2001: uma odisseia econômica

Antes de mais nada, ressalto que o texto contém consideráveis SPOILERS sobre o filme.

Continuando por sua conta risco, em relação a possíveis spoilers, o filme “2001: Uma odisseia no espaço” é uma obra indispensável para os amantes da sétima arte. Além de grande referência para filmes de ficção científica. Vários parágrafos poderiam ser escritos aqui, analisando e ressaltando os aspectos técnicos e cinematográficos tão louvados pelos críticos. Contudo, o mérito da obra não para por aí, dado que também carrega uma interessante metáfora econômica, algo que talvez não tenha sido planejado pelo diretor, Stanley Kubrick.

O filme de 1968 narra uma jornada espacial no ano de 2001 para o planeta Júpiter, com o objetivo de descobrir a origem de um estranho sinal emitido por um monolito descoberto enterrado na lua. O fato é que este mesmo objeto estranho fora outrora encontrado na terra, mas em um contexto completamente diferente. O primeiro ato do filme, “The Dawn of Man”, apresenta um grupo de primatas vivendo entre antas em um clima desértico de vegetação rasteira, onde tudo aparentava ser escasso. As duas espécies buscavam alimento no solo e entre as gramíneas e estavam ambas vulneráveis a predadores e às intempéries do ambiente.

“The Dawn of Man”. Cena do filme “2001: Uma odisseia no Espaço”.

Este grupo de primatas, encontrou um pequeno lago que parecia ser a única fonte de água em muitos quilômetros. Não obstante, um segundo grupo de primatas os expulsa e toma o lago para si. Já aqui, notamos o comportamento competitivo e egoísta mediante à escassez, previsto pela teoria econômica de Adam Smith. O grupo expulso do lago, oprimido e ultrajado, busca abrigo em uma pequena caverna. 

A surpresa vem na manhã seguinte, quando um monolito simplesmente aparece junto aos primeiros raios de sol diante da caverna. A reação inicial dos primatas é agitação e histeria. Passados estes primeiros instantes, eles passam a tocar o estranho objeto, em seguida, quase a admirá-lo como algo divino.

Primatas apreciam o monolito. Cena do filme “2001: Uma odisseia no Espaço”.

Na manhã seguinte, um destes primatas que fez contato com o monolito, faz uma pequena descoberta revolucionária: seus polegares opositores não serviam apenas para se pendurar em galhos, mas também para segurar objetos, especificamente, um osso de anta. Você consegue imaginar qual foi a primeira providência tomada com a descoberta? O primata inovador atacou uma anta, a mesma espécie que antes vivia em pé de igualdade perante os recursos naturais. Contudo, o ataque não foi por mera violência, na escassez de vegetais, o primata inovador levou ao seu bando alimento fresco, rico em proteínas.

O seu segundo ato foi não foi apenas pela escassez, mas por política e dominância: vingança! Após ensinar o manuseio de seu poderoso osso aos demais do bando, melhor munido e nutrido, o primata tomou o lago de volta. Este osso foi um pequeno grande passo para o futuro da humanidade, uma metáfora para a tecnologia e a sua relação com os seres humanos.

O conceito de tecnologia é muito valioso para a Ciência Econômica e está presente nas mais diversas teorias. Segue um trecho redigido pelo economista Willian Oliveira a respeito da importância da tecnologia:

As contribuições de Joseph Schumpeter representaram uma mudança de paradigma sobre o papel da inovação na ciência econômica. O Autor indica que a inovação é o motor do desenvolvimento econômico, e que cada paradigma tecnológico traz sobre si os conjuntos necessários para sua própria superação. Desta forma, acontece um processo sequencial de destruição criadora, onde a tecnologia obsoleta abre espaço para a nova, levando a economia a um estado permanente de desenvolvimento superior ao do paradigma superado.

Embora estudos empíricos relevantes que levantem os impactos quantitativos da inovação no desenvolvimento sejam de extrema dificuldade teórica, os apontamentos de Schumpeter são praticamente consensuais na economia. Entretanto, alguns economistas como Fajnzylber, apontam que a tecnologia pode agravar problemas de ordem social quando se há disparidades na difusão e acesso das mesmas. Tais aspectos podem ser percebidos nos atos dos primatas retratados por Kubrick, o primeiro traz um aspecto de inovação que, embora envolva o subjugação de uma outra espécie, garante nutrientes à sua em uma época de escassez. Já o segundo ato é levado por pura vingança, reforçando os impactos tecnocráticos da inovação.

Como foi possível notar, a tecnologia foi de grande importância para superar problemas de escassez, além da fragilidade física da espécie humana se comparada a outros animais. Contudo, os impactos da tecnologia não param por aí, basta notar os paradigmas da questão ambiental que vivemos hoje. Ao longo dos séculos, nos empenhamos em desenvolver ferramentas que melhoram as nossas condições de vida. Mas no longo prazo, provocamos sérios danos aos ecossistemas do planeta, além de problemas sociais em diferentes níveis, algo contra intuitivo para quem dava os primeiros passos tecnológicos. Quem esperava que a nossa tecnologia geraria impactos contra nós mesmos?

“Olho” do HAL 9000. Cena do filme “2001: Uma odisseia no Espaço”.

Bem, Kubrick pode também ter apresentado uma metáfora para isso em pleno 1968. Os atos seguintes do filme mostram a que ponto a humanidade chegou com sua tecnologia, dispondo agora de naves e trajes espaciais que permitiam viajar para fora da terra, possuir bases extraterrestres e o mais surpreendente, o Heuristically programmed ALgorithmic computer, HAL 9000.

Este último, uma verdadeira primazia, um computador de bordo completo que consegue ouvir, ver, falar e por fim, desenvolver raciocínios, tais como o que resultou em sua tentativa de matar todos os tripulantes que viajavam para Júpiter. A criação se voltando contra o seu criador.

Apenas um tripulante sobrevive ao ataque e é este que chega ao planeta inexplorado e passa por uma experiência quase astral com imagens que dificilmente seriam bem descritas pelas minhas palavras, por isso recomendo fortemente que o leitor deste texto assista ao filme.

Neste ponto da obra, existe uma grande discussão sobre o que querem dizer os acontecimentos ocorridos em Júpiter, uma interpretação sugere um encontro com seres extraterrestres extremamente evoluídos vivendo em uma forma quase espiritual, tal como divindades. 

Esses extraterrestres seriam, ao menos supostamente, os remetentes do monolito que levou aos humanos a dádiva da descoberta tecnológica, com o objetivo de que os mesmos viessem ao seu encontro no futuro, para enfim compreenderem a grandiosidade do universo e da existência e levar esta última etapa evolutiva ao seu próprio planeta.

Com esta interpretação, creio que podemos nos dar o direito de pensar para além do HAL 9000, podemos olhar para onde chegamos e mirar onde queremos chegar com o nosso conhecimento. Meus próprios devaneios, me fazem acreditar que a tecnologia é uma ferramenta inalienável da espécie humana, todavia, o uso que queremos fazer dela daqui para frente está em nossas mãos, ainda as mesmas dotadas de 5 dedos e polegares opositores.

João A. Leite

É graduando em economia pela Universidade Federal de Juiz de Fora, editor da Revista Jabuticaba e atualmente intercambista na Universidade da Beira Interior (Portugal).

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