As contas não fecham: uma análise do mercado de trabalho (parte 2)

Havia prometido aos leitores, em meu último texto, que comentaria as implicações do mercado de trabalho na inflação. E como promessa é divida, aqui vamos nós!

A Curva de Phillips e o velho trade-off entre inflação e desemprego

Já é sabido que na teoria econômica há um trade-off de curto prazo entre desemprego e inflação. Willian Phillips foi o primeiro a notar essa correlação negativa entre as duas variáveis após analisar a economia inglesa no século XVIII. Outros estudiosos, anos depois, comprovaram essa relação. Entre eles, Paul Samuelson e Robert Solow estudando a economia americana [1]. Foi assim que nasceu a famosa curva de Phillips que todos os economistas aprendem no seu curso de formação (ou ainda estão para aprender).

Abaixo apresento a curva de Philips da economia brasileira no período de janeiro 2006 a abril 2014. Escolhi esse período, pois os dados de emprego começam apenas em 2002 e entre 2002 e 2006 há uma grande interferência da taxa de câmbio na inflação (primeiro governo Lula), o que atrapalha um pouco a visibilidade da relação entre inflação e desemprego. Como podemos ver, a relação na economia brasileira não é diferente das estudadas em outros países.

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Fonte: IBGE, elaboração do autor

Mercado de Trabalho Aquecido =  Inflação de Serviços Alta

A microeconomia por trás dessa relação está na dinâmica da oferta e demanda do mercado de trabalho. Onde a oferta encontra a demanda, obtém-se o salário de equilíbrio, que é nada mais que o preço de mercado pelo trabalho. A variação do salário que decorre dessa dinâmica tem influência na inflação, principalmente a do grupo de bens de serviço. Essa relação mais forte com esse grupo ocorre basicamente porque a parte mais relevante dos custos desses bens é a mão de obra e dessa forma o aumento dos salários é repassado aos preços, gerando inflação.

No passado recente vimos um mercado de trabalho bem apertado, com a população ocupada crescendo de maneira relevante (ver gráficos do meu primeiro texto) o que gerou pressões para aumentos de salário.

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Fonte: IBGE, elaboração do autor

Hoje em dia a população ocupada parou de subir, mas como a população economicamente ativa (PEA) tem caído consideravelmente, os aumentos salariais continuam fortes. Quase 10% ao ano (4% real) é muita coisa!

Além de todos esses fatores já citados, há mais uma complicação no mercado de trabalho: a indexação. Como os trabalhadores sabem que a inflação corrói o poder de compra de seu salário, esses demandam sempre reajustes salariais acima da inflação. Tais ajustes, como já explicados, afetam a dinâmica da inflação de serviços cada vez mais para cima. Por esse motivo, a inflação de serviços tende a ser menos volátil e a seguir uma inércia, geralmente com viés para cima.

Portanto, quando eu digo que o mercado de trabalho está apertado, implicitamente enxergo pressões salariais e consequentemente inflação de serviços alta. Não é por menos que a inflação de serviços tem andado na casa dos 8%-9% nos últimos anos.

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Fonte: IBGE, elaboração do autor

Inflação de Serviços não contribui para a convergência da meta de inflação

Quando analisamos um índice cheio de inflação, IPCA por exemplo, nem sempre temos uma dimensão exata de como os preços de uma economia estão se comportando. Sendo assim gosto de olhar a inflação no Brasil basicamente por três grupos: administrados, livres e serviços.

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Texto 6 - Imagem 5Fonte: IBGE, elaboração do autor

O grupo de serviços, como expliquei acima, tende a ter menos variações. Considerando isso e um mercado de trabalho aquecido, com as expectativas de que a PEA continue caindo, digamos que a projeção desse grupo possa ser 8,5%. Ainda, imaginando que ano que vem é o ano do reajuste, a perspectiva para o primeiro grupo, administrados, é que no mínimo volte a sua média histórica de 4,5%.

Dado os pesos desses dois grupos, podemos calcular que esses dois grupos somados contribuem com aproximadamente 4% na inflação total. Isso significa que para voltarmos a meta de inflação de 4,5%, o restante da inflação (o grupo livres) que tem peso de 41,7% tem que contribuir com meros 0,5%. Em outras palavras, esse grupo deve ter uma  inflação de apenas 1,2% aproximadamente! Como podemos ver no gráfico acima, nunca tivemos uma inflação desse nível nesse grupo no passado recente. O mais perto que chegamos foi em 2009 quando o mundo estava em recessão. Portanto as conclusões não ficam difíceis..

O que quis mostrar com esse exercício simples é que no curto prazo é muito difícil que voltemos para a meta de inflação. O único jeito, a meu ver, é o aumento do desemprego, uma vez que o aumento do desemprego pressiona os salários para baixo, reduzindo portanto a inflação de serviços e, por conseguinte, a inflação cheia. Alguns economistas, como Samuel Pessôa [2],defendem essa hipótese. Infelizmente na economia existem trade-offs. Não há mágica que solucione por muito tempo. Quando o ajuste tem que ser feito, tem que ser feito. E, me perdoem o chavão, o remédio é amargo, mas é melhor do que permanecer doente por muito tempo. Caso contrário, a gripe pode virar pneumonia.

Notas

[1] Curva de Phillips
[2] A inflação e o âmago do debate

Victor Wong

Mestrando pela Escola de Economia de São Paulo da FGV. Já trabalhou no mercado financeiro na área de Pesquisa Econômica. Interessa-se pelas questões fiscais e monetárias, além do fator político de cada uma das decisões tomadas no âmbito nacional e internacional. Em outras palavras, a "macro" é com ele! Porém, bons argumentos nem sempre são suficientes para ganhar discussões. Dessa forma, utiliza-se de suas (poucas) habilidades de barman para embriagar as contrapartes: nada como saber o ponto fraco de seus adversários. Escreveu para o Terraço Econômico entre 2014 e 2015.

2 Comentários

  1. China, legais as análises e os dados que você conseguiu compilar de uma forma esclarecedora. Mas tenho algumas perguntas/opiniões. Na PEA entram as pessoas que estão desempregadas recebendo seguro desemprego? Ou só se elas estiverem procurando trabalho agora?
    Porque só pensando teoricamente, sem nenhum embasamento de dados, me parece que com o boom que rolou no Brasil, um monte de gente encontrou emprego e agora recentemente alguns perderam esse emprego, mas agora eles qualificam pra seguro desemprego (porque acabaram de deixar um emprego), enquanto antes não qualificavam. Então agora estão recebendo esse seguro e então deixam de procurar emprego. O que você acha?
    Também não entendi porque que você chamou uma parte do texto de “os nem-nem”, mas falou sobre as pessoas que estão estudando, os quais não se encaixam nessa classificação.
    Mais uma coisa é que além de todos os argumentos que você explicou sobre a inflação e o desemprego, eu entendo que tem também um fator positivo de a gente não estar vendo uma queda brusca no desemprego. Existem encargos pesados no Brasil pra contratação e demissão de funcionários, de forma que as empresas não querem ficar variando tanto o tamanho da sua força de trabalho. Eu vejo a escolha de não fazerem tantas demissões como um sinal de que as empresas enxergam o choque negativo da economia como passageiro, e que então vale a pena segurar os trabalhadores mais um pouco, mesmo que esteja caros, só pra não precisarem demitir e readmitir em pouco tempo.
    Enfim, pensei essas coisas. O que você acha? Beijos!!

    1. Paulinha, primeiramente quero agradecer o comentário. Será que ganhei uma fã? rs
      Sobre seu comentário, pensei a respeito disso também. No entanto, se realmente houvesse esse efeito, veríamos antes uma queda da população ocupada ou uma destruição das vagas criadas (por exemplo no CAGED). Por esses dois dados, não consigo enxergar um efeito significante: a PO não caiu e o CAGED apesar de estar fraco nos últimos meses, ainda não é negativo, ou seja ainda há contratações líquidas. Um problema disso é que eu não consigo ver a rotatividade que poderia ser alta e ter algum impacto no emprego pelo que você falou. Ainda preciso verificar de alguma forma.
      Sobre os nem nem, eles não são os que nem trabalham nem estudam, mas sim os que nem trabalham e nem procuram emprego, em outras palavras, estão estudando ou “aproveitando a juventude”. Não sei se deixei confuso no texto.
      Sobre o terceiro ponto, concordo com você. O problema é saber até quando as empresas conseguirão segurar as pessoas empregadas se é que o choque negativo é realmente passageiro. Quando passar desse nível, acredito que haverá um aumento rápido do desemprego que pode se retroalimentar (massa salarial cai, pessoas param de consumir, cai a demanda e assim vai). Por isso acredito que o desemprego pode subir mais que o mercado espera, ainda que a PEA continue caindo. Mas a pergunta que vale um milhão de reais (não estou brincando) é: qual seria esse nível?
      Se esse cenário ocorrer, a inflação desaba..
      Como pode-se ver muitas dúvidas e poucas conclusões. Amanhã sai a PNAD que tem uma abrangência maior que a PME. Vamos ver se estão contando a mesma história..

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