Uma questão que já deveria estar superada, mas continua surpreendentemente dividindo economistas do país, se refere às causas da recessão da economia brasileira iniciada em 2015. De um lado, alguns economistas insistem em culpar a política fiscal pela recessão, defendendo que uma suposta austeridade do então ministro Joaquim Levy tenha sido a principal causa da fortíssima queda do PIB observada em 2015. De outro, há quem explique a crise por um esgotamento do ciclo anterior, turbinado exponencialmente pelos efeitos da Lava Jato e das incertezas políticas.
Para entendermos melhor o que aconteceu, voltemos ao cenário esperado no início daquele ano.
Em janeiro de 2015, os economistas previam um crescimento bastante modesto para o ano, na casa de 0,5%, de acordo com a pesquisa Focus. O câmbio sofreria uma leve desvalorização, chegando a R$ 2,80 ao fim do período. A inflação subiria a 6,6%, pouco acima da meta, o que demandaria uma alta da taxa Selic de 11,75% para 12,50% ao longo do ano. O novo ministro da Fazenda já havia sido empossado, tendo anunciado a perseguição de um superávit primário de 1,2% do PIB.
Desta maneira, naquele momento já se vislumbrava as políticas fiscal e monetária mais restritivas do que no ano anterior. Dois outros problemas também já estavam no horizonte: risco de racionamento energético e queda nos preços internacionais das commodities, principalmente o petróleo. É verdade que alguns poucos analistas admitiam a hipótese de um desempenho negativo, ainda que bastante modesto, mas ninguém passava perto de prever os 3,8% de queda.
Se considerarmos então que parte considerável do efeito ressaca do ciclo anterior já estava implícito em um crescimento próximo a zero para o ano, resta saber, portanto, por que o resultado foi quase 4 pontos de PIB pior.
Uma análise da evolução das variáveis macroeconômicas ao longo do ano pode ajudar nessa tarefa.
A inflação, por exemplo, subiu bem acima das expectativas, principalmente em razão dos preços administrados que foram descomprimidos com muito mais força do que o esperado, subindo 18%. Uma inflação tão elevada tem como primeira consequência a redução da renda real dos agentes, afetando negativamente o consumo. Uma segunda consequência é que, com o IPCA lá em cima, o Banco Central precisou aumentar a taxa de juros para um patamar quase 2 pontos percentuais acima do esperado.
Outro fator que fugiu muito às previsões iniciais foi o câmbio. Ao longo do ano, sofreu forte desvalorização, refletindo o aumento no risco país. Em dezembro, chegou a 3,96 reais por dólar, muito acima dos 2,80 que eram esperados em janeiro. É importante sublinhar que este movimento foi deflagrado apesar do Levy, e não por conta do Levy. As maiores desvalorizações no ano foram observadas nos momentos em que sua opinião foi contrariada pelo restante do governo, como na mudança da meta de resultado primário ou no envio de orçamento deficitário para o ano seguinte[1]. Vale lembrar que este último episódio foi o determinante para a perda do grau de investimento do país, como destacado pela agência de risco responsável em seu comunicado.
Neste cenário com risco, câmbio e juros mais elevados, as expectativas para a atividade se deterioraram bastante. Ao mesmo tempo, o preço do petróleo, o endividamento da Petrobras e o avanço da operação Lava Jato contribuíam para a forte queda do investimento. Somente com o desinvestimento do setor de óleo e gás, estimativas de mercado atribuem de 1,0 a 2,5 pontos percentuais de perda de produto.[2]
Por fim, é importante destacar que, mesmo com a eleição de 2014 já no retrovisor, o grau de turbulência política continuou alto em 2015. A desastrada eleição para a presidência da Câmara trouxe grande instabilidade na relação do governo com a Casa, traduzida na colocação de pautas-bomba e na ameaça crescente de deflagração do processo de impeachment. Neste contexto, o grau de incerteza dos agentes subiu bastante, como mostra o indicador de incerteza econômica (IIE) do IBRE, afetando negativamente a atividade.[3]
Essas considerações sugerem, portanto, que uma série de acontecimentos contribuiu para que o resultado do PIB de 2015 fosse, além de negativo, muito pior do que o esperado no início do ano. Quantificar o efeito de cada um deles isoladamente é uma tarefa muito difícil, principalmente quando eles se retroalimentam. É possível perceber, contudo, que explicar grande parte do resultado desastroso pela austeridade fiscal soa bastante estranho.
A tese se complica ainda mais quando verificamos os números fiscais do Governo Federal. Mesmo sem considerar o pagamento dos atrasados em dezembro de 2015, a despesa naquele ano caiu cerca de R$ 30 bilhões em relação a 2014 em termos reais. O PIB caiu mais de R$ 250 bilhões, cerca de oito vezes mais. Qualquer um que conheça a literatura sobre multiplicadores fiscais sabe que só uma verdadeira mágica para que a hipótese fizesse algum sentido.
Argumentar, portanto, que a “austeridade” fiscal foi a principal causa da crise de 2015 é um erro de proporções assustadoras. Em um momento em que o cenário político se complica, é importante sublinhar este ponto, para que as virtudes da atual política econômica não sejam ameaçadas.
Guilherme Tinoco – Mestre em Teoria Econômica pela FEA-USP Notas: [1] Ver, por exemplo, em http://economia.estadao.com.br/blogs/descomplicador/cinco-motivos-para-a-disparada-do-dolar/ [2] Apresentação da ASSEC/MP na Anpec de 2015 mostra algumas estimativas de mercado. [3] Barboza (2017) mostra isso de maneira mais formal. Ver: Barboza, Ricardo. Os efeitos da incerteza sobre a atividade e política monetária no Brasil. Dissertação de mestrado, PUC-Rio.