Arrogância
2.ext. qualidade ou caráter de quem, por suposta superioridade moral, social, intelectual ou de comportamento, assume atitude prepotente ou de desprezo com relação aos outros; orgulho ostensivo, altivez.
Humildade
2.virtude caracterizada pela consciência das próprias limitações; modéstia, simplicidade.
Economista
1.que ou aquele que está habilitado a prestar, em assunto econômico, assistência profissional a outrem.
Das discussões sobre a PEC do teto dos gastos, passando pelo valor de equilíbrio da taxa de juros ou do câmbio, os economistas parecem entrar em acordo em poucas coisas, ainda que aparentemente todos estejam cheios de dados e bons argumentos que comprovem suas teses. O professor de economia da Universidade de Harvard, Gregory Mankiw (sim aquele do manual “Introdução à Economia”) lança luz nessa questão e conta no seu brilhante artigo “When the scientist is also a philosopher” [1] um segredinho da profissão: nossas recomendações são baseadas não apenas no nosso conhecimento acerca de como o mundo funciona, mas também no nosso julgamento sobre o que é uma sociedade boa.
Segundo Mankiw, a necessidade do economista ser também um filósofo vem do fato de que a maioria das políticas públicas nunca são boas para todo mundo, ou seja, sempre irão prejudicar alguém ou apresentar efeitos colaterais. Por exemplo, quando o governo decide aumentar o salário mínimo, ele pode estar beneficiando as pessoas que recebem esse montante e ao mesmo tempo prejudicando os empresários, diminuindo seus lucros. Assim, eles consequentemente poderão contratar menos, gerando menos empregos e no limite tal política pode ser contraproducente (aqui caímos no argumento de um economista mais liberal, talvez outro mais ligado à heterodoxia chancelaria o aumento do salário mínimo). No caso brasileiro, essa decisão é ainda mais complexa, uma vez que os gastos com previdência social, dentre outros, estão atrelados ao valor do salário mínimo. Ou seja, aumentá-lo significa que o governo terá mais despesa e, consequentemente, menos dinheiro para investir em outras áreas, como saúde e educação, mesmo que esse aumento não possua uma contrapartida com indicadores de inflação ou produtividade.
Outros economistas, inclusive no Brasil, já alertam sobre o excesso de “economicismo” por parte da classe, que por muitas vezes limita a análise. Por exemplo, Fábio Giambiagi em seu último livro dedica várias páginas sobre este resgate necessário entre a ciência econômica e as demais ciências, como ética, política, demografia, filosofia e, no limite, biologia (pois não devemos esquecer que a economia é um sub-sistema da natureza) algo que era comum nos séculos XVIII e XIV, época em que Marx e Smith escreviam. Talvez o exemplo mais latente é o caso de Amartya Sen, brilhante pensador contemporâneo sobre economia e política, e que tem sua formação na filosofia.
Para mensurar o impacto de uma medida na sociedade, os economistas muitas vezes tentam usar modelos utilitaristas que visam a calcular o efeito agregado dessa medida. É como se cada pessoa tivesse uma cota de felicidade que pudesse ser medida e que o objetivo das políticas públicas fosse maximizar a soma dessas cotas. É claro que muitas dificuldades emergem desse objetivo. A mais óbvia é que as pessoas têm valores diferentes, outra é que o utilitarismo pode levar a dilemas éticos e não capturar conceitos mais subjetivos de bem-estar dos indivíduos.
Vamos tomar os modernos carros autônomos para exemplificar esse tipo de dilema: imagine que você esteja em um carro que dirige sozinho e um grupo de 5 crianças se soltam da professora e entram correndo na rua na frente do carro. O que esse carro deve estar programado para fazer? Desviar e bater no poste matando o passageiro, ou atropelar e matar as 5 crianças? Um utilitarista responderia rapidamente que o certo seria programar o carro para bater no poste. Talvez não seja tão fácil convencer uma pessoa a comprar um carro que esteja programado para matá-la.
Outra dificuldade decorre do fato de que a sociedade é um campo de estudo complexo, e ainda que nossas ferramentas econômicas para medir o impacto das políticas públicas são rudimentares. Makiw compara a economia com a medicina de 2 séculos atrás, mas eu acredito que ele esteja otimista a respeito do conhecimento médico. O corpo humano também é complexo e todos os tratamentos provocam efeitos colaterais.
Para reduzir o problema à meta-análise: uma ferramenta muito utilizada pela pesquisa médica vem sendo aplicada de maneira crescente na pesquisa econômica desde a década de 90. Trata-se de um tipo de pesquisa que tem como objetivo consolidar todos os estudos anteriores a respeito de um determinado tema para com isso tentar chegar a uma conclusão final. O pesquisador que faz a meta-análise não só olha para uma amostra muito maior – pois tenta consolidar as amostras de diversos estudos – como também acaba minimizando o viés da ideologia pessoal de cada pesquisador.
Mesmo assim, cada medida, por mais comprovada cientificamente que seja, deve levar em conta uma análise da realidade de cada sociedade ou, no caso médico, de cada pessoa. Para ilustrar, imagine um paciente idoso que tenha hipertensão e dificuldade para caminhar. Um médico estaria certo em prescrever um diurético para tratar a hipertensão. Porém, esse paciente com dificuldades para caminhar poderia sofrer uma queda ao tentar ir ao banheiro durante a noite, o que prejudicaria muito mais a sua saúde do que a pressão elevada.
Um dos dogmas da medicina é “em primeiro lugar, não cause nenhum mal”. Parece óbvio, mas não é. Basta um dado que para muitos pode ser estarrecedor e é mesmo: o erro médico é a terceira causa de morte nos Estados Unidos (perdendo apenas para doenças cardíacas e câncer). É por isso que muito se questiona ações do governo que visam a aumentar o número de profissionais médicos (seja por meio de abertura de novos cursos de medicina, seja atraindo profissionais estrangeiros para o país) abrindo mão da qualidade desses profissionais.
Muitas pessoas acreditam que um médico sem muito conhecimento é melhor do que nenhum médico. Mas isso nem sempre é verdade. Assim como o mercado é mais sábio que muitos economistas, a natureza também é mais sábia que muitos médicos, ou seja, economistas que normalmente apresentam soluções esotéricas e que vão na contramão do mainsteam na maioria das vezes estão sendo irresponsáveis com a sociedade e corre-se o risco de gerar um problema ainda maior (vide congelamento de preços de gasolina e energia aplicado nos anos recentes). Não raro, e exemplos não faltam em ambos os campos, um médico ruim, assim como um economista ruim, fazem muito mais mal do que bem.
Mankiw conclui, e tendemos a concordar com ele, que a chave para lidarmos com essas questões é a humildade. Por mais que se estude, temos que reconhecer que ainda temos muito o que aprender a respeito tanto do corpo humano quanto do funcionamento da sociedade. Por isso, na dúvida, tende a ser sempre melhor não colocar a mão.
Pedro Lula Mota Editor do Terraço Econômico
Renata K. Velloso Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia.
[1] Link para o artigo completo: http://www.nytimes.com/2014/03/23/business/economic-view-when-the-scientist-is-also-a-philosopher.html?_r=0