Bolsonaro e o eleitor mediano: extremos não vencem eleição!

Imagine uma praia com 2 quilômetros de extensão. Em cada ponta da praia, há um sorveteiro. Cada um deles vende para os seus consumidores, que gostam do fato de não ter que andar muito para comprar sorvetes. Além disso, os produtos vendidos pelos sorveteiros são personalizados, pois conhecem muito bem cada uma das preferências de seus fiéis consumidores.

Contudo, um deles, que fica à esquerda da praia, percebeu que se ele fosse em direção ao centro, ele poderia aumentar o número de clientes, mesmo que os que ficavam na ponta esquerda tenham que abdicar do seu conforto e andar um pouco mais para adquirir um gelado! O que fica na direita, sabendo da estratégia deliberada do seu concorrente, também começou a caminhar em direção ao centro, abocanhando mais amantes de picolé! No final, os dois se encontraram no centro da praia, disputando cliente a cliente e buscando ganhá-los prometendo a melhor paleta mexicana da praia! No final, o sorvete dois era muito parecido e pouco importava de qual comprar!

A semelhança com a realidade política, mas sem sorvetes

A história acima normalmente é contada para ilustrar um teorema famoso no estudo da ciência política: o caso do eleitor mediano. Misturando o ensino de Teoria dos Jogos e Probabilidade Estatística, o teorema do Eleitor Mediano, ideia criada pelo economista político Anthony Downs, diz que em um eleitorado distribuído de forma normal [1] ao longo de uma dada escala de preferências (por exemplo, o eixo esquerda­direita), tende a vencer a eleição quem conquistar o voto de um hipotético “eleitor mediano”.

Esse “eleitor mediano” tem metade dos votantes à sua direta, outra metade à sua esquerda. Na disputa entre um concorrente de esquerda e outro de direita, resumidamente, cada um já teria garantidos os eleitores do seu lado do espectro ideológico e, portanto, faltaria a ele conquistar apenas mais um voto para ter a maioria. O voto decisivo seria o do eleitor mediano. Quem cativasse esse votante hipotético, ganharia a eleição. Por essa razão, há uma tendência dos partidos à esquerda e à direita de rumar para o centro.

[caption id="attachment_6801" align="aligncenter" width="600"] Nessa lógica, nenhum candidato ficaria nas posições 1-4, tampouco na 7-10; estas são ditas estratégias dominadas. Fonte: http://goo.gl/vAEhgu[/caption]

É claro que esse é um modelo apenas introdutório dentro das ciências políticas, pois não leva em consideração outros aspectos como: (i) caráter do candidato; (ii) histórico de um partido; (iii) a capacidade de gerar confiança no eleitor; (iv) possibilidade de não votar (em outros países) ou; (v) guinadas e radicalismos ideológicos momentâneos na sociedade votante. [2]

Como dito, o modelo apresentado é apenas teórico, uma abstração da realidade. Mas a semelhança com os políticos brasileiros não é mera coincidência… Lembrou de alguém?

[caption id="attachment_6802" align="aligncenter" width="610"] Campanhas em 1989 e 2002 do ex-presidente Lula! Quanta diferença! Fonte: Revista Brasil Urgente e Veja.[/caption]

Lula, estrategista como poucos no Brasil, percebeu que se permanecesse com seu discurso proferido na eleição de 1989, conseguiria vender seu sorvete até a posição 3, no máximo. Aos poucos, foi amadurecendo seu discurso, e chegou e ganhou a eleição em 2002 bem diferente como apareceu em 89, na figura do Lulinha ‘paz e amor’.  A Carta aos Brasileiros, escrita por Lula em 2002 para acalmar os mercados após sua eleição [3], é extremamente moderada e destoa por inteiro de seu posicionamento político inicial.

Como um especialista em Ciência Política, Lula pulou algumas casas à direita para conquistar os eleitores medianos.

E o Bolsonaro? Onde entra nessa história?

Com o aprofundamento da crise política e consequentemente da crise econômica, e ainda com um vácuo aparente de lideranças no ambiente político, surgem políticos nos extremos ideológicos, tanto os de esquerda como os de direita. Neste último espectro, lembra-se quase que automaticamente de Jair Bolsonaro, deputado federal pelo PSC-RJ, defensor ferrenho da liberdade de defesa do cidadão e do combate à impunidade e crítico dos governos do PT e das ideias de cunho socialistas.

Em seu voto no processo de Impeachment de Dilma Rousseff na Câmara dos Deputados, Bolsonaro parabenizou o [agora afastado] presidente da Câmara Eduardo Cunha e dedicou seu voto ao coronel Carlos Alberto Brilhante Ustra, chefe do DOI-Codi em São Paulo, órgão de repressão política que foi palco de torturas durante o regime militar. [4]

Colecionando opiniões controversas e discursos inflamados [5], Jair Bolsonaro foi alçado a presidenciável para 2018. Na última pesquisa eleitoral, feita pelo Datafolha em abril/2016 [6], Bolsonaro contava com 8% dos votos no melhor cenário. Assim, ele certamente tem abocanhado os votos dos eleitores do campo 10 e alguns do 9 da imagem acima, mas tem dificuldade de se aproximar dos outros eleitores, quem dirá do eleitor mediano! Para aumentar a quantidade de votos, Bolsonaro terá que amainar o discurso totalitário, contra minorias, por exemplo [6], e caminhar alguns passos para o centro do espectro político.

Isso, claro, se quiser ganhar algum cargo executivo.  O eleitor mediano é quem decide a eleição, e ele, hoje, não aceita o discurso do deputado do PSC-RJ. Assim, Bolsonaro não será eleito para o cargo máximo da República Brasileira. Pelo menos, não com esse discurso.

Notas:

[1] A distribuição normal de um certo conjunto de fenômenos (por exemplo, eleitores) concentra a maior parte dos casos no espaço intermediário de uma escala, reduzindo­se o número na medida em que se vai para os extremos superior ou inferior (a chamada “curva normal”). Por exemplo, na distribuição esquerda­direita, o grosso do eleitorado ficaria no centro, reduzindo­se quanto mais se fosse para a direita ou para a esquerda. Ver mais em: http://goo.gl/QHp3wj

[2] Para a lógica da distribuição do eleitorado segundo o teorema, ver este artigo: http://goo.gl/nTKjaz

[3] Leia a íntegra da Carta aos Brasileiros neste link: http://goo.gl/MMbLl2

[4] Mais detalhes aqui: http://goo.gl/2TORdq

[5] Não vou entrar aqui nos pormenores do comportamento de Bolsonaro, mas indico um ótimo texto sobre ele aqui: http://goo.gl/wv9HHW

[6] Algumas frases de Jair Bolsonaro: http://goo.gl/NngSG4



Atualizações do Editor (2018): Sim, você chegou aqui e pensou: “Meu Deus, onde esse tal de ‘Arthur Solow’ estava com a cabeça quando escreveu isso?” Como é perceptível, o cenário político mudou bastante desde maio/2016. Eu escrevi dois outros textos, relacionados à este assunto, que foram publicados em 2018: 1. O fenômeno político chamado Jair Bolsonaro https://terracoeconomico.com.br/o-fenomeno-politico-chamado-jair-bolsonaro 2. Onde foi parar o Eleitor Mediano? Alguém o viu por aí? https://terracoeconomico.com.br/onde-foi-parar-o-eleitor-mediano-alguem-o-viu-por-ai-2 E seeeeeegue o jogo!