Ano zero: uma história de 1945

“A guerra traz paz, mas só para as suas vítimas” Leonid Sukhorukhov

[caption id="attachment_3926" align="aligncenter" width="434"]Ano Zero Capa http://www.companhiadasletras.com.br/detalhe.php?codigo=13682[/caption]

Depois de amanhã, no dia 9 de Maio de 2015, boa parte do mundo celebrará os 70 anos do fim da 2ª Guerra Mundial. A última grande guerra deixou um rastro de destruição em muitas partes do mundo e deu início a uma série de importantes eventos na história, como a Guerra Fria, as independências decolônias ao redor do mundo, a ascensão de sociais-democracias, o triunfo do liberalismo (segundo Francis Fukuyama [1]).

Mas isso é o que podemos interpretar ao longo de muito tempo…ao longo de 10, 15, 30, 50 anos. Se aproximarmos a nossa lupa para o período imediatamente posterior à guerra, a figura não é tão rósea. É o que relata o jornalista holandês Ian Buruma em seu Livro “Ano Zero – Uma História de 1945”.

A principal referência para o relato é a própria família do autor, que viveu na pele os dias de horror da guerra. A partir disso, Ian parte para pesquisa a fim de narrar o que aconteceu no ano em que a guerra terminou.  O sentimento de regozijo, de alívio e de esperança que se formava com as notícias do front deu lugar ao desejo de vingança e a comportamentos perversosem um momento após a vitória e uma boa dose de calamidades foi possível até que a situação se normalizasse.

Imaginem o sentimento que os vencedores da guerra possuíam ao abrirem os portões de diversos campos de concentração e ao verem as condições às quais conterrâneos eram submetidos. Imaginem que após a capitulação do Eixo não havia muita regra estabelecida, não havia quem julgasse os possíveis crimes senão os próprios criminosos, não havia quem policiasse os vencedores. A imaginação pode ir longe e o autor coloca no papel algumas das práticas nada ortodoxas que os soldados aliados praticaram nas semanas após a vitória sob vistas grossas de seus superiores. Afinal, se os alemães fizeram o que fizeram, eles mereciam ser punidos…

Para nós que gostamos de economia, há um capítulo dedicado ao tema. Novamente, nos meses imediatamente após a rendição não havia instituições sólidas para que o comércio de bens e serviços funcionasse em harmonia. Não havia quem defendesse o consumidor. Não havia quem regulasse mercados. Não havia quem estabelecesse padrões de qualidade para produtos. Não havia quem assegurasse que os contratos fossem cumpridos. Assim, o ambiente era um prato cheio para a emergência de mercados negros, de contrabandistas e de falsários que vendiam de tudo sem a mínima obrigação de entregar o que prometiam.

Mas da mesma forma que havia quem quisesse tirar proveito econômico da situação caótica do final da guerra pelo lado da oferta, havia também que gostasse de tais contrabandistaspelo lado dos consumidores. Ao fim e ao cabo, conseguir algum bem ou produto desejado não era tarefa fácil com a economia em tão ou maioresfrangalhos que os monumentos históricos europeus. Então, por que não usar a influência para conseguir o que se pudesse pagar? Já que não havia mesmo quem estivesse de olho em como as coisas eram obtidas…

As pequenas histórias relatadas ao longo do livro e que acompanham o quadro geral do período pós guerra são extremamente interessantes e realistas: desde as narrativas mais macabras que dão conta de estupros e humilhações infligidas aos perdedores – e aqui obviamente não restritas aos que estiveram no front – até contos românticos dos bailes sediados em bases militares americanas onde as mulheres europeias se deliciavam ao som de rock na busca de um americano para namorar. Afinal, eles eram os libertadores que traziam uma nova perspectiva.

Ao longo das 430 páginas o autor faz questão de mostrar que, apesar de todos os avanços que obtivemos após a 2ª Guerra Mundial, apesar de toda a construção de instituições que deverá evitar por um longo período o que ocorreu entre 1939 e 1945, o instante imediatamente após uma guerra não é o melhor dos mundos e mostra quão perverso pode ser o período posterior a um conflito. Ou seja, ao se deparar com eventos semelhantes caso os conflitos existentes (Síria, Ucrânia, Iêmen, etc) revelem um vencedor, não se surpreenda:  haverá um sentimento de revanchismo no ar e um período sombrio em seguida.

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Leonardo Palhuca

Doutorando em Economia pela Albert-Ludwigs-Universität Freiburg. Interessado em macroeconomia - política monetária e política fiscal - e no buraco negro das instituições. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2018.

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