Aécio não é FHC e a história não anda em círculos

Por Victor Candido

‘Para que serve um advogado honesto quando o que você precisa é de um advogado desonesto?’

Com a primeira pesquisa pós primeiro turno revelando Aécio Neves na frente de Dilma Rousseff é de se esperar que venha “chumbo grosso” de ambos os lados no horário eleitoral, propagandas que vão desde do petrolão até banqueiros tirando comida da mesa da família brasileira. De fato um horror intelectual, porém, como instrumento de marketing, tem lá suas eficácias.

Venho nesse texto discutir um dos argumentos mais usados pelo lado vermelho da força, que insiste em dizer que um possível governo Aécio Neves seria um novo período FHC. De fato uma linha de argumentação irrestritamente louca. Pintam uma imagem de liberal maluco, um anarcocapitalista que entregou o Brasil as garras do capital financeiro, juros estratosféricos e sucateou a máquina pública só para ver o mundo pegar fogo, a seu bel prazer.

A maioria das pessoas não entende, por simples desconhecimento dos fatos, que eram tempos diferentes aqueles enfrentados por Fernando. Assim que assumiu o poder em 1995 a nação começava a se recuperar da alta inflação pelo remédio do plano real e, analogamente a qualquer medicamento, efeitos colaterais sempre acontecem e precisam ser gerenciados. O plano consistia basicamente de uma moeda indexada (unidade real de valor) que funcionaria em conjunto com o cruzeiro, apenas como unidade de conta e contrato, não circularia. Tal mecanismo serviu para trazer de volta a economia a relação preço versus valor, que foi totalmente deturpada pela alta inflação. Sabia-se o preço mas não o valor realista de um bem. E para que o processo de contenção de preços funcionasse foi preciso a âncora cambial, a famosa paridade real-dólar, que perdurou até 1999 quando a crise cambial aconteceu e precisaram ‘soltar’ o câmbio, ou seja, deixá-lo flutuar. Para que o dragão inflacionário continuasse adormecido, adotamos o moderno sistema de metas de inflação (inflation target), consolidando de vez o tripé macroeconômico, que até 2009 vinha sendo o grande norte na condução da política monetária nacional. Ou seja, a casa foi colocada em ordem, o que teve lá seu custos.

Ainda na esfera do plano real, existe a acusação de que no governo FHC diversos bancos tiveram problemas de solvência, inclusive a Caixa Econômica Federal e o Banco do Brasil, um argumento que tem sido usado na campanha petista, inclusive pelo ministro Guido Mantega no debate com o ex-presidente do banco central e já indicado ministro da fazenda de uma possível administração Aécio Neves, Armínio Fraga. A verdade é que, ao fim da inflação, diversos bancos deixaram de ter o seu ganha pão garantido, muitos deles eram parasitas do processo inflacionário e uma vez que a maré baixou se viu quem nadava pelado. Alguns bancos foram vendidos, outros executados, e um plano de saneamento e capitalização dos bancos foi feito, o PROER. Fica claro ver que a crítica a FHC na esfera dos bancos é infundada e descarta totalmente o contexto econômico da época. Fora ainda que o tão demonizado setor bancário, pelo atual governo, vivia as custas de uma terrível inflação que penalizava fortemente os estratos sociais mais baixos. Os bancos estaduais, com administrações subjugadas as vontades de governadores irresponsáveis, foram resgatados e privatizados, pondo fim ao oba-oba do orçamento monetário desfrutado pelos estados.

Acusam o governo FHC de terem cortado gastos em diversas áreas, soma-se a esse argumento também as privatizações como se fosse uma jabuticaba psdebista, quando, na verdade, o processo se iniciou na gestão Collor-Itamar. As privatizações inegavelmente trouxeram ganhos financeiros e de bem estar social bastante elevados. Se os processos de leilão foram feitos de forma ineficiente, os ganhos de eficiência que tais empresas pagaram múltiplas vezes essas possíveis omissões, até hoje não comprovadas. Aliás se o seu serviço de telefonia celular já é sofrível hoje, imagina como seria um serviço de internet móvel de uma hipotética Telebrás?

Privatizações, liberalização cambial e o tripé macroeconômico, tudo isso cheira a ortodoxia não é mesmo? Então o tamanho do estado diminuiu? Não. Desde de 1988 o gasto público em proporção do PIB nunca deixou de crescer. A constituição de 88 criou um contrato social de um Estado provedor universal de saúde, segurança e educação, o que gerou a necessidade de imensos fluxos de recursos para a concretização desses serviços.

Outro argumento é que o gasto cresceu para pagar os ‘banqueiros’ e que nada foi pro gasto real do governo. Mentira, a despesa corrente da união (exceto juros e encargos da dívida) cresceu quase 100% entre 1995-2002. Mas os psedbistas explodiram a dívida pública, ela cresceu uma barbaridade! De fato cresceu, e não só ela, a carga tributária também, pois a dívida irresponsável do estados foi absorvida pelo governo central, fora a provisão universal dos serviços públicos e os gastos de colocar a casa em ordem, inclusive o socorro feito aos tão falados bancos públicos, coqueluches do atual governo. E também entrou na conta da dívida pública dívidas omissas de governos passados, a grande maioria da era militar, um avanço na transparência. Tudo um princípio de equivalência Ricardiana ou tributa agora ou emite dívida pra pagar depois. No Brasil, é o mix malvado, tributa e se endivida.

Para fechar a cortina de acusações chulas contra FHC podemos analisar a última propaganda que a campanha Dilma lançou, na qual ela acusa a gestão FHC-Armínio Fraga de ter entregue o Brasil com uma inflação corrente na casa de 12% em 2002. A explicação é simples, com o cenário de uma vitória petista ficando cada vez mais claro, as expectativas subiram no telhado, capitais fluíram em farto volume para fora do país e o dólar explodiu para a casa de R$4,00, em outras palavras, uma crise de confiança se espalhou, o pânico só não foi geral, porque FHC organizou uma transição política magistral e coordenou ativamente com a diplomacia brasileira e com os principais líderes políticos do PT. Sim, isso mesmo, trabalharam juntos para evitar um desastre.

Não estou aqui defendendo um lado para essas eleições, muito menos um partido, mas sim a verdade e a honestidade intelectual dos fatos. Não é possível que em pleno ano 2014, com a imensa difusão informacional das redes sociais, pessoas ainda engulam mentiras tolas, idéias foras de contexto e ataquem de forma infantil um dos homens mais importantes que o Brasil já teve, Fernando Henrique Cardoso.

Agora te convido a um exercício intelectual. Primeiro entendemos que Aécio Neves não é FHC, a volta do PSDB em 2015 não significa uma viagem ao tempo de volta aos anos 90, de fato ruins comparados ao hoje, logicamente muito melhores a sombra dos anos 80 e que a próxima década seja significantemente mais proveitosa que a atual. A história é entrópica, se movimenta em uma direção apenas, nunca se viu calendários sendo reaproveitados.

Talvez o PT esteja reinventando a física teórica, para eles possa ser que exista uma dimensão onde o tempo faz volta, se move em círculos, como insiste Dilma Rousseff.

[caption id="attachment_1854" align="aligncenter" width="300" class=" "] Para Dilma Roussef o tempo é elástico, no melhor estilo Salvador Dalí[/caption]

Notas:

Para uma análise mais técnica e qualificada que a minha recomendo estes dois textos(aqui e aqui) excelentes, sobre metas de inflação e seu funcionamento no Brasil, um assunto já largamente discutido por este humilde blog.

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