUTRAS CONTRIBUIÇÕES

Apesar de sua já vasta contribuição, tanto no desenvolvimento de métodos, como na aplicação dos mesmos, Heckman passou a dedicar bastante tempo do seu trabalho ao estudo da economia da educação e, mais particularmente, a políticas voltadas à primeira infância. Os estudos sobre desenvolvimento na primeira infância são interdisciplinares, com pesquisadores da neurociência, psicologia e economia chegando a conclusões que se complementam. Em suma, os estudos apontam que é na primeira infância que o cérebro é mais maleável, se desenvolvendo de forma rápida e com alta capacidade de absorção. Na economia Heckman é, sem sombra de dúvida, a maior referência. 

O que os estudos de Heckman e seus coautores tem nos ensinado é que além das condições genéticas, condições do ambiente social, da família e das experiências que as crianças são expostas são fundamentais para o desenvolvimento cognitivo. Se argumento mais conhecido é que políticas educacionais focadas na primeira infância terão retornos muito mais elevados que políticas aplicadas em outras fases da vida. Nas palavras do autor:

“Investir em crianças mais vulneráveis é uma rara política pública que promove justiça social e aos mesmo tempo promove o aumento da produtividade da economia e da sociedade em larga escala. Intervenções na primeira infância com foco nas crianças vulneráveis possuem retorno muito maior do que intervenções em idades mais avançadas, como redução de tamanhos de classe, educação profissional, programas de reabilitação, etc. No atual nível de recursos, sociedades investem mais do que deveriam em políticas de correção/melhorias de habilidades e subinvestem nos estágios iniciais. (Science, 2006)”

A partir dos estudos de Heckman, como as avaliações de impacto de programas americanos referência na primeira infância como o Head Start e o Perry Program, bem como suas proposições de políticas com o argumento de que os investimentos na primeira infância são eficientes e distributivos, diversos pesquisadores e formuladores de políticas públicas em todo o mundo tem defendido políticas direcionadas às crianças, como programas de creches, políticas de transferências de renda condicionadas, pré-escolas, etc. Certamente, se em algum momento os estudos sobre a primeira infância derem origem a outro laureado, Heckman certamente será responsável por um pouquinho deste prêmio.

Notas:

Cameron & Trivedi (Microeconometrics Methods and Applications). Cambridge University Press; unknown Edition (May 9, 2005)

Flavio Cunha & James J. Heckman & Susanne M. Schennach, 2010. “Estimating the Technology of Cognitive and Noncognitive Skill Formation,” Econometrica, Econometric Society, vol. 78(3), pages 883-931, May.

Heckman, J.; “Skill Formation and the Economics of Investing in Disadvantaged Children,” Science, 312 (5782): 1900-1902. 2006.

Heckman, James J, 1979. “Sample Selection Bias as a Specification Error,” Econometrica, Econometric Society, vol. 47(1), pages 153-161, January.

James J. Heckman, 2000. “Causal Parameters and Policy Analysis in Economics: A Twentieth Century Retrospective,” The Quarterly Journal of Economics, Oxford University Press, vol. 115(1), pages 45-97.

James J. Heckman, 2001. “Micro Data, Heterogeneity, and the Evaluation of Public Policy: Nobel Lecture,” Journal of Political Economy, University of Chicago Press, vol. 109(4), pages 673-748, August.

Heckman, James J., 2014. “Private Notes on Gary Becker,” IZA Discussion Papers 8200, Institute of Labor Economics (IZA).

Jeffrey M. Wooldridge: Introdução à Econometria – Uma abordagem moderna. Cengage Learning, 2016.

Jeffrey M. Wooldridge: Econometric Analysis of Cross Section and Panel Data. The MIT Press; second edition (October 1, 2010).

The Royal Swedish Academy of Sciences. The Scientific Contributions of James Heckman and Daniel McFadden (2000).

 

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