Leonardo Palhuca e Victor Candido [caption id="attachment_4437" align="aligncenter" width="580"] Sim senhores! Estou atento à convergência (não-linear) da inflação para a meta![/caption]
Era uma vez uma rolinha que passava os dias olhando atenta pela sua gaiola os gaviões que majestosamente voavam pela mata próxima à casa onde vivia. Alex, a rolinha, sonhava com o dia da liberdade e falava para si mesmo: “Um dia serei um baita gavião!” . Sua dona, Gilmara, não o deixava ser livre, o aprisionava. Até que no quinto ano em que dona Gilmara havia comprado Alex, ela deixou a gaiola aberta e Alex se libertou do espírito de rolinha e começou a se comportar como um verdadeiro gavião!
No vocabulário econômico em inglês, os termos dove e hawk são usados para designar banqueiros centrais que são mais tolerantes ou mais severos com a inflação, respectivamente. Como não temos a tradução dos termos para a nossa fauna, decidimos que um banqueiro central tolerante com a inflação é uma rolinha e o banqueiro central mais firme contra a inflação é o gavião!
Se o título e a fábula não faziam sentido, após a explicação dos termos você já deve ter em mente que estamos falando do Banco Central do Brasil.
Durante seu mandato como Presidente do Banco Central, Alexandre Tombini (não somente ele, mas todos os membros do COPOM) demonstrou um comportamento mais parecido com o da rolinha no combate à inflação. O gráfico abaixo mostra o que aconteceu com o IPCA – o índice usado para a meta de inflação – e a taxa básica de juros, a Selic.
[caption id="attachment_4438" align="aligncenter" width="648"] Fonte: Banco Central do Brasil. Elaboração própria.[/caption]Enquanto o IPCA subia a partir de maio de 2012 a Selic caia, numa complacência com a inflação. Mas ultimamente o Banco Central vem dando sinais de que o combate à inflação é urgente e vem atuando de forma mais rigorosa, mesmo com a economia brasileira andando para trás. O que aconteceu para que a rolinha se transformasse em gavião? Para isso, precisamos de um pouco de teoria econômica. Vamos lá!
Um dos modelos mais usados para explicar a necessidade de algum conjunto de regras que restrinja a atuação do governo na geração de inflação é o de Barro-Gordon. A ideia principal: como as autoridades fiscal e monetária divergem quanto ao nível de pleno emprego (a autoridade fiscal o superestima, enquanto a monetária o subestima), haverá uma tendência de a autoridade fiscal aumentar o nível de emprego com o simples artifício de aumentar a demanda e imprimir dinheiro – gerar inflação – para pagar o que consome. O que o governo pensa: vou gastar mais, aumentar a demanda e isso puxará o emprego e, para gastar mais, preciso de mais dinheiro que obtenho na impressora da sala ao lado.
Há certo consenso (pelo menos entre aqueles que preferem não brigar contra evidências) que esse mecanismo de aumentar a inflação para gerar emprego tem efeitos de prazo muito curto e somente sob certas circunstâncias. O próprio modelo de Barro-Gordon indica que o nível de emprego só será alterado caso o aumento da inflação pegue os agentes econômicos de surpresa. Se os agentes esperam que o governo usará a impressora de dinheiro, o resultado final será somente maior inflação com o mesmo nível de emprego. Alex, então rolinha, tentou em conjunto com a autoridade fiscal, mas se decepcionou. Acabamos com mais inflação e sem crescimento econômico.
Na tentativa de evitar tal fenômeno, diversos mecanismos foram pensados: (i) delegação da política monetária a uma autoridade legalmente independente, (ii) contratos de incentivos com os dirigentes da política monetária caso cumpram os objetivos traçados, (iii) regime de câmbio fixo que atrela a política monetária à de um país com maior credibilidade ou, então, (iv) regime de metas de inflação, com o qual Alex sempre simpatizou, mas sua dona Gilmara ficou por quatro anos falando para ele que aquilo não limitava seus potenciais “gaviônicos”, quando na verdade só o tornava mais rolinha…
E então, a rolinha percebeu que para virar gavião precisa agir?
Bem, tomando os últimos boletins Focus do Banco Central fica evidente que as expectativas de inflação não estão ancoradas na meta definida pelo Conselho Monetário Nacional (CMN). Raramente os agentes econômicos citam como expectativa de inflação os 4,5% (agora 4% para o ano de 2017). Nesse quesito, o Banco Central precisará abrir bem as asas de gavião para tentar mover as expectativas para a meta. Isso só será possível se os agentes econômicos acreditarem que a rolinha virou gavião, o que também chamamos de credibilidade.
Quanto a esse ponto, não há dúvidas sobre a capacidade intelectual do time que comanda o Banco Central do Brasil. São economistas muito bem capacitados e que contribuíram sobremaneira para o estabelecimento e continuidade do sistema de metas de inflação. Porém, os mandos e desmandos permitidos pela não independência formal do Banco Central minou a credibilidade no combate à alta de preços. Claro que parcela de culpa cabe aos cabeças do Banco Central por tolerarem as interferências e “terceirizar” seu trabalho de combate à inflação para o controle de preços administrados (nos anos 2013 e 2014).
Com a perda de credibilidade, fica mais difícil recolocar a inflação na rota da meta de 4,5%. A velha história do menino e do lobo! Se o Alexandre Tombini disser: “agora vai! Agora a inflação vai para a meta, confiem em mim, sei o que estou fazendo!”, é bem capaz que ninguém acredite, mesmo que as credenciais econômicas do nosso presidente do BC sejam das melhores e que as ações no combate à inflação sejam mais rigorosas
A tese de que simplesmente ser um gavião aumenta a credibilidade da autoridade monetária foi explicada por Kenneth Rogoff que argumenta a favor da indicação de um presidente do banco central totalmente comprometido com o nível de preços, sem dar a mínima para outras variáveis (como nível de emprego, taxa de câmbio ou qualquer outra distração). Indicar alguém famoso por ser um gavião é uma forma de criar expectativas que o Banco Central manterá a inflação na meta (vejam o exemplo da Índia ao indicar Raghuram Rajan para o cargo ou de Israel ao nomear Stanley Fischer para presidir seu Banco Central). A ideia é justamente trazer credibilidade para o Banco Central e diminuir a necessidade de grandes elevações da taxa de juros para controlar a inflação. Mostrar que o Banco Central é comandado por um gavião é, então, uma boa tática.
Porém, já observamos os 4 anos que a rolinha ficou na gaiola (ou o passado da atual diretoria do Banco Central do Brasil) e que foi reconduzida para a tarefa de controlar os preços durante o segundo mandato da Dona Gilmar…ops, da Presidenta Dilma. Não se parecem com o que Rogoff chama de “tough central banker“.
Se a rolinha quer mesmo se transformar em gavião, o ciclo de aumento da Selic deve continuar mesmo com o país em recessão e com o desemprego subindo. Se tivesse saído da gaiola mais cedo, talvez o aperto monetário não fosse necessário nesse período turbulento para a economia brasileira.
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