Por Terraço Econômico
Eventos globais e de grande porte, como Copa do Mundo, Olimpíadas, ou datas festivas como Natal, Ano Novo e Carnaval são ótimas oportunidades para os que querem cometer crimes: no Brasil podem ocorrer “arrastões” nas praias do Rio, aumento do turismo sexual, do tráfico de drogas, e por aí vai uma lista longa. No norte africano e leste asiático: rebeliões, protestos, assassinato de lideranças religiosas ou políticas. E também aí a lista é longa. Nos Estados Unidos, alguém para desabafar traumas, mata dezenas de pessoas em escolas, ou eventos públicos, ou um ataque terrorista e, mais uma vez, a lista é extensa. E, a respeito do que trata este artigo, a Europa agora também experimenta e vivencia grandes ondas de violência em cidades antes conhecidas por sua organização e segurança, como foi o exemplo do ano novo de Colônia na Alemanha, ou do carnaval de Veneza, na Itália. A lista é longa novamente.
Os incidentes nos eventos de final de ano e carnaval na Europa confirmaram os piores receios dos europeus nativos: que passassem de raros incidentes terroristas para o vandalismo rotineiro.
Só na cidade de Colônia foram mais de 200 ataques e assédio sexual durante o ano novo. Desde então, surgiram mais de 1000 denúncias de crimes cometidos por refugiados e imigrantes nesta mesma cidade [1]. Durante o carnaval fantasias foram “censuradas” pela polícia para não causar ‘mal entendidos’ e provocar quem está quieto. O mesmo ocorreu na Itália – não vamos querer brincar com fogo como fez Charlie Hebdo, não é mesmo?
O especialista geopolítico George Friedman fez uma análise contextual e histórica um tanto quanto interessante: segundo ele, é difícil, para países europeus como França, Alemanha, Holanda – construídos sobre cultura, língua e história milenares -, integrarem, em menos de um ano, mais de um milhão de refugiados de países distintos. É diferente do que seria, por exemplo, para os Estados Unidos: uma nação nova, construída sobre a ideia de imigração e que, apesar dos prós e contras das consequências desta, possuem relativa ‘experiência’ em lidar com imigrantes.
Para os que são contra a ‘política de braços abertos’ da Merkel, as ondas de violência cometidas por refugiados são o motivo que tanto esperavam para iniciar os protestos contra o fluxo de imigrantes. Para os que suportam a chanceler alemã, as crises são uma reação triste, porém, natural de um mix perigoso de culturas e que já era temida muito antes dos imigrantes começarem a entrar no país. Mas como disse Merkel: “nós podemos lidar com isso”.
Para um continente com mais de 700 milhões de pessoas, como é o caso da Europa, 2 milhões a mais não parece tão dramático. Entretanto, incluindo esse número no contexto acima, e somando ao fato da distribuição claramente desigual entre os países, 2 milhões fazem, sim, muita diferença onde se concentram.
Um enorme número de imigrantes é desafio social relevante nesta cultura insular. Se os outros países, tanto europeus como não europeus não colaborarem – exemplo da Turquia, que não demonstra esforço para honrar a palavra de que ajudaria a controlar o fluxo dos que por lá passavam com destino à Europa – a política de recepção de Merkel pode facilmente se desintegrar, e mais carnavais e finais de ano como estes virão.
Os problemas geopolíticos e demográficosEsperava-se que, com o clima de inverno, o fluxo de refugiados pela Grécia e Turquia diminuiria; mas os números não reduziram tanto assim. Neste mês chegaram à Grécia, diariamente, mais de 1.600 pessoas. Uma taxa mais elevada do que no ano anterior, quando a crise já estava em pleno andamento. Os controles de fronteiras impostos ao longo da rota dificultaram, mas não impediram a continuidade da jornada desse povo. Alguns foram pegos desprevenidos pelas regras mais rigorosas de asilo impostas por Merkel no outono passado, mas poucos desistiram.
Com esse fluxo [aparentemente] interrompível, a Europa pode encarar dois outros grandes problemas além da overdose de imigrantes: a disparidade do número de homens em comparação ao número de mulheres e a vinda de imigrantes “oportunistas”, de países pobres, porém, relativamente pacíficos como Argélia e Egito, aproveitando a trilha dos refugiados sírios e afegãos para tentar uma vida melhor na Europa.
O desequilíbrio de gênero
Desde os ataques em Colônia, vários especialistas argumentaram que a Europa está com um problema de ‘superlotação de homens’. Valerie Hudson, cientista político, argumentou que “as relações de sexo entre os migrantes são tão díspares que eles poderiam mudar radicalmente o equilíbrio de gênero nos países europeus em certos grupos etários, especialmente jovens.” [4]
Que há um desequilíbrio de gênero entre os refugiados, não há dúvidas. A questão é se esse desequilíbrio gerará conseqüências de fato significativas na Europa a longo prazo. De 1,2 milhão de requerentes de asilo no último ano, 73% eram homens, em comparação a 66% em 2012. De acordo com o Eurostat, a maioria entre 18 e 34 anos de idade.
Os números, no entanto, diferem por nacionalidade. E é justamente da Argélia e Marrocos, países que não estão em guerra, onde vem a maior parte do desequilíbrio nesta faixa etária. Cerca de 60% de todos os requerentes de asilo do sexo masculino vindos da Argélia e Marrocos têm de 18 a 34 anos. Em contrapartida, apenas 48% dos iraquianos, 38% dos sírios e 31% dos afegãos caiu nesta faixa etária.
A proporção de homens jovens também difere entre cada país de acolhimento. A Suécia levou três requerentes de asilo para cada 1.000 habitantes em 12 meses até setembro de 2015. Esta é a maior proporção na Europa.
- Hudson, falou à revista The Economist sobre o assunto no mês passado. Esse desequilíbrio irá alterar a razão de sexo para alguns grupos etários na Suécia. A população jovem vai se tornar majoritariamente masculina – atualmente, entre jovens de 14 a 17 anos, para cada 100 mulheres há 106 homens. Se todos os pedidos de asilo forem concedidos, essa relação será de 116 homens para 100 mulheres. Esses números são preocupantes, uma vez que a assimetria de gênero é receita para problemas como o que vivenciou Colônia.
É claro que não podemos generalizar a situação da Suécia para toda a Europa. Mas, uma vez que o fluxo de imigrantes está sendo feito de forma não equilibrada para um dos países, tanto em número absoluto de pessoas, quanto em relação a balanço de gêneros, isto significa que a Europa está falhando no controle e distribuição destes refugiados. Trata-se, portanto, de uma falha dos países, como um todo, no gerenciamento conjunto do problema.
Os intrusos – caronas da desgraça
Sobre o segundo problema. Um número crescente de marroquinos e argelinos, dentre outros de países pobres, porém pacíficos, estão vindo para o norte da Europa, se camuflando em meio a sírios e afegãos. Enquanto isso, as autoridades regionais que devem abrigar e alimentar os recém-chegados não sabem o que fazer com tanta gente, tendo que, por vezes, recusar asilo para quem realmente veio de um país em guerra, pois seus abrigos estão superlotados.
O acordo feito por Merkel se baseia basicamente no seguinte: todo refugiado de um país EM GUERRA terá abrigo na Europa. Este acordo não inclui pessoas de países pobres procurando uma vida melhor. Portanto, estes serão mandados de volta ao país de origem o mais rápido possível. Mas filtrar e separar refugiados de guerra dos sonhadores é um trabalho difícil, às vezes impossível. Muitos deles não tem consigo um documento sequer.
Continuando no exemplo de Colônia. A cidade de pouco mais de 1 milhão de habitantes abriga mais de 11 mil refugiados e continua recebendo mais de 1000 novos entrantes por mês. O surto de violência no ano novo foi causado, majoritariamente, por imigrantes muçulmanos argelinos e marroquinos. [2].
Juntando o primeiro problema – de desequilíbrio de gêneros – ao segundo problema – de imigrantes intrusos – temos uma receita explosiva: muitos homens em um mesmo lugar, sem trabalho, em circunstâncias desesperadoras, grande parte é de intrusos, e a maioria não possui os mesmo conceitos de liberdade e respeito às mulheres como o país no qual decidiram viver. Não se trata somente de se adaptar aprendendo a língua o que seria uma solução relativamente fácil, mas sim de se reeducar, reconstruir conceitos de uma vida inteira.
Então, na tentativa de controlar, ao menos minimamente, os fluxos em direção à Europa, Merkel ‘arregaçou as mangas e pôs as mãos na massa’. Ela saiu atrás de acordos com países do Magreb, Ásia e Turquia para ajudar a União Europeia a enviar de volta os requerentes de asilo recusados. Como moeda de troca, oferece a esses países o desenvolvimento. Mas, apesar dos incentivos, há poucos sinais de ação até agora, principalmente por parte da Turquia, que não parece fazer muitos esforços para controlar as fronteiras.
Os problemas econômicosDesemprego
Nesse meio tempo, enquanto a Alemanha e outros tantos países estão começando o trabalho difícil de lidar com o choque cultural e de integrar centenas de milhares de recém-chegados, há a outra grande questão atual da Europa e que tem importante conexão com o tema: o desemprego.
Revendo o contexto macroeconômico: a Alemanha está vinculada ao euro e a uma zona de livre comércio, cuja situação não está lá muito boa. Até aí, todo mundo já sabe. As exportações alemãs representam cerca de 45% do PIB [6]. Quase nenhuma outra nação desenvolvida depende tanto das exportações quanto a Alemanha. Sustentar uma economia assim, tão dependente da demanda externa é complicado – mesmo com uma ordem social estável como a alemã. Apesar de ser um exemplo de sucesso, a economia alemã já começa a mostrar sinais de arrefecimento. A pesquisa mensal feita pelo Ifo [5] reflete receios de que a desaceleração econômica da China – que passa por uma transição na qual, lentamente, tenta substituir a demanda externa pela interna – e dificuldades em outras grandes economias, como as emergentes, afetem as exportações da Alemanha.
Perder exportações pode implicar em perda de postos de trabalho, o que com o desemprego já elevado vira uma bola de neve. O desemprego na União Europeia é superior a 20% [3] em grande parte de Espanha, Itália, Grécia e os países dos Balcãs. Antes melhores clientes da Alemanha, estes países estão agora ficando sem saída. A questão do desemprego está se tornando cada vez mais séria. Primeiro porque é um problema crônico para a Europa, uma preocupação já antiga; e segundo, porque o mercado de trabalho é o principal e melhor motor de integração. Dando aos refugiados a oportunidade de trabalhar certamente ajudaria na integração e independência mais rápida dessas famílias da ajuda do governo. Entretanto, sem emprego é, novamente, uma receita explosiva. O desemprego não atinge a Alemanha da mesma forma que atinge estes outros países, mas o argumento de que imigrantes no mercado de trabalho roubam emprego dos locais é um dos principais argumentos usados pelos que não os desejam por lá.
Há quem diga que não se sustenta a suposição de que o concorrido mercado de trabalho alemão foi para os imigrantes: simplesmente por esta ser uma economia principalmente à procura de trabalhadores altamente qualificados. Um grupo empresarial analisou o perfil dos refugiados na Alemanha e revelou que quase 80% dos refugiados não possui qualquer habilidade altamente qualificada. Mas aprofundar nestes argumentos já daria uma discussão para outro artigo.
Sem soluçãoBom, os refugiados são pessoas normais em circunstâncias nada nada normais. A Europa é pacífica, rica e acessível. A maioria das pessoas prefere não abandonar as suas casas e começar de novo entre estranhos. Mas, quando a alternativa é a ameaça de morte por fanáticos armados, ou ir para um lugar totalmente estranho… Bom, eles fazem a escolha mais racional.
Interromper o fluxo de imigrantes ou não, permitir que eles trabalhem ou não, impor regras mais rígidas ou não, obrigá-los a seguir conceitos europeus de liberdade e direitos do cidadão, e da mulher, todas estas discussões parecem intermináveis. Merkel está correndo contra o tempo. Seus parceiros de coalizão estão cada vez mais inquietos e ministros têm desafiado abertamente a posição da chanceler. O partido opositor, União Democrata Cristã, anti-imigração, está quase alcançando folga na casa dos dois dígitos em preferência de voto.
O fato é que nada está isolado. Para conseguir lidar com o problema dos refugiados a Alemanha e a União Europeia como um todo terão que, antes, encarar seus próprios desafios. Enquanto isso, refugiados definham em acomodação indefinida, supostamente temporária, sem ter para onde ir ou voltar, sem ocupação, vivendo como apátridas em países onde a cultura dita o oposto do que eles sempre acreditaram. Se não forem tomadas as devidas providências, os que eram vítimas vão cada vez mais optar por fazer vítimas, estuprando e roubando nas ruas da Europa, vivendo marginalizados. O que teria uma saída simples, a de melhor organização na recepção e alocação dos imigrantes, não parece ser tão fácil, na prática, para as autoridades europeias que não chegam a um acordo.
Alguns países estão muito ocupados tentando sair da crise econômcia e consideram os refugiados um problema de segundo plano, mas essa situação pode se inverter em pouco tempo e essas pessoas podem se tornar a maior causa dos futuros problemas. Como chanceler da maior economia da Europa, Merkel deve dar o exemplo e “puxar a fila” assumindo a liderança. Ela continua a insistir que não pode haver limite algum para o número de asilos que a Alemanha deve conceder, e a Constituição concorda com ela. Mas cada vez mais a realidade parece sugerir o oposto.
[1]http://www.theguardian.com/commentisfree/2016/jan/10/ensure-germany-welcome-refugees-cologne-attacks [2] http://www.stadt-koeln.de/leben-in-koeln/soziales/koeln-hilft-fluechtlingen/fluechtlinge-koeln [3] https://terracoeconomico.com.br/o-pobre-do-terceiro-milenio/ [4] http://www.economist.com/news/europe/21688422-are-lopsided-migrant-sex-ratios-giving-europe-man-problem-oh-boy [5] http://www.cesifo-group.de/ifoHome/facts/Forecasts/Konjunkturprognose-Ostdeutschland.html [6] http://pt.theglobaleconomy.com/Germany/Exports/