Os números do Mais Médicos: pirotecnia eleitoral x verdade dos fatos

Renata K. Velloso*

A presidente Dilma anunciou nesta sexta feira, dia 29, a prorrogação do programa mais médicos [1] numa tentativa de criar uma “agenda positiva” aos 45 do segundo tempo do seu governo.

Como sabemos, a presidente Dilma foi eleita através de um programa de marketing eficiente e criminoso (seu “marqueteiro” e a mulher dele continuam presos).  Nesse contexto, a área da saúde era uma das que recebia pior avaliação da população em 2013. Sem entender as reais causas dos problemas na saúde pública, gerada na verdade pelo abandono que o governo federal causou no setor, a população pedia mais médicos.  Por isso, um dos programas mais vistosos da então candidata à reeleição foi chamado de Mais Médicos.

O programa foi criado em 2013 com o orçamento de 540 milhões de reais [2], elevado a 1,9 bilhão de reais no ano seguinte (cerca de 1,8% do orçamento total do Ministério da Saúde). Hoje, o programa Mais Médicos conta com 18.240 médicos [3].

Desse orçamento de R$ 1,9 bilhão, R$ 1,5 bilhão foi alocado no Ministério da Saúde (do qual aproximadamente metade foi paga diretamente para Cuba [4]), R$ 359 milhões foram destinados ao Ministério da Educação e R$ 28,6 milhões para o Ministério da Defesa (sob a alegação de que esse valor seria necessário para transportar os médicos ao seu local de trabalho em aviões da FAB).

O governo alega que esses 18.240 médicos prestaram atendimento a 63 milhões de brasileiros [4]. Isso daria uma densidade médica de 0.28 médicos por mil habitantes. É um valor muito abaixo do recomendado pela OMS (de pelo menos 1 médico por mil habitantes) e ainda menor do que o total de médicos por habitantes no Brasil, aproximadamente 1.9.

A população brasileira de  205 milhões de habitantes tem cerca de 415.000 médicos. Como é possível que 18.240 médicos, ou seja pouco mais de 4% do total de médicos no País, atendam 30% da população brasileira? Dá pra acreditar em quem divulga esse tipo de dado?

A verdade é que o programa Mais Médicos é muito menor do que o governo quer fazer parecer. Só para se ter uma ideia, as faculdades brasileiras formam mais de 16.000 médicos por ano, ou seja, quase um Mais Médicos por ano de novos médicos brasileiros. [5]

O programa, lançado com toda pompa e que supostamente resolveria os problemas da saúde, na verdade veio substituir um programa já existente, o PROVAB, que funcionava desde 2011. Nesse programa, o recém- formado ganhava 10% de bonificação na nota da prova de residência (que forma médicos especialistas). O governo alegava que o PROVAB não tinha interessados brasileiros suficientes, por isso precisou criar o Mais Médicos. Na realidade, o PROVAB (que acabou sendo incorporado no mais médicos mantendo a bonificação na prova de residência para os médicos brasileiros que participam do programa) tinha mais de 3.800 médicos em 2013 ou cerca de ¼ dos médicos formados naquele ano. Não dá para dizer que havia falta de interesse.

Os dados atuais são ainda mais interessantes. Segundo o próprio Ministério da Saúde [6] no início de 2016  havia 1.173 postos no Mais Médicos abertos por profissionais que deixaram o programa. Estão sendo oferecidas vagas em cidades como Petrópolis, Niterói, Campinas, Jundiaí, São Paulo e Atibaia.  Essas vagas estão sendo disputadas por 12.791 médicos brasileiros, numa relação de quase 11 por vaga. Mesmo assim, o governo anunciou a renovação por mais 3 anos do contrato com o governo cubano.

Os médicos que participam do programa recebem uma bolsa de R$ 10.000,00 líquidos (além de ajuda de custos de alimentação e transporte para aqueles que optarem ficar por 3 anos no programa). Os médicos de Cuba recebem apenas US$ 1.000 (desse valor só $400 é pago diretamente a eles, $50 pode ser sacado por um familiar em Cuba e o restante só será pago no final do programa quando o profissional voltar para a ilha). O restante fica com o governo cubano [7]

Além da vinda de médicos estrangeiros para trabalhar no país, o programa Mais Médicos tem como objetivo também aumentar o número de médicos formados por faculdades brasileiras. Para esse fim o governo definiu a meta de aumentar 11,5 mil novas vagas nos cursos médicos até 2017.

Mas em novembro de 2015 o TCU suspendeu a abertura de novos cursos de medicina; [8] Para a ministra responsável pelo tema no TCU, os procedimentos adotados “descumpriram princípios basilares” da Lei de Licitações.

O governo alega que essas novas escolas serão abertas em regiões carentes de médicos com o objetivo de dar oportunidades a população local e fixar os médicos onde eles são mais necessários. Entretanto, das 2.290 novas vagas aprovadas no ano passado [9]. 840 (36%) estão concentradas no Estado de São Paulo. O Norte e o Nordeste juntos estão recebendo 460 (20% das vagas), sendo que nenhuma nova escola está sendo aberta da região Centro-Oeste, ou seja, o Sul e o Sudeste do Brasil contam com 80% das novas vagas. Serão sede dessas vagas cidades como Angra dos Reis, Araras, Bauru, Limeira, Guarulhos, Osasco, São Bernardo no Campo, São José dos Campos e Guarujá.

Até o momento o governo não divulgou nenhum dado de melhora nos índices de saúde relacionados ao programa. Não se tem ideia como o programa teria melhorado números básicos no setor como mortalidade infantil, morte materna, óbitos de crianças menores de cinco anos por diarréia aguda, etc. A única pesquisa que o governo divulga é o de satisfação do usuário. [10]

Enquanto isso doenças novas como o Zika e Chikungunya virus e antigas como a Sífilis que já deveriam ter sido erradicadas mas cuja prevalência está crescendo, continuam castigando a população, especialmente a mais pobre. [11]

Para pesquisadores, o Mais Médicos foi concebido com importantes falhas conceituais [12]. Na verdade, a população não quer mais médicos: ela quer mais saúde. O programa Mais Médicos é baseado em um conceito antigo de medicina cujo foco está tratamento das doenças e não na promoção da saúde que é feito através da prevenção. Além disso, ele é feito pela metade. Não adianta ter mais médicos e não oferecer remédios, leitos para internação e uma equipe completa para atender o doente. As evidências mostram que hoje a maioria da população sofre com doenças crônicas, como diabetes, colesterol alto, hipertensão e dores nas costas [13], por esse motivo, o dinheiro seria muito melhor gasto se fosse usado na prevenção educando a população e estimulando hábitos de vida mais saudáveis. Mas e a pirotecnia eleitoral, onde ficaria?

Renata K. Velloso Médica, formada em administração pública, vive e trabalha na Califórnia.

Notas: [1] http://goo.gl/HcMGSF [2] http://www.contasabertas.com.br/website/arquivos/7779” [3] http://maismedicos.gov.br/resultados-para-o-pais [4] http://oglobo.globo.com/brasil/cuba-podera-ganhar-anualmente-713-milhoes-com-mais-medicos-11529300 [5] http://www.brasil.gov.br/saude/2016/01/mais-medicos-56-dos-profissionais-brasileiros-decidem-permanecer-no-programa [6] http://www.crmpb.cfm.org.br/index.php?option=com_content&view=article&id=22138:a-solucao-nao-e-formar-mais-medicos&catid=46:artigos&Itemid=483) [7] http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2014/02/10/medica-cubana-presta-depoimento-ao-ministerio-publico.htm [8] http://www1.folha.uol.com.br/educacao/2015/11/1709919-tribunal-de-contas-suspende-abertura-de-novos-cursos-de-medicina.shtml [9] http://g1.globo.com/educacao/noticia/2015/07/governo-vai-abrir-2290-mil-vagas-de-medicina-em-faculdades-privadas.html [10]http://www.ebc.com.br/noticias/2015/07/usuarios-do-mais-medicos-dao-nota-nove-ao-programa-aponta-pesquisa [11] http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232015000200421&lng=en&nrm=iso&tlng=en [12] http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/redacao/2015/06/24/cresce-morte-de-bebes-por-sifilis-congenita-no-brasil.htm [13] http://www.brasil.gov.br/saude/2014/12/pesquisa-revela-que-57-4-milhoes-de-brasileiros-tem-doenca-cronica

Renata Velloso

Se de médico e louco todo mundo tem um pouco, Renata tem muito. Logo após se formar em Administração Pública pela EAESP-FGV, trabalhou no mercado financeiro com passagem pelo Citibank, Chase e JPMorgan. Certo dia, cansada da vida boa e rica no ar condicionado, resolveu abandonar tudo para ir estudar Medicina na Unicamp, onde se formou em 2010. Atualmente, além de ser bela e recatada, trabalha com projetos de inovação na área de saúde no Vale do Silício na Califórnia e também é autora do Criando Unicórnios, um livro de empreendedorismo para jovens e adolescentes.

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