Afeganistão: um outro Vietnã para os EUA?

Cabul caiu. Após seguidas vitórias e cidades importantes dominadas pelo Talibã, a capital afegã era a última instância para consolidar o avanço do grupo que domina novamente o país.

Em julho de 2021 as tropas dos Estados Unidos e da OTAN abandonaram a última e mais importante base militar usada pelo Exército norte-americano no Afeganistão, a base militar de Begram, demonstrando o encerramento efetivo das operações militares no país, na guerra mais longa da história americana, após quase 20 anos de conflito e presença militar.

A retirada formal das tropas norte-americanas terminaria em 31 de agosto, mas o desmantelamento militar veio se tornando efetivo pelo menos desde julho. Essa retirada militar somente abriu caminho para o avanço do Talibã em todos os territórios do Afeganistão, e em uma semana a milícia islâmica já havia assumido o controle de seis capitais, em uma série de conflitos e desestabilização do governo que já podem ser classificados como uma guerra civil.

Os Estados Unidos acusaram o Talibã, que governava o Afeganistão em 2001 (ano de início da imersão militar americana no país), de dar abrigo a Osama bin Laden e líderes importantes da Al Qaeda responsáveis pelos atentados terroristas daquele ano, e por isso iniciaram a coalizão internacional destinada a erradicar o grupo, que governava o Afeganistão nas rígidas interpretações e regras da doutrina islâmica. Bin Laden foi morto em 2011 e a Al Qaeda quase destruída, com potencial de se reerguer nos próximos anos. O Talibã, por sua vez, sempre foi um grupo resistente e forte, difícil de combater e compreender, por ser um grupo culturalmente diverso, historicamente militar e principalmente pelas características geográficas únicas do país, características quais o Talibã sempre soube utilizar muito bem nas batalhas traçadas com as forças americanas.

O grupo conseguiu o controle da maioria das principais capitais menos de um mês após o início da retirada das tropas americanas, depois de ter conquistado Kandahar e Herat, as segunda e terceira maiores cidade do país, cidades fundamentais para a economia, gestão e logística, e também para o tráfico internacional de ópio, uma das principais fontes de financiamento para o Talibã e outros grupos terroristas.

Nesse curto período de tempo, o Talibã já controlava cerca de 70% do Afeganistão e pelo menos ameaçava tomar todas as outras capitais provinciais. A capital, Cabul, que ainda não tinha sido diretamente atacada, já estava sitiada, com fuga do presidente do país e com ministros do até então governo em exercício falando sobre uma transição pacífica de poder.

Relatórios dos serviços de inteligência americanos e europeus evidenciavam que após a saída das tropas americanas o Talibã somente iria estruturar-se no Afeganistão, e que o governo afegão teria dificuldades consideráveis para contê-los. E o poder dos talibãs só se consolida cada vez mais.

Na China, o encontro entre líderes do Talibã e o ministro das Relações Exteriores chinês, só reforça que o governo chinês aceita esta milícia como governo em exercício no Afeganistão e força orientadora no processo de reconstrução do país após a tomada de facto do poder.

Os interesses do Partido Comunista Chinês são evidentes. A queda da influência americana no país com a ascensão da milícia somente permite aos chineses ampliar seus interesses econômicos, em uma nação pobre e com potencial para receber investimentos e infraestrutura. As portas para integrar esse país em sua Nova Rota da Seda, a poderosa rede de influência e infraestrutura com a qual pretende estender por boa parte do mundo. O Corredor Econômico Chinês que surge com um governo paquistanês alinhado a Pequim com o objetivo de abrir uma via de acesso terrestre e mais influência direta a mercados como o Irã e toda a Ásia Central.

Acerca dos valores da guerra, o Watson Institute, da Universidade Brown, realizou um estudo mostrando que a Guerra do Afeganistão já custou aos EUA pelo menos US $ 2.261 trilhões, indicando ainda que esses custos são subestimados, pois os números não incluem o dinheiro que os americanos são obrigados a pagar em custos futuros de saúde para veteranos dessa guerra, nem os juros dos empréstimos para financiar a guerra afegã.

Além, claro, dos custos humanos. A análise estima que 241.000 pessoas perderam suas vidas na Guerra do Afeganistão, incluindo 2.442 membros do serviço militar norte-americano, quase 4.000 contratados dos EUA e mais de 71.000 civis. E, de novo, esses números são provavelmente subestimados, pois não incluem mortes indiretas devido à fome, ferimentos, falta de medicamentos e saneamento, e muitos outros danos mais causados pelos conflitos.

Duas décadas de guerras depois, gastos exorbitantes e milhares de vidas perdidas, como no Vietnã, os EUA saem sem chegar a nenhum lugar mais evidente. Mais enfraquecidos e com menos influência no mundo, os Estados Unidos não veem outra forma para encerrar o conflito a não ser simplesmente sair dele. Mas, dessa vez, deixam para trás milhares de civis à sua sorte, duas gerações inteiras de homens, mulheres e crianças que não compreendem como será viver em um país governado pelo extremismo islâmico, à mercê de uma milícia cruel que irá suprimir as liberdades individuais e todos os avanços arduamente conseguidos no país até então; avanços e liberdades quais sempre pregaram ser os mantenedores no mundo. Para os americanos a história se repete, a primeira vez como uma tragédia, a segunda vez como uma farsa.

 

 

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