No intrincado panorama das instituições nacionais, o Banco Central (BC) tem se destacado como guardião da moeda e timoneiro da política monetária, resultado do compromisso institucional com controle inflacionário e estabilidade do sistema financeiro em prol do cidadão. Seu grau de autonomia atual baliza o compromisso com a estabilidade econômica e aumento da eficiência no sistema financeira para ganhos à sociedade. Entretanto, o nível de autonomia alcançado em 2021 ainda se mostra insuficiente para aumento adicional da capacidade de ofertar produtos e serviços para a sociedade.
Nascido com autonomia plena em 1964, o BC viu sua autonomia cerceada e corroída por interesses divergentes. A demissão sumária de seus diretores pelo Presidente Costa e Silva em 1967 epitomizou a subjugação da instituição ao poder central.
A falta de autonomia do BC persistiu mesmo com a Nova República, não rendeu bons frutos e o Brasil acabou por vivenciar o pior período de inflação desde seu descobrimento, acompanhado por piora da distribuição de renda e perda de eficiência econômica. A ampliação da quantidade de membros do CMN acabou por aprofundar os conflitos de interesse e relegar o controle da inflação a segundo plano. A inflação galopante das décadas de 1980 e 1990, um monstro devorador da economia, evidenciou as falhas estruturais do sistema monetário brasileiro.
O Plano Real de 1994 representou um ponto de inflexão nessa história. A redução drástica do número de membros do CMN para três e o consequente resgate do controle da política monetária pelo BC sinalizaram um novo alvorecer. Com o controle da inflação, o BC teve que lidar com a árdua tarefa de saneamento do sistema bancário, composto por um emaranhado de instituições públicas e privadas em situação precária, que demandou anos de trabalho com dedicação e persistência dos servidores da casa.
No ano de 2021, um novo capítulo foi escrito na saga da autonomia do BC. A promulgação da Lei Complementar nº 179 consagrou mandatos fixos de quatro anos para o presidente e diretores da instituição, blindando-os contra interferências e efetivando sua autonomia operacional. Apesar de a autonomia operacional ter se tornado realidade, as dimensões de autonomias administrativa e financeira, prevista na mesma Lei, não se concretizaram.
Um bom exemplo de como a falta de autonomia limita a atuação do BC pode ser dado com o Pix. Serviço criado pelo BC com a tecnologia desenvolvida dentro do Banco Central com desenho robusto, eficiente e barato, que custa às instituições financeiras R$1 a cada 1.000 transações. Ao reembolsar o BC pelo uso do sistema, os bancos acabam por aumentar a receita do Tesouro Nacional em R$ 50 milhões (as 50 bilhões de transações feitas nos últimos 12 meses), mas não há contrapartida em aumento do orçamento disponível para o BC, acabando por inviabilizar outras iniciativas importantes.
Hoje, mais do que nunca, o BC se encontra em um momento crucial de sua história. Existe uma asfixia operacional por falta de recursos humanos e investimentos. A novas funcionalidades do Pix, o DREX e o Open Finance têm sido travadas por limites orçamentários. A oportunidade de completar sua autonomia, outorgando ao BC plena capacidade operacional, se apresenta como um farol a guiar a instituição rumo a um futuro mais próspero e estável para a nação. Na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) nº 65 de 2023 em análise no Senado Federal, estão previstas 5 autonomias:
- (i) a autonomia técnica garante ao BC a liberdade de se basear em conhecimentos científicos e expertise técnica para formular e implementar políticas monetárias e regulatórias. Sem amarras ideológicas ou pressões políticas, o BC pode tomar decisões embasadas em dados e análises rigorosas, assegurando a solidez e a eficiência de suas ações;
- (ii) a autonomia operacional permite que dirigentes possam perseguir os objetivos traçados pelo governo de maneira autônoma com mandatos com prazo fixo e tem rendido bons frutos para respostas adequadas a choques de preços. O BC tem mantido foco em seu objetivo fundamental de controle da inflação e também em garantir estabilidade e plena eficiência do sistema financeiro, suavização de flutuações econômicas e buscando o pleno emprego;
- (iii) a autonomia administrativa concede ao BC a capacidade de gerir seus próprios recursos humanos, materiais e patrimoniais de forma autônoma. Essa liberdade garante otimização dos recursos, profissionalização da gestão e construção de estrutura administrativa robusta e eficiente, essencial para o bom funcionamento da instituição;
- (iv) a autonomia orçamentária permite ao BC elaborar e executar seu próprio orçamento, definindo como os recursos serão alocados entre as diversas áreas da instituição. Essa prerrogativa garante a independência na gestão dos recursos financeiros, possibilitando investimentos estratégicos em áreas prioritárias e o aprimoramento contínuo da capacidade técnica e operacional do BC;
- (v) a autonomia financeira garante ao BC a capacidade de gerar e administrar seus próprios recursos, sem depender de transferências do governo. Essa independência financeira permite à instituição manter sua sustentabilidade a longo prazo, investir em infraestrutura tecnológica e fortalecer sua capacidade de pesquisa e desenvolvimento.
A combinação dessas autonomias gera um efeito sinérgico, amplificando a capacidade do BC de cumprir suas obrigações e entregar serviços mais relevantes para a sociedade brasileira como estabelecer e implementar regulações eficazes para o mercado financeiro, protegendo consumidores, promovendo concorrência leal e garantindo transparência das operações. Será possível ainda, ampliar investimento em infraestrutura tecnológica, aprimorando sistemas de pagamento, otimizando processos internos e oferecendo serviços mais eficientes e inovadores à população.
O fortalecimento da autonomia do Banco Central será, sem dúvida, um capítulo fundamental na história da economia brasileira. As conquistas alcançadas ao longo dos anos, a serem complementadas se aprovada a PEC nº 65, continuarão a garantir ao BC independência, profissionalismo e condições necessárias para cumprir sua missão com excelência.
Wandrys Nascimento de Sousa, Analista do Banco Central do Brasil, com graduação em Estatística (Ufg), Matemática (Mackenzie) e Contabilidade (Unb). Possui pós-graduação em Gestão de Cooperativas de Crédito e Data Science e Analytics pela USP, além de MBA em Administração, Negócios e Finanças (PUCRS e IPOG).
Thiago Rodrigues Cavalcanti, Analista do Banco Central do Brasil, com graduação de Ciência da Computação (Cin-UFPE), mestrado em Engenharia de Software (Cin-UFPE) e doutorado em Economia (UnB).